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CAPITULO II: A ESCOLA E A PROMOÇÃO DA IGUALDADE SOCIAL

4. O papel da escola na construção de elites

Do ponto de vista teórico e em função dos objetivos, a escola democrática enquanto vitória popu- lar levou a que até meados do século XX existisse um otimismo exacerbado sobre os seus resul- tados. Até no âmbito da sociologia da educação, da praxis educacional em todo o mundo disse- minou-se a visão de que o modelo de educação reinante iria brindar a humanidade com a supe- ração do atraso económico e a instalação da democracia e justiça sociais. Ou seja, a perspetiva predominantemente funcionalista, tal como a descreve Cabral (2004), em ciências sociais levou a que as sociedades acreditassem que a escolarização operacionalizada por uma instituição pública e gratuita alavancaria a economia, destruiria o autoritarismo, desembocando na edifica- ção de uma sociedade justa, em que só o mérito diferenciava as pessoas, pois, submetidos às mesmas condições académicas, apenas o seu empenho e qualidades individuais seriam os cri- térios da desigualdade posterior, moderna em que a razão, principalmente científica, reinaria e democrática em que o respeito da pessoa humana, sua autonomia seriam garantidos. Nesse sentido, a escola viria a ser um instituição marcadamente neutra, cuja função principal é a de selecionar e mediar a aquisição de conhecimentos científicos.

Inesperadamente, em meados do século XIX, um número considerável de pesquisas quantitati- vas patrocinadas pelos governos da Grã Bretanha, dos Estados Unidos da América e da França, divulgados pela Aritmética Política inglesa, pelo Relatório Coleman e pelos Estudos do INED, respetivamente, demostraram inquestionavelmente a influencia decisiva da origem social sobre os resultados escolares, tal como confirmam os estudos de Magalhães & Stoer (2002) e Palha- res (2014). Embora a perspetiva funcionalista continuasse presente, o pessimismo tomou conta dos estudiosos e a crise da escola enquanto instituição neutra e promotora da igualdade social instalou-se em definitivo. Ou seja, reconheceu-se, em primeiro lugar, que o desempenho escolar não dependia apenas do que ocorria na escola e das suas condições, mas de fatores anteriores a ela, como o nível cultural das famílias e seu interesse pela progresso dos filhos, tal como ensi- nam António e Teodoro (2011) mas, também, do que ocorria paralelamente às atividades esco- lares no âmbito que foi cunhado por Palhares (2009) de educação não formal e informal. Em segundo lugar, como consequência do desenvolvimento tecnológico e da mudança na forma de organização económica capitalista, a massificação escolar levou a inflação dos certificados esco-

lares, aproveitando a expressão usada por Afonso (2009). Ou seja, o mercado começou a exigir cada vez mais qualificação na medida em que a escola para todos não a podia acompanhar. Esse segundo fator da crise escolar deu-se também por causa do crescimento demográfico que colocava mais demanda sobre a economia alimentar, principalmente, enquanto esta procurava manter-se, socorrendo-se da tecnologia para produzir mais e melhor, exigindo cada vez menos operadores humanos.

Confirmada a significativa relação entre o desempenho escolar dos alunos e sua origem social, secundada pelas generalizadas contestações das classes sociais média e baixa em relação ao incumprimento das promessas de um sistema educativo neutro e mediador, a escola passa a ser vista como uma instituição cuja finalidade é a perpetuação das desigualdades e a construção de elites.

Para demarcarmos com alguma firmeza o grupo social a que consideramos elite, vamos ater-nos a teoria de classe social proporcionada por Erik Olin Wright segundo quem, os marcos divisórios entre as diferentes classes sociais são as três dimensões de controlo sobre os recursos econó- micos que caracterizam o atual modo de produção capitalista, que são: o capital para o investi- mento, os meios físicos de produção e a força de trabalho, de acordo com Giddens (2009). Nes- ses termos, a elite é representada por pessoas que possuem a primeira e segunda dimensões da teoria de Wright. Porém, há uma franja de pessoas pertencentes a mão de obra, conhecidos como os trabalhadores de colarinho branco, segundo Giddens (2009), que não possuindo capital para investimento nem meios físicos de produção são mais do que meros trabalhadores, porque detêm capital cultural, parafraseado Palhares (2014) que os coloca em posição privilegiada em relação a outros trabalhadores e mais próximos dos primeiros. É a chamada elite intelectual. De que modo é que a escola constrói e perpetua as elites?

