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O papel da Polícia Judiciária no enfrentamento ao tráfico internacional de pessoa

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CAPÍTULO 2 OS ATORES DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL NO

2.6 O papel da Polícia Judiciária no enfrentamento ao tráfico internacional de pessoa

O Departamento de Polícia Federal se insere na estrutura do Ministério da Justiça, ao qual está subordinado diretamente para o exercício de suas atribuições, fixadas constitucionalmente.45

Ao Departamento de Polícia Federal cabe, portanto, a exclusividade de atuar como polícia judiciária da União devendo agir naqueles casos em que o Brasil é signatário de convenções internacionais para a repressão de crimes transnacionais, como é o caso do tráfico de pessoa para fim de exploração sexual.46

A circunscrição para a atuação do Departamento de Polícia Federal se restringe ao território nacional, sendo lhe defesa a prática de atos privativos de polícia fora dessa área, tornando difícil sua atuação nos crimes em que a consumação ultrapassa os limes da fronteira brasileira, como é o caso do tráfico internacional de pessoa.47

2011. 45

Artigo 144, § 1°, da Constituição Federal de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional n°19/98, dispõe: “§ 1º A polícia federal, instituíd a por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

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O Brasil é signatário da Convenção para a supressão do tráfico de mulheres maiores de Genebra, de 1933, emendada pelo Protocolo assinado em Lake Sucess, em 12.12.1947 e da Convenção para a supressão do tráfico de mulheres e crianças, de Genebra de 1921, emendada pelo Protocolo de Lake Sucess, assinado em 1947.

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Para esses casos, em que a reunião de provas no estrangeiro é necessária à materialização da atividade criminosa, o Departamento de Polícia Federal continua favorecido por um instrumento de prática de investigação criminal: a cooperação policial internacional, via dos contatos com as adidâncias policiais dos diversos países envolvidos, geralmente estabelecidas em suas respectivas embaixadas, em Brasília.

Ao mesmo tempo em que estabelece o contato com as adidâncias policiais, requerendo diligências no exterior que, posteriormente, podem ser convalidadas via instrumento do auxílio direto para serem válidas como prova durante a instrução processual penal, é ideal a manutenção de estreito contato pelo responsável da investigação no âmbito do Departamento de Polícia Federal com o Ministério Público Federal, haja vista ser esta autoridade quem detém legitimidade ativa para formulação da solicitação de cooperação internacional, a qual deverá posteriormente ser encaminhada ao DRCI para transmissão às autoridades do país do destino.

A ideia é que a autoridade policial encarregada das investigações do tráfico internacional de pessoa mantenha uma conduta pró-ativa:

• formulando as devidas representações e implementando as atividades de vigilância e monitoramento telefônico sobre os aliciadores de vítimas em solo brasileiro, adotando decisões conjuntas com o Ministério Público Federal a respeito das ações a serem executadas no curso da investigação, focalizando inclusive o que é de interesse para o curso da futura ação penal;

• entabulando os contatos com o DRCI para o encaminhamento do pedido de auxílio direto com as diligências que pretende no país de destino das vítimas, que para tanto necessitará da concordância do Procurador da República a cargo do qual se encontra a investigação em razão de sua legitimidade ativa;

• através das adidâncias policiais nas embaixadas em Brasília, diligenciando no sentido de se obter prévia vigilância em virtude de possível entrega vigiada das vítimas do tráfico internacional de pessoa, acertando inclusive data para cumprimento simultâneo de mandados de busca e apreensão e prisão em ambos os países envolvidos, caso seja de interesse do país de destino.

O policiamento sobre vítimas e investigados traz à luz a aplicação do panóptico de Foucault como forma do controle disciplinar, o que se passa em uma investigação com o completo monitoramento do percurso delitivo.

Como o vigia na torre central, que se utiliza de auxiliares para o cumprimento de sua tarefa de observar, também a autoridade policial federal brasileira, incumbida da investigação criminal, se vale do auxílio de outros “vigias” a complementar o trabalho de imprescindível importância. Essas “vigias” são as Autoridades Centrais envolvidas no trânsito do pedido de auxílio direto, o adido policial que presenta seu país no Brasil e, sobretudo, o Ministério Público Federal.

A vigilância individual e contínua sobre as vítimas do tráfico também pode ser focada sob o ponto de vista dos aliciadores, que as condenam a aderir ao caminho da escravidão sexual, sob pena da mais dura sanção, inclusive com a subtração da vida, como se demonstra em trecho de depoimento de uma vítima, extraído dos autos da ação penal do caso Fassini, analisado no item 4.1.2.

Nesse pnoptismo investigativo, de contínua vigilância sobre as vítimas, a autoridade policial brasileira responsável pela condução das investigações, não atua de forma isolada, sendo possível comparar sua ação ao funcionamento da maquinaria diabólica de Foucault, aonde todos os que nela trabalham são observados e observadores uns dos outros (FOULCAULT, 2009a, p. 183):

O Panóptico pode até constituir-se em aparelho de controle sobre seus próprios mecanismos. Em sua torre de controle, o diretor pode espionar todos os empregados que tem a seu serviço: enfermeiros, médicos, contramestres, professores, guardas; poderá julgá-los continuamente, modificar seu comportamento, impor-lhes métodos que considerar melhores; e ele mesmo, por sua vez, poderá ser facilmente observado. Um inspetor que surja sem avisar no centro do Panóptico julgará com uma única olhadela, e sem que possa esconder nada dele, como funciona todo o estabelecimento. E aliás, fechado como está no meio desse dispositivo arquitetural, o diretor não está comprometido com ele? O médico incompetente que tiver deixado o contágio se espalhar, o diretor de prisão ou de oficina que tiver sido inábil serão as primeiras vítimas da epidemia ou da revolta.

Vê-se que cada uma das autoridades envolvidas no processo de vigilância das vítimas (Autoridades Centrais, adido policial e a polícia judiciária) é responsável pelo sucesso ou fracasso do funcionamento deste panóptico que é a própria investigação sustentada na cooperação internacional. Como no panóptico acima

descrito por Foucault, todas as autoridades se acham comprometidas em fazer funcionar essa “máquina arquitetural” de observância.

A apresentação de cada um dos atores que entre si cooperam no plano nacional e internacional no combate ao tráfico de pessoas, com a caracterização de suas funções, conduz à necessidade de demonstrar a razão e a maneira pela qual se desenvolve tal interação, o que será feito diante das características da definição legal desse crime no direito brasileiro, tarefa para o capítulo seguinte.

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