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O papel dos direitos autorais e a questão da pirataria

CAPÍTULO 3 A INDÚSTRIA DA MÚSICA NO SÉCULO XXI

3.2 O papel dos direitos autorais e a questão da pirataria

A indústria do entretenimento é dependente do produto da criatividade dos indivíduos e empresas envolvidas nesse meio. Artistas, produtores, compositores, engenheiros, entre outros, contribuem para o processo criativo, que por sua vez, demanda tempo, matéria-prima e trabalho. O emprego desses recursos na produção de gravações musicais é realizado com uma expectativa de retorno que, muitas vezes no cenário atual, não é correspondida por conta do acesso facilitado, e ilegal, ao conteúdo produzido através da internet. Dessa forma, em um esforço para tentar proteger a monetização dessa commodity, empresas de entretenimento procuram, no respaldo da Lei, uma forma de coibir a cópia e venda de réplicas dos seus produtos. Sobre direitos de propriedade intelectual, Hull (2011, p.20) escreve:

Intellectual property rights, such as copyrights, trademarks, and patents, secure the economic/ commercial value of entertainment commodities.

Copyright not only protects the inherent right of intellectual property, it safeguards the production, distribution, and consumption of entertainment products.11

Ou seja, em um cenário onde consumidores têm o compartilhamento não autorizado como uma alternativa real à compra de gravações musicais por meios legais, a preservação dos direitos de propriedade intelectual se torna essencial à manutenção da produção de música. Originalmente criada em torno da manufatura de bens físicos, a adaptação à era do entretenimento digital levou a indústria da música a se voltar aos serviços, explorando uma “cesta de direitos” (Frith, citado por Hull, 2011).

Entre os direitos autorais que protegem essa indústria, está o de execução musical, que consiste no direito de executar uma música em público por indivíduos que não detenham os direitos autorais da composição musical em questão. Atualmente a execução legal de músicas passa pela aquisição de licenças de execução pública junto a organizações responsáveis pela centralização da arrecadação e distribuição de direitos autorais. Os Estados Unidos, por exemplo, contam com o trabalho de três organizações distintas no que se trata dos direitos de execução pública: ASCAP, BMI e SESAC. No Brasil, a instituição responsável por esse serviço é o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD).

A arrecadação de direitos de execução pública é responsável por uma parte substancial das receitas geradas pela indústria da música, sendo a maior fonte de receitas para a área de edição musical (Hull, 2011). As receitas provenientes desses direitos consistem do pagamento aos detentores dos direitos autorais da composição musical em questão, que na maioria das vezes se tratam de editoras musicais, pelas instituições responsáveis por licenciar a terceiros o uso de gravações de som e videoclipes em transmissões de rádio e TV, performances públicas (boates, bares, restaurantes e hotéis), além de usos específicos pela internet. Em 2012 a receita proveniente da arrecadação de direitos de execução foi de U$ 943 milhões, correspondendo a 6 porcento do total de receitas da indústria musical (IFPI, 2013).

No entanto, a questão central, no que diz respeito à relação entre pirataria e direitos de propriedade intelectual na indústria da música, é a do direito fonomecânico, que implica na necessidade de licenciamento da fabricação e distribuição de cópias gravadas de uma composição musical junto ao detentor dos direitos autorais daquela obra. O ECAD define o

11 “Direitos de propriedade intelectual, tais quais direitos autorais, marcas registradas e patentes, garantem o

valor econômico/comercial das commodities do entretenimento. Direitos autorais não protegem somente o direito de propriedade intelectual inerente, mas também protegem a produção, distribuição e o consumo de produtos de entretenimento.” (Tradução nossa).

direito fonomecânico como “referente à exploração comercial de músicas gravadas em suporte material” (ECAD).

