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Capítulo II Enquadramento Teórico

2.1. Leitura: Uma competência fundamental

2.1.3. Formação de leitores

2.1.3.1. O papel da família na formação de leitores

A leitura é um ato complexo, muito dependente da iniciativa pessoal, que necessita de uma prática continuada para que se converta gradualmente em hábito.

O ato de pegar num livro é uma opção que decorre de um gosto que precisa ser estimulado e educado o mais precocemente possível. O desafio que se coloca aos professores e aos pais é o de saber como ajudar a criança a ganhar este hábito, dedicando alguns minutos do seu dia à leitura quando tudo à sua volta rema num outro sentido (Lopes, 2008). É na família e na escola que as crianças vão encontrar os modelos que mais os marcam e definem.

Se um leitor se forma desde a infância e se o ensino da leitura começa no primeiro ano de vida da criança, então cabe aos pais, primeiros mediadores, proporcionar um clima adequado para que a criança desperte o interesse pela leitura. Nos primeiros anos de vida, a relação da criança com o texto é mediada pelo adulto. “O ensino da compreensão da leitura de textos começa quando, antes de a criança saber decifrar, exploramos com ela o conteúdo de um texto, isto é, a deixamos ler histórias através da nossa própria voz. Este ensino continua em simultâneo com a aprendizagem da decifração e prolonga-se por toda a escolaridade.” (Sim-Sim, 2007, p. 13)

O contexto familiar tem vindo a ser cada vez mais valorizado na formação de leitores pelo envolvimento, pelo ambiente acolhedor e relaxante, e pelo impacto positivo na aprendizagem e no desenvolvimento das crianças. «La familiarité avec le texte écrit, l’interêt pour la lecture s’éprouvent dans un contexte affectif et culturel que l’univers scolaire ne peut pas créer. C’est tout l´environnement social et affectif de l’enfant qui contribue à l’usage plus au moins important que celui-ci fera du livre» (Escarpit & Vagne, 1988, p. 125).

Os pais, os irmãos mais velhos, os avós, os tios e todos os que se relacionam com as crianças desempenham um papel importante. Alguns estudos mostram que “ler diariamente para ou com uma criança, durante seis a oito semanas, é mais eficaz do que ler de vez em quando, mesmo que durante um período mais longo” (Rosa, 2010, p. 12). Um estudo de Rosa (2010) demonstrou que 10 minutos diários de leitura partilhada faziam toda a diferença, tanto ao nível do aproveitamento escolar, como na promoção do gosto pela leitura, assim como na importância desses minutos

partilhados em família. “A importância da leitura na vida dos adultos que convivem com a criança influencia, de forma determinante, o seu projeto de futuro leitor” (Viana & Martins, 2009, p. 20). Fazer do momento da leitura um tempo de partilha de afetos, sem distrações de televisão ou telefones, pode resultar tão bem para a criança como para o adulto. Ler para alguém, ou com alguém, é uma expressão de afeto e um ato de dádiva, tão importante que merece ser partilhado.

Como nos diz Barroco (2004, p. 146), a família “exerce um poder importante sobre o sucesso do aluno”. Comprova-se, deste modo, que alunos oriundos de famílias com bons recursos educacionais e onde são valorizados os estudos e a leitura obtêm melhores resultados.

Analogamente, Baker, Sonnenschein, Serpell, Fernandez-Fein e Scher (1994) alertam para a influência de fatores do ambiente familiar associados a resultados positivos em leitura, por parte das crianças, das quais destacam dez caraterísticas: (1) acessibilidade dos livros; (2) a existência de muito material escrito para adultos; (3) ler- -se regularmente às crianças; (4) as crianças verem frequentemente os adultos a ler; (5) proporcionarem-se espaços e oportunidades para as crianças lerem; (6) os pais proporcionarem apoios e encorajamentos; (7) as crianças frequentarem a biblioteca e requisitarem livros com frequência; (8) os pais expressarem atitudes positivas face à leitura; (9) as crianças e os adultos envolverem-se em conversas frequentes; (10) os pais saírem com frequência com os filhos.

Com base em diversos estudos, também Spiegel (2001, p. 94) traça um perfil de pais leitores com influência no aproveitamento escolar dos seus filhos, bem como na promoção do gosto pela leitura. Assim, partindo dos componentes que existem no ambiente familiar e segundo a autora, estes pais não só “tendem a fornecer artefactos de alfabetização, especialmente materiais em suas casas”, como também “leem para os seus filhos frequentemente”, “servem como modelos influentes de leitores” e “realizam interações efetivas, [ajudando] os seus filhos a aprenderem como extrair significado do texto e como interagir com sucesso nas situações escolares”.

Tendo em conta as conclusões dos estudos apresentados, consideramos que a motivação para a leitura não surge somente do facto de a criança viver rodeada de livros, materiais de leitura, mas sobretudo da cumplicidade e partilha das interações familiares. Sendo a criança moldada pelo seu ambiente, então parece-nos profícuo recordar a voz da experiência:

aprender em lugar de lhe imporem a obrigação de recitar, se o acompanharem no seu esforço sem esperarem contrapartidas, se aceitarem perder noites em vez de procurarem ganhar tempo, se fizerem vibrar o presente sem acenar com a ameaça do futuro, se se recusarem a transformar em trabalho forçado o que era um prazer, se mantiverem esse prazer até se transformar em rotina, se edificarem essa rotina sobre a gratuitidade da aprendizagem cultural, e se ele próprio descobrir o prazer dessa gratuitidade” (Pennac, 2001, p. 53).

Desenvolver um relacionamento forte e positivo com os livros, desde muito cedo, traz uma recompensa imediata, mas também fornece a motivação para enfrentar o desafio de aprender a ler (Balula, 2009). Quando há hábitos de leitura na família, desenvolver um sentimento de pertença a essa família passará por ser leitor (Viana & Martins, 2007, p. 27).

Importa sublinhar que não compete apenas à família cultivar esse prazer na leitura ou investir na promoção de competências necessárias à aprendizagem da leitura.