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Organograma 02 – Relação dos comuns amazônicos com o poder/influencia

10. Mudanças Climáticas

2.3 O PANORAMA DA SUSTENTABILIDADE NA HILÉIA 14 : ENTRE A

GOVERNANÇA CLIMÁTICA E FLORESTAL

Compreender as múltiplas faces da Amazônia não é tarefa fácil, sobretudo pelas múltiplas visões pensadas, criadas e executadas na/para e para fora da região em questão. Visões essas, em parte decorrentes das variadas concepções de desenvolvimento e estágios que a região foi acometida, e em parte por entendimentos distorcidos e sem fundamentação que foram repetidos e (alguns) consolidados no imaginário de entusiastas, pesquisadores e planejadores de politicas publicas para a região. As peculiaridade e especificidades da região amazônica estão além de todo e qualquer estudo ou material produzido e/ou reproduzido sobre a mesma, ainda que no inicio do presente capitulo tenha sido exposto a literatura-base do presente estudo sobre a região, a realidade e magnitude da região só podem ser presenciadas in loco. Euclides da Cunha15, ilustre escritor brasileiro, lá em 1909 durante sua

passagem na região esboçou a magnitude desta terra, quando apontou que “...Há alguma cousa extraterrestre naquela natureza anfíbia, misto de águas e de terras, que se oculta, completamente nivelada, na sua própria grandeza” (CUNHA, Euclides. 1994, p.33).

Agenda muito frequente e palavra-chave que se tornou um complemento quando se pensa na região, a Sustentabilidade trouxe e traz diferentes perspectivas, entendimentos e compreensões sobre a região. Lima e Pozzobon (2005, p. 2) explicam que durante os anos 1990 foi consolidado pela sociedade ocidental um referencial teórico novo, com conceitos oriundos da ecologia e da teoria biológica da evolução, tal como, com influências das propostas dos movimentos ambientalistas. Por sustentabilidade ecológica entende-se então, enquanto “a capacidade de uma dada população de ocupar uma determinada área e explorar seus recursos naturais sem ameaçar, ao longo do tempo, a integridade ecológica do meio ambiente” (LIMA e POZZOBON, 2005, p.1). Esse seria, então, um dos prismas mais importantes para as análises realizadas no âmbito da diversidade social e ecológica da região.

Sempre muito direcionada quase que unicamente a uma visão única: de que na Amazônia só tem florestas e riquezas diversas, o prisma da sustentabilidade, os mercados globalizados, o foco no meio ambiente e a diversidade foram (e são ainda) temáticas

14 Hileia, palavra de origem grega derivada de Hilaea, que significa mata virgem, inexplorada. Foi a denominação dada por Alexander von Humboldt (1769-1859) à floresta amazônica.

15 (1866-1909) foi um escritor e jornalista brasileiro, com passagem pelo Itamaraty. A convite de Rio Branco, comandou uma expedição pela Amazônia que tinha como objetivo principal a demarcação de fronteiras, mas que acabou resultando em uma valiosa e profunda análise social da região, revestida de contemporaneidade.

recorrentes na região amazônica. E isto teria contribuído para a formação de um imaginário simbólico que projeta a concepção de Amazônia como um espaço exótico e outras enunciações que visam a destacar o deslumbramento do olhar estrangeiro sobre a imensidão verde desconhecida (PRESSLER, 2012, p.11). Deste modo, a região adentra as discussões internacionais sobre meio ambiente, desenvolvimento e sustentabilidade (sobretudo na década de 1990) sob o panorama da importância acerca de seus comuns, ao mesmo tempo acometida pela degradação de muitos deles, em especial de suas florestas tropicais. A partir de tal projeção no inicio da década de 1990 e com a ampliação da discussão acerca de um desenvolvimento sustentável, os holofotes (em especial do norte-geopolítico) voltam-se novamente a região, agora sob pretexto de sensibilização para conservação. Inicia-se, então, a construção de um campo ambiental transnacionalizado na Amazônia. (PRESSLER, 2012. P. 60).

