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Os cursos de formação inicial geralmente são criticados por não conferirem aos futuros professores uma preparação adequada para o exercício profissional. E afirmações tais como “é ensinando que se aprende a ensinar” e “é na prática que nos tornamos professores” são bastante comuns. No entanto, ao mesmo tempo existe uma dúvida constante acerca do conhecimento que os futuros professores devem adquirir para poder ensinar melhor. Se a investigação aponta para muitos problemas, como garantir uma

formação com uma base científica sólida para que se possa resolvê-los com segurança? Como articular formação acadêmica e a prática docente?

Para Lampert e Ball4 (apud Perez, 2002, p.216), mais importante que identificar

o que devem aprender os futuros professores para saberem ensinar, é como devem eles aprender. Daí a importância da investigação durante o processo de formação, considerando

que a aprendizagem originada da pesquisa é muito mais abrangente, significativa e rica.

De acordo com Raymond e Leinebach5 (apud Perez, 2002, p.217), projetos de pesquisa-ação desenvolvidos em colaboração com professores da escola básica e pesquisadores das instituições de ensino superior têm obtido cada vez mais espaço e reconhecimento na Educação. Além disso, consideram que essa metodologia confere aos professores a possibilidade de olharem para os problemas com os quais se deparam diariamente, de forma sistemática e orientada.

Apoiado pelas idéias de Pereira6, Perez (2002, p.216) argumenta que

... na investigação-ação, a partir da identificação de um problema concreto da prática educativa, são formuladas, postas em prática e avaliadas estratégias de atuação, voltando-se a analisar o problema de partida à luz dos dados obtidos, com vista a redefinição das estratégias de atuação e repetindo os mesmos passos tantas vezes quantas as necessárias, num processo cíclico sistematizado. “O objetivo (...) não é simplesmente resolver um problema prático da melhor forma, mas, pelo delineamento do problema (...) compreender e melhorar a atividade educativa”.

Concordamos com o autor no que diz respeito ao papel da investigação-ação nos cursos de formação, uma vez que proporcionam processos de auto-reflexão, de análise

4 LAMPERT, M. & BALL, D. L. Teaching, multimedia, and mathematics. New York: Teachers College Press,

1998.

5 RAYMOND, A. M. & LEINENBACH, M. Collaborative action research on the learning and the teaching of

álgebra: a story of on mathematics teacher development. Educational Studies in Mahematics. n. 41(3), p.283-307, 2000

6 PEREIRA, E. M. Para além da divisão entre professor pesquisador e pesquisador acadêmico. In: GERALDI,

C.M.G.; FIORENTINI, D.; PEREIRA, E. M. (orgs). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado das Letras, 1998.

crítica e de práticas colaborativas efetivas, tendo em vista o desenvolvimento de projetos de interesse coletivo.

Por isso a necessidade de se integrar pesquisa e formação docente, considerando que aquela é imprescindível, uma das pedras angulares para que haja mudanças no sistema educativo. Além disso, é preciso que se disponibilizem aos futuros professores, reuniões, seminários, espaço para observações e participações em classes de professores em exercício, tudo isso sob a orientação de um professor “tutor”.

Delizoicov (2005), ao discorrer sobre a necessidade de práticas que articulem a pesquisa e o trabalho docente, apresenta excertos de um documento produzido durante o evento Formação continuada de professores de Ciências – no âmbito ibero-americano promovido pela USP, CAPES e OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura) em São Paulo e, fazendo referência a Menezes (1996), aponta algumas recomendações, à princípio, para a formação continuada, mas que também surtiriam efeito na formação inicial:

- Ponto 1:

Questionar as concepções prévias dos professores sobre o ensino e aprendizagem de Ciências; Apropriar-se do corpo de conhecimentos específicos em torno dos problemas de ensino/aprendizagem das Ciências; Adquirir a formação necessária para associar ensino e pesquisa à inovação didática.

- Ponto 2:

Uma concepção do professor como agente transformador...; Atividades de formações compreendidas como elaboração conjunta dos processos de mudança por parte de professores e formadores.

- Ponto 3:

A formação permanente deve ser parte integrante do trabalho docente; Envolver organicamente as instituições formadoras de professores, as administrações públicas dos sistemas escolares e as escolas nos programas de formação; Gerar mecanismos para garantir a continuidade dos programas de formação permanente. (MENEZES, apud DELIZOICOV, 2005, p. 368-369)

Ludke (1998), ao discutir a preparação dos professores para a pesquisa, argumenta que essa pode ser um instrumento valioso para produzir nas escolas sujeitos capazes de inventar um mundo diferente:

Não tenho dúvidas de que a dimensão de pesquisa, uma vez superados os vários obstáculos em seu caminho, viria conferir ao professor um poderoso veículo para o exercício de uma atividade criativa e crítica, ao mesmo tempo questionando e propondo soluções para os problemas vindos do interior da escola e de fora dela. Espero que isso venha a acontecer em futuro não muito longínquo e que a pesquisa não corra o risco de ver substituído seu valor de uso, na escola, pelo valor de troca na carreira do professor.