Precisamos, sem fazer um longo traçado histórico sobre a educação e surgimento da escola pública, recordar que a educação existe com o homem. Ou seja, é pelo processo de transmissão de conhecimentos entre gerações que se constrói a história da humanidade. O que vem alteran- do de lá para cá são as formas e os fins de tal processo. Embora se mantenha a transmissão de conhecimentos de pais para filhos, característica do processo educativo próprio da antiguidade, ocorria de forma espontânea e integral cuja finalidade era a identificação com os interesses co-

muns do grupo numa estrutura de ambiente social homogéneo, tal como o testemunha Mana- corda (1997). Superada a sociedade sem classes, primitiva, na idade média, quando a proprie- dade comum dá lugar a propriedade privada e os interesses comuns dão azo a interesses parti- culares cada vez mais contraditórios, a educação, até a altura única, incorpora esse modelo de organização social e reparte-se e ganha um caráter classista em que apenas alguns organizam o processo, outros executam-no e alguns beneficiam-se de acordo com Ponce (1986). Embora, como dito acima, o surgimento da escola pública tenha lançado grande otimismo em relação a igualdade entre classes sociais com vista ao alcance da equidade, os relatórios produzidos na Inglaterra, Estados Unidos de América e França mostraram a face inesperada do projeto da es- cola pública: a reprodução das desigualdades e a construção das elites.

A primeira forma de perpetuação das elites ocorre por intermédio da organização do processo educativo: a seleção e o estabelecimento do currículo, dos métodos de ensino e as suas formas de avaliação não é feita na aproximação das camadas baixas da sociedade. Ao contrário, repre- sentam as crenças e os ideais daqueles que o organizam: as elites. Embora, de acordo com Bourdieu (1992) tais crenças e ideias sejam dissimuladamente apresentados como cultura uni- versal. O fato de o processo educativo, na sua concepção não ter em conta as bases culturais das camadas mais baixas da sociedade, não dialogar com ela por formas a determinar os me- canismos da sua superação, processo a que Freire (1971) cunhou de “educação problematiza- da” cria um fosso que ao invés de aproximá-la às classes dominantes, a distancia.

A segunda forma, que é consequência da primeira, decorre da perspetiva segundo da qual, a escola é uma instituição neutra que procura transmitir á todos os membros da sociedade sem distinção, uma cultura universal. Dessa perspetiva, emerge a conclusão de que todos os mem- bros da sociedade, independentemente da sua origem social, estejam aptos para absorver a cultura universal. Essa abordagem sociológica da educação, a que Bourdieu (1992) chamou de subjetiva procura desvalorizar a experiência imediata dos atores escolares que são, de fato, de- terminantes para o sucesso ou insucesso no processo educativo. Ou seja, a herança familiar e o capital cultural que os atores possuem influencia decisivamente nos resultados académicos. Ao tratarmos de herança familiar e capital cultural, referimo-nos as bases económicas expressas pelo tipo de bens e serviços a que os atores têm acesso, aos títulos escolares e posições sociais

que determinam os seus relacionamentos socio profissionais que a escola sempre procurou dissimular. Porém, na prática, foram sempre determinantes nos processos de avaliação e a de- terminação dos seus resultados. Por exemplo, o fato de os “nyaneka humbi7”, serem obrigados a

usarem batas escolares pode dissimular as diferenças, não remove as dificuldades que os membros desse grupo étnico e cultural terão na assimilação da cultura escolar em comparação com os filhos de professores, pois, para estes últimos, a cultura da escola é a sua cultura famili- ar. A pastorícia e a caça, que são a base de sustentação daquele grupo étnico não possibilita que seus membros compreendam as complexidades da rede escolar e possam fazer escolhas. Portanto, mesmo existindo o direito de escolha da escola para os seus filhos, não o podem exer- cer. Não têm, esses indivíduos, capital cultural suficiente que os possibilite recorrer a meios alternativos como as explicações ou outras atividades extra escolares que estimulem a sua aprendizagem. Portanto, só uma educação fundada na compreensão de suas bases culturais e concebida tendo em conta essas condições apriorísticas servirá para projetar a sua superação. Portanto, as elites reproduzem-se com o beneplácito da escola pública por intermédio da con- cepção da sua estrutura, por intermédio de estratégias educativas como o investimento em ativi- dades educativas paralelas, por exemplo, as explicações nos termos de Nogueira (2010) e Pa- lhares & Torres (2011), da livre escolha da escola dos filhos por parte dos pais, uma das formas de expressão da parentocracia, usando os termos de António e Teodoro (2011), mas, também, pelo caráter dualista da educação que estabelece percursos académicos diferentes, tal como descreve Antunes (2004).

7 sub grupo étnico bantu localizado no sudoeste de Angola, cujo traje é constituído, essencialmente, por duas partes de tecido cobrindo as partes intimas.