Dessa forma, o editor musical, detentor dos direitos autorais sobre a composição, tem o poder de negociação sobre a concessão da licença fonomecânica às empresas interessadas na exploração comercial dessa obra, devendo receber compensação monetária por essa licenciatura. A reprodução da composição musical em cópias para a venda, e sua distribuição, se dá através da fixação dessa composição em fonogramas. Sobre o conceito de fonograma (phonorecord), Hull (2011, p.93) escreve:

The phonorecord is the material object, be it compact disc, vinyl disc, or other device, in which both the sound recording copyright and the musical composition copyright are fixed when a recording of a song is made and distributed. Though not specifically defined as such, the term also includes digital delivery of “copies”, i.e. a “digital phonorecord delivery”.12

Ou seja, não apenas dos formatos físicos trata o direito fonomecânico, mas também dos formatos digitais, o que constitui um esforço em preservar o valor monetário do conteúdo produzido na indústria da música, seja ele comercializado física ou digitalmente.

A pirataria, portanto, consiste de uma violação dos direitos de propriedade intelectual que resguardam a indústria da música. O termo engloba uma série de diferentes atividades, como falsificação, cópia pirata, bootlegging (comercialização de álbuns nunca oficialmente lançados pela gravadora), gravação caseira e compartilhamento de arquivos online (Hull, 2011). Este capítulo, no entanto, pretende evidenciar a questão da pirataria digital, que consiste do compartilhamento de música através da internet.

A aquisição de gravações musicais por meio de compartilhamento P2P ocorre sem que haja nenhum tipo de compensação monetária do detentor dos direitos autorais sobre a composição original. O fluxo de produtos digitais pirateados, no entanto, é mais difícil de ser rastreado pelos órgãos responsáveis pela aplicação da lei, por conta da alta quantidade de indivíduos envolvidos nessa prática e da ausência de transações monetárias (Hull, 2011). Nesse cenário, o crime de pirataria digital, cometido tanto pelo uploader quanto pelo downloader, raramente chega a ser punido pelas autoridades competentes, o que serve como incentivo para que mais consumidores identifiquem downloads ilegais como substitutos aos meios legais de aquisição de música.

12 “O fonograma é o objeto material, seja ele um CD, vinil, ou outro dispositivo, no qual ambos os direitos

autorais, da gravação de som e da obra musical, são fixados quando a gravação de uma música é feita e distribuída. Ainda que não seja especificamente definido como tal, o termo também inclui a distribuição digital de ‘cópias’, ou seja ‘distribuição de fonogramas digitais’.” (Tradução nossa).

A competição contra os efeitos da pirataria pela atenção dos consumidores na internet, afeta a capacidade de serviços legais de streaming, como Spotify e Deezer, de aumentar e monetizar sua audiência (IFPI, 2013), da mesma forma que impacta não só a venda de cópias físicas de gravações digitais, como as receitas provenientes de downloads pagos. Estudos sobre o consumo de música atribuem à pirataria digital a maior parcela da responsabilidade pela queda de 44 porcento nas vendas de gravações musicais no período de 2000 a 2012, no mercado internacional (Gráfico 3.3). Nesse mesmo período, os royalties dos direitos de execução e de sincronização, pagos pela utilização de gravações musicais em trilhas sonoras de filmes, programas de TV, jogos eletrônicos ou propagandas, aumentaram sua participação nas receitas totais, mas não o suficiente para amenizar a queda nas vendas de discos.

A pirataria digital, no entanto, não implica apenas em efeitos negativos para a indústria da música. Curien e Moreau (2009), por exemplo, apontam para o fato de que o compartilhamento ilegal de música representa, de forma geral, um aumento no número de indivíduos que consomem música. Essa audiência mais ampla, seja ela de compradores ou de copiadores, proporciona uma demanda maior para outros tipos de produtos e serviços da indústria da música.

[…] should piracy have a negative impact on recorded music sales, it probably has a positive one on the music industry considered in its broadest

boundaries. Our point may be summarized as follows: revenues yielded from live performances and ancillary products (ring- tones on mobile phones, T- shirts, caps, etc.) increase with the diffusion of an artist’s music, be it legal (CDs, radio, pay-downloads) or illegal (piracy).13 (Curien e Moreau, 2009) (p.3).

A pirataria digital de gravações musicais, portanto, apresenta uma nova realidade à indústria da música, onde as vendas de álbuns se reduzem e o mercado de produtos “secundários” e, principalmente, de performances ao vivo se beneficiam. A próxima seção desse capítulo apresenta os esforços desempenhados pela indústria da música na tentativa de se recuperar, e a revisão, que se fez necessária, dos tradicionais modelos de negócios aplicados nessa indústria.

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