Rodríguez7 (apud Bunel 2000, p.229) salienta que a formação docente deve ser:

∗ Ativa e investigadora: deve possibilitar uma atitude crítica e utilizar processos de investigação para a aquisição de conhecimentos.

∗ Participativa: que o professor possa intervir ativamente tanto em aula como em grupos de discussão.

∗ Interdisciplinar: permitindo a colaboração e participação de professores de outras disciplinas.

∗ Criativa: superando a repetição e reprodução como forma de aprender, empregando processos criativos e críticos.

Esse tipo de formação é mais eficaz e rico na medida que proporciona uma interação maior e mais significativa, ou melhor, produz uma coesão entre os membros do grupo; pode tornar-se a mola propulsora para outras experiências; permite um maior aproveitamento dos recursos disponíveis; exige o envolvimento e o comprometimento de todos; além de fomentar a reflexão e a conexão teoria-prática, há tanto tempo criticada pela maioria dos estudantes que, insiste em dizer que o que vê durante a formação está muito distante da realidade com que se depara ao iniciar sua vida profissional. Portanto, a formação numa perspectiva colaborativa oferecerá ao professor, elementos e recursos

7 RODRÍGUEZ, J. M. Formación de profesores y prácticas de enseñanza: um estúdio de caso. Huelva;

necessários que lhe permitirão, partindo da análise e da reflexão de sua prática, incorporar ou adaptar novos elementos a fim de enriquecê-la.

Para Hargreaves (1998, p.277)

A colaboração acabou por se transformar num metaparadigma da mudança educativa e organizacional da idade pós-moderna. (...) tanto pelo seu princípio articulador e integrador da ação, planejamento, da cultura, do desenvolvimento, da organização e da investigação (...) quanto como resposta produtiva a um mundo no qual os problemas são imprevisíveis, as soluções são pouco claras e as exigências e expectativas se intensificam.

Para o autor, o trabalho colaborativo incorpora diversos princípios:

Apoio moral – fortalece a determinação, permite a partilha, o apoio do grupo para

enfrentar frustrações e fracassos;

Eficiência acrescida – elimina a duplicação e redundância de trabalho e

disciplinas, uma vez que as atividades são partilhadas;

Eficácia melhorada – encoraja a correr riscos, a diversificar estratégias e

potencializa os sentimentos de sucesso, melhorando a qualidade do ensino e a aprendizagem dos alunos;

Sobrecarga de trabalho reduzida8 – apesar da aparente incoerência, o autor

destaca a necessidade de haver a partilha de cargas pesadas e de pressões que decorrem da intensificação das exigências deste trabalho e da aceleração da mudança, ou seja, se houver uma distribuição dos trabalhos ninguém se sobrecarregará, por isso o autor usa a expressão sobrecarga reduzida;

8 Lê-se redução da carga de trabalho. Para evitar interpretações equivocadas, mantivemos a escrita original

Perspectivas temporais sincronizadas – a participação em atividades comuns e

comunicativas cria expectativas partilhadas e realistas em relação aos prazos estabelecidos para a implementação da mudança;

Certeza situada – a colaboração reduz a incerteza e limita os excessos de culpa

que permeiam o ensino, estabelecendo limites comuns que definem o que pode ser realizado em qualquer lugar, além de gerar a confiança profissional coletiva; dificulta a dependência de falsas certezas científicas e promove as certezas situadas do saber profissional, coletadas em comunidades de professores reais, concretas;

Poder de afirmação política – permite aos professores interagirem com mais

confiança e poder de afirmação com os sistemas que os rodeiam e com a infinidade de reformas e inovações deles originadas; fortalece a segurança e o conhecimento para resistir ou aceitar o que está sendo proposto;

Capacidade de reflexão acrescida – a colaboração fornece fontes de feedback e de

comparação que instigam os professores a refletirem sobre sua própria prática conduzindo-os a uma reformulação;

Capacidade de resposta organizacional – interliga conhecimentos e habilidades

permitindo aos professores responder prontamente às mudanças às oportunidades que ocorrem no ambiente ao seu redor, bem como permitem analisar este ambiente;

Oportunidades de aprendizagem – aumentam as oportunidades dos professores

Aperfeiçoamento contínuo – encoraja os professores a encarar mudanças, não

como uma tarefa apenas, mas como um processo de aperfeiçoamento contínuo, sem volta; numa intensa procura pela excelência, na busca de soluções emergentes para problemas que rapidamente se transformam.

Enfim, a colaboração é um princípio crucial da aprendizagem em todos os sentidos: escolar, social, emocional, afetivo e organizacional. No entanto, ela pode se tornar nociva, tanto para os professores como para os alunos, se não for voluntária.

O trabalho colaborativo forçado pode conduzir à artificialidade e ao conformismo, ou seja, os envolvidos podem ser conduzidos ao pensamento dominado pelo grupo, suprimindo a individualidade, a criatividade o espírito de grupo e o desejo de colaborarem e se desenvolverem coletivamente. (Hargreaves, 1998).