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CAPÍTULO 2 A PECULIARIDADE DO II PND NO CONTEXTO DO

2.1 A PECULIARIDADE DO II PND E O ESGOTAMENTO DO PADRÃO DE

2.1.4 O papel do Estado e a relação entre o financiamento e o esgotamento

Acreditamos que ficou suficientemente claro nos itens anteriores que o Estado teve como prioridade, durante o II PND, o compromisso com a geração de empregos, procurando atingir o pleno emprego, e também com o desenvolvimento em geral do país, inclusive social. A peculiaridade está no fato de que durante a década de 1970 essa forma de Estado bastante participativo na realização de investimentos e no planejamento da economia já parecia estar em decadência em outros países como uma tendência. Desse modo, enquanto em outros países o Estado parecia estar começando

um movimento de afastamento da responsabilidade por assuntos referentes à produção e desenvolvimento social, no Brasil o Estado foi na direção oposta ao realizar o II PND.

Um exemplo da experiência inversa àquela vivida pelo Brasil durante o mesmo período foi o caso chileno.

A experiência chilena, por exemplo, difere radicalmente da brasileira [...] o governo chileno defendia o endividamento do período sob o argumento de que, sendo fundamentalmente privado, era garantidamente eficiente [...] longe de maximizar os benefícios na utilização dos recursos externos, a mão

invisível promoveu um endividamento estéril, se não danoso do ponto de

vista social (CASTRO & SOUZA, 2004: 131).

Fica evidente que o Estado chileno agia impulsionado por uma lógica oposta à do Estado brasileiro. Enquanto o governo brasileiro procurou executar uma mudança qualitativa que permitisse um salto para um nível mais elevado de desenvolvimento, o governo chileno acreditava que poderia obter melhores resultados ao afastar-se da esfera produtiva da economia. Utilizamos o Chile apenas para efeito de comparação, mas nosso argumento é que, com o esgotamento do padrão de acumulação atingindo um ponto crítico, que chegaria ao limite na década de 1980, os governos passaram a agir de acordo com a lógica da valorização fictícia do capital, e não daquela que prevalecia anteriormente, ligada ao valor real gerado pela força de trabalho. Nesse sentido, entendemos que o II PND foi um momento peculiar da economia e do país como um todo em comparação com o que estava em curso no restante do mundo.

O Estado pró-mercado já começava a ganhar força em outros locais, enquanto no Brasil o Estado mostrou força e capacidade de dar suporte ao desenvolvimento econômico-social. A forma peculiar que o Estado brasileiro tomou (peculiar para o momento específico, não historicamente peculiar) pode ser detectada também pela forma como o endividamento externo e o financiamento do II PND ocorreram. A utilização de empresas estatais para a captação de recursos no exterior demonstra que o Estado estava assumindo também a responsabilidade pelo endividamento externo. Isso já é evidência suficiente para vermos que o Estado brasileiro em muito se diferenciava da lógica pró-mercado que procurava passar para o capital privado a responsabilidade até mesmo do endividamento.

Um esforço no sentido de ligar os fatores conjunturais que levaram ao endividamento externo brasileiro com o esgotamento do padrão de acumulação de capital, ou seja, um fator estrutural da economia mundial, requer considerar aquele que

se mostrou um dos principais fatores que influenciaram o acentuado crescimento do endividamento externo brasileiro: a grande liquidez do euromercado, ou seja, a abundância de recursos em moeda americana que existia no sistema financeiro, principalmente europeu. A origem desses recursos pode parecer conjuntural, devido ao aumento dos preços do petróleo e dos seus derivados que causaram liquidez de capitais para os países da OPEP e que migraram para o sistema financeiro da Europa. Porém, acreditamos que a explicação para essa abundância de capitais no euromercado está no esgotamento do padrão de acumulação de capital. Entendemos que existe substância no argumento de que a centralização de capital já avançada nos países de economia madura do mundo levava a acumulação de capital ao seu limite, ocasionando em perda de sua dinâmica e dessa forma obrigava o capital a buscar valorização no sistema financeiro.

Com a perda de dinâmica, a acumulação de capital na esfera produtiva deixa de ser suficiente para que todos os capitais individuais possam gerar novo valor e ampliar- se, portanto, passam a migrar para o sistema financeiro. O limite do padrão de acumulação, que predominou até os anos do Pós-guerra, começou a mostrar sinais durante os anos 1970. Como já discutimos no primeiro capítulo, a desregulamentação e a liberalização do sistema financeiro foram possibilitadas pela gradual queda do Sistema Bretton Woods, e permitiram o surgimento de variados instrumentos e serviços financeiros capazes de prover valorização fictícia para o capital que era expulso da esfera produtiva. Dessa forma, podemos entender que a abundante liquidez de capital proveniente do primeiro choque do petróleo não foi direcionada para a esfera produtiva e sim para o circuito financeiro, principalmente europeu, devido ao esgotamento do padrão de acumulação de capital, que já era mais intenso em países de centralização de capital mais acentuada, ou seja, aqueles países em que a acumulação de capital estava mais avançada.

Nosso argumento, entretanto, não está em excluir a importância de fatores conjunturais para as decisões de política econômica adotadas durante o II PND, ou qualquer outro período, mas sim em demonstrar que aqueles que parecem a priori fatores meramente conjunturais estão, na verdade, diretamente relacionados ao esgotamento do padrão de acumulação de capital. A alteração da lógica de valorização do capital teve clara importância para a política econômica do II PND. Entendemos que tal esgotamento continuou a influenciar a política econômica brasileira, agindo também sobre as políticas de ajustamento da primeira metade da década de 1980.