Estamos nos aproximando de quase meio século desde a emblemática e significativa década de 1970, onde os problemas ambientais passaram a ser direcionados para além da visão de ecólogos, biólogos, geólogos e etc., tornando-se então, em problemas internacionais. A origem, em grande medida e já comprovada, de muitos desses problemas ambientais é decorrente das relações produtivas da sociedade urbano-industrial, que se originaram e amplificaram, direta ou indiretamente, a maior parte dos problemas ambientais enfrentados na “modernidade” (ROCHA, 2002, p.2), como as mudanças climáticas. Esse quase meio século de discussões insistentes sobre a temática ambiental não foi suficiente para direcionar o mundo no caminho de um desenvolvimento sustentável (resguardando, ainda que, os aspectos polissêmicos do conceito). Ulrich Beck (1999, p.33) afirmou a 20 anos atrás que vivíamos (ainda vivemos) em um mundo fora de controle, onde não há nada de seguro além da incerteza. Para Beck, a sociedade moderna tem produzido e sido acometida por uma “sociedade de risco”. Ou seja, uma sociedade que “fabrica incertezas” não quantificáveis e mensuráveis em diversos segmentos, e que como consequência a isso, traz ao cenário atual um panorama de risco global. Beck (1999, p. 36) reitera:

[...] não sabemos se vivemos em um mundo algo mais arriscado que aquele das gerações passadas. “Não é a quantidade de risco, mas a qualidade do controle ou – para ser mais preciso – a sabida impossibilidade de controle das consequências das decisões civilizacionais que faz a diferença histórica.” Por isso, eu uso o termo “incertezas fabricadas”. A expectativa institucionalizada de controle, mesmo as idéias-chave de “certeza” e “racionalidade” estão em colapso. Não são as mudanças climáticas, os desastres ecológicos, ameaças de terrorismo internacional, o mal da vaca louca, etc. que criam a originalidade da sociedade de risco, mas a crescente percepção de que vivemos em um mundo interconectado que está se descontrolando (BECK, 1999).

Não é difícil imaginar que vivenciamos tal “sociedade de risco” apontada em 1999 pelo autor e que nesses 20 anos decorrentes, nos direcionamos ainda mais para um campo de incertezas, sobretudo ambientais e ecológicas. Por isso, a ampla discussão sobre sustentabilidade na Amazônia seja tão recorrente. Tal conceito ambiciona, ao mesmo tempo, fomentar e satisfazer a comunidade internacional, no que se refere ao pensamento e execução de estratégias potencialmente capazes de solucionar o que é uma problemática global, no que se refere a necessidade de crescimento e desenvolvimento econômico paralelamente à alocação adequada dos recursos naturais e da preservação do meio ambiente para as gerações futuras. Não restam dúvidas acerca da validade, urgência e da promoção de um discurso sustentável entre os Estados, deste modo, o grande desafio consiste em protagonizar a sustentabilidade em um plano prático, o qual não satisfaça apenas em teoria, determinados grupos de interesse e, compreenda acima de tudo, as especificidades de uma região continental como a Amazônia.

Não é de hoje que a Amazônia provoca fascínio e desperta o interesse de outras nações devido suas riquezas naturais, florestais e seu potencial econômico; tais circunstancias tem desencadeado, ao longo das últimas décadas, apelos envolvendo questões ambientais e sociais, tal como uma série de pressões sobre a Amazônia, as quais aumentam exponencialmente e ganham contornos cada vez mais ousados, chamando atenção das lideranças regionais, do governo brasileiro e, claro, da comunidade internacional. Nesse sentido, é natural que, se projetem varias pressões, questionamentos, politicas e estratégias voltadas a sustentabilidade na região. Uma das mais recentes, diz respeito ao espectro complexo, dinâmico e irreversível: o das mudanças do clima.

Falar de mudanças climáticas é abrir um leque de interpretações, impactos, efeitos e desafios sobre a humanidade ao passo que é percebida como “um vetor civilizatório central da nossa época, um elemento principal na definição do presente e do futuro das sociedades humanas, uma fronteira planetária fundamental para demarcar um espaço de operação segura para a humanidade” (VIOLA; FRANCHINI; RIBEIRO, 2013, p. 25). Falar de Amazônia é incitar visões, debates e intepretações diante da magnitude, misticismo, importância geopolítica e fronteira de recursos que a região representa para o Brasil e para o mundo. Pensar então, na junção da discussão de mudanças climáticas com a Amazônia é uma arena de perspectivas, lados, interesses e principalmente, atores. Sobretudo, em decorrência da ênfase dada as florestas tropicais e suas funções vitais para diversos aspectos da dinâmica terrestre, PANCEL&KOHL (2016, p.23) reiteram:

Tropical forests are one of the oldest biomes on our planet. Over time, they have developed fascinating diversity, and not only in terms of species numbers. They are an essential component of the global climate system, and they furnish habitats for a myriad of plant and animal species, contribute to the livelihood of indigenous peoples, provide goods and services, and include awe-inspiring locations that provoke admiration and amazement among visitors to the forest. They offer enough potential for future generations of scientists to carry out scientific work, as most of the biogeochemical functions and relationships that underpin tropical forest ecosystems are still beyond our knowledge and control. The current lack of knowledge is of particular concern when tropical forests are considered as a common good with unrestricted access for utilization and conversion to other land uses. (PANCEL, Laslo & KOHL, Michael. 2016. p.23)

A Amazônia, fronteira de recursos e desafios, apresenta-se na contemporaneidade como um espaço megadimensional, de diversas forças, interesses, movimentos e atores que vem alcançando notória importância nas agendas da politica internacional. Essa região vem sendo palco de esforços (bem e mal-intencionados) com a participação de vários países, instituições, fundações, ONGs e etc.; sempre sob a premissa da interdependência ecológica e da gestão coletiva de crises ambientais globais. A incorporação e a ampliação da ideia de sustentabilidade, propagada pelas agendas globais, possibilita cada vez mais a atuação das esferas locais nessas discussões e, não obstante, empodera e qualifica o “local” como importante ator em meio ao planejamento e execução de premissas sustentáveis.

A partir de tais discussões acerca do meio ambiente amazônico, perspectivas e visões de desenvolvimento, cabe aqui, refletir acerca da terminologia de representações objetais e mentais de Bourdieu (1989, p.35) e indagar, quais representações objetais e mentais que caracterizam a Amazônia? Que grupos ou redes estariam interessados a uma ou outra representação? Seriam unicamente as florestas, elementos emblemáticos de representação e classificação da região? As visões e a noções de Amazônia vem sendo construídas e disseminadas em diversos níveis há séculos. Da Silva (2015, p. 133) aponta que a transição do século XX para o século XXI foi marcado por um período de profundas transformações e demandas de mecanismos de regulação no interior do sistema de gestão do meio ambiente internacional, que tem se expandido, sobretudo, nas ultimas décadas. A Amazônia brasileira, pelo seu tamanho e posição estratégica no cenário geopolítico regional e global, tornou-se foco das atenções da Politica internacional, notadamente pelos riscos eminentes que a destruição da maior floresta do mundo poderia acarretar ao equilíbrio global (DA SILVA, Alberto. 2015, p.134).

Repousa sobre a região amazônica um panorama de sustentabilidade, sobretudo, nos últimos 25 anos. O que isso significa? Após reconhecida, constantemente reforçada e disseminada enquanto espaço estratégico de biodiversidade, a região além de acumular visões

místicas e grandiosas, acumula também visões de desenvolvimento e nas décadas mais recentes, perspectivas de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, que muita das vezes não contemplam, compreendem ou mesmo conhecem a realidade amazônica, mantendo-se assim, a Amazônia numa contínua posição periférica. Porto-Gonçalves (2017, p.13) aponta:

Por ser a Amazônia uma região situada numa posição periférica no interior de países periféricos no sistema mundo capitalista moderno-colonial, lhes escapa até mesmo o poder de falar sobre si mesma. Sendo assim, prevalecem visões sobre a Amazônia, e não visões da Amazônia. E, mesmo quando se fala de visões da Amazônia, não são as visões dos amazônidas principalmente de seus povos/etnias/nacionalidades e grupos/classes sociais em situação de subalternização, opressão e exploração que nos são oferecidas. (PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. 2017, p.13).

Para o autor, algumas ideias são frequentes e centrais na formulação de politicas sobre a região, destacam-se: i) A Amazônia como natureza pristina; ii) Amazônia como vazio demográfico; iii) Amazônia como reserva e fonte inesgotável de recursos e iv) Amazônia como região do futuro (PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. 2017, p.18). Seriam essas então, as representações objetais da Amazônia? Em resumo, sim! E fica claro que grupos e/ou interesses as visualizam e projetam.

A hiléia vem passando por profundas transformações que colocam em analise e reflexão, os discursos institucionalizados de sustentabilidade para a região. Segundo Becker (2010, p.16) a partir do final da década de 1980 começou a se consolidar um “vetor tecnoecológico” materializado em projetos preservacionistas, associados a uma consciência ecológica e projetos conservacionistas, sobre uma perspectiva de reserva de valor. Explica-se. É notória e insistente as tentativas de transformarem a região em um espaço-modelo, um lócus de referencia no sentido de ter na região amazônica, uma fronteira do novo padrão ou do padrão ideal para o tão profanado, disseminado e polissêmico desenvolvimento sustentável. Uma vez que o cenário atual é (em parte) o contrario disso, a imposição de projetos e ideias sustentáveis na região é recorrente. MADEIRA (2012, p.7) acrescenta:

Quanto ao uso da parte da floresta amazônica no Brasil respeitando interesses nacionais e de outros países, é importante considerar que a biodiversidade pode ter valor de uso (para as comunidades tradicionais) ou valor de troca (para grandes empresas); a ciclagem da água afeta outras áreas do Brasil e de países vizinhos, e “qualquer redução significativa de transporte de vapor de água da Amazônia teria sérias conseqüências sociais” (FEARNSIDE, 2006, p. 396); por fim, a emissão de dióxido de carbono e outros gases do efeito estufa tende a aumentar em decorrência de desmatamentos e construção de hidrelétricas, provocando um dano que realmente afeta toda a humanidade. (MADEIRA, Welbson. 2015, p.7)

De um lado então, com o excerto citado anteriormente, se tem a ideia e a projeção de que a Amazônia é um centro geopolítico vital para o globo e para tal, necessita de atenções direcionadas, esforços multilaterais e um modelo que a direcione para um desenvolvimento sustentável. De outro, dá a entender, que o governo brasileiro e os governos subnacionais não dão conta da gestão ambiental da região. Ou seja, dentre outras variáveis dessa gestão de recursos naturais, a gestão falha e não comprometida de um dos seus comuns mais emblemáticos e representativos: as florestas tropicais. Em uma perspectiva critica e realista acerca da região, Porto-Gonçalves (2017, p.20) é categórico:

Sob esse magma de significações imaginário que funda a sociedade capitalista moderno-colonial, cabe à Amazônia a condição de estar a serviço dos desígnios da das relações de poder e das visões acumulação de capital e do desenvolvimento de suas forças produtivas com a função de supridora de recursos naturais, como a geopolítica do sistema mundo capitalista moderno-colonial impõe aos continentes/países/regiões/lugares coloniais, sobretudo aos grupos/classes sociais em situação de subalternização nessas diferentes escalas. Esse é o pano de fundo sobre o qual uma nova (nova?) chave de leitura é imposta, mais uma vez de fora, desde finais dos anos 1960 e, sobretudo, desde os anos 1970: a chave ecológica. Essa nova (?) chave de leitura se aproxima de velhas perspectivas conservacionistas, com fortes raízes nos EEUU, que busca a criação de áreas protegidas seja em função de seu valor científico e/ou estético (parques nacionais, reservas biológicas etc.) que tem na UICN (União Internacional de Conservação da Natureza) sua principal instituição internacional, mas também pelas oportunidades de ser transformada em novas commoditties da economia verde pelo capital financeiro. Essa nova (nova?) chave de leitura tem nos capitais das novas indústrias ligadas à engenharia genética e de novos materiais um de seus suportes e, mais recentemente, reinventada pelo capital financeiro. De certa forma, esses novos setores do capital industrial têm uma relação diferente com as fontes de matéria-prima, por sua valorização do material genético (biodiversidade, germoplasma), ao contrário dos setores tradicionais, que põem a floresta abaixo, agora para o avanço da pecuária, para qualquer monocultura. E, mais recentemente, pelo capital financeiro com sua enorme avidez para inventar mercadorias fictícias que só existem para ampliar a circulação-acumulação de uma economia especulativa, como o mercado de carbono e seus bônus e ônus. (PORTO- GONÇALVES, Carlos Walter. 2017, p.20).

Ou seja, as ditas alternativas, politicas ou proposições de governança sobre a região, em parte se apresentam como reprodução do imaginário moderno-colonial e em parte podem significar (à depender de corretas proposições e inserções das dinâmicas locais, populações tradicionais e especificidades regionais) a ultima chance da Amazônia, no que tange ao futuro da região e consequentemente de seus comuns.

Cabe, deste ponto em diante, introduzir e apresentar as recentes proposições de governança (que serão amplamente discutidas em sessões posteriores do presente estudo) e compreendê-las a partir do seu cerne, na agenda ambiental global.