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O papel da psicologia moral na escolha dos princípios na Posição

4. O PAPEL DA PSICOLOGIA MORAL

4.1 O papel da psicologia moral na escolha dos princípios na Posição

Rawls está elaborando uma teoria ideal, ou seja, não está desenvolvendo uma teoria para sociedades concretas. A concepção de sociedade que tem na base de sua teoria é um “sistema social teoreticamente definido” (IMT, p. 294), caracterizado como um sistema equitativo de cooperação. As leis da psicologia moral são elaboradas com referência a um contexto justo, portanto, a psicologia moral apresentada na TJ é a descrição resumida de como os seres humanos em uma sociedade bem-ordenada (que concretize os princípios da justiça como equidade) podem vir a adquirir um

75 “Ao recorrer diretamente à capacidade de compaixão (sympathy) como fundamento

para a conduta justa na ausência de reciprocidade, o princípio da utilidade não só requer mais do que a justiça como equidade, como também depende de inclinações mais fracas e menos comuns” (TJ, §76, p. 618).

76 Na edição revista da TJ, a reciprocidade é assim caracterizada: “The basic idea is one of

reciprocity, a tendency to answer in kind” (TJ, §75, p. 433). Na tradução para o português brasileiro que estamos usando como referência neste trabalho, foi suprimida a caracterização da reciprocidade como uma tendência a responder na mesma medida (Cf. TJ, §75, p. 610).

senso de justiça e os outros sentimentos morais (moral sentiments)” (TJ, §69, p. 563).

Retomemos aqui a ideia já presente na TJ, mas tornada explícita apenas no PL: existem três pontos de vista que um mesmo sujeito pode considerar a si mesmo na teoria da justiça da justiça: ponto de vista da das partes na posição original, ponto de vista dos cidadãos da sociedade bem-ordenada e ponto de vista nosso – meu e seu, leitor, nós que estamos examinando a formulação da teoria da justiça como equidade e pensando na sua viabilidade enquanto uma concepção política de justiça (Cf. PL, I, §4.6, p. 32). Entretanto, como é que se articulam estes pontos de vista e as motivações inerentes a cada um deles? Qual o papel da psicologia moral em cada um destes pontos de vista?

O ponto de vista na PO diz respeito às motivações das partes representativas, isto é, ‘criaturas artificiais’ que representam os interesses ‘abstratos’, ora dos cidadãos das sociedades bem- ordenadas, ora de pessoas que se autocompreendem como livres e iguais. A motivação das partes na PO é o autointeresse em garantir bens primários (introduzidos na primeira etapa da PO por meio da teoria restrita do bem como racionalidade).

As partes não escolhem os bens primários movidas por um senso de justiça, por benevolência ou por uma preocupação altruísta com o bem-estar umas das outras. Também não estão motivadas pela inveja, nem pelo ciúme, nem por qualquer outra tendência psicológica em especial. Em razão destas suposições motivacionais das partes na PO, Rawls foi criticado por, supostamente, ter na base de sua teoria uma concepção de pessoa que toma o indivíduo como isolado, deslocado de seu ambiente e desvinculado de relações sociais. A motivação das partes na PO não significa, no entanto, que essa seja a principal motivação dos cidadãos de uma SBO ou de pessoas reais.

Não há incoerência, então, em supor que, removido o véu da ignorância, as partes descobrem que têm laços de sentimentos e afeição, e que querem promover os interesses de outros e vê-los atingir seus objetivos. Porém, o postulado do desinteresse mútuo na posição original visa garantir que os princípios de justiça não dependem de suposições fortes (TJ, §22, p. 157).

(...) embora as partes presentes na situação original não tenham um interesse pelos interesses umas das outras, elas sabem que em uma sociedade precisam contar com a estima de seus concidadãos. Seu auto respeito e sua confiança no valor de seu próprio sistema de fins não tolera a indiferença, muito menos o desprezo de outrem” (TJ, §51, p. 421).

A escolha dos princípios com vistas aos bens primários, no entanto, constitui apenas um dos momentos do raciocínio a favor dos princípios de justiça na PO. Ainda que motivadas pelo autointeresse, as partes sabem que são representativas, isto é, que estão representando os interesses de pessoas morais racionais livres e iguais, dotadas da capacidade para senso de justiça e concepção de bem, situadas no contexto de uma sociedade bem- ordenada, e que são estas pessoas, nesta sociedade, as destinatárias finais dos princípios. Por esta razão, a concepção de justiça escolhida pelas partes na posição original deve ser tal que as pessoas cujas partes estão representando – os cidadãos de uma SBO – possam concordar e desejar a agir a partir deles. Os princípios não podem, por exemplo, gerar expectativas legítimas que depois serão frustradas, e nem fazer uma suposição motivacional forte tal como exigir do indivíduo – como dever de justiça – uma moralidade supererrogatória.

Nem sempre fica claro na teoria da justiça que as partes representativas devem encontrar um modo de incluir no interior do procedimento da PO considerações sobre o consequências e conteúdos da vontade dos cidadãos da SBO para que seja possível verificar – ainda do ponto de vista da PO – se os cidadãos representados poderiam desejar agir a partir dos princípios de justiça. Nesse caso, o leitor pode vir a questionar

(…) como alguém pode averiguar a motivação das pessoas em uma SBO? Resposta: a partir das leis da psicologia; assumindo que as pessoas crescem e vivem sob instituições justas, tal como definidas pelos princípios, alguém deve desenvolver (to work out) quais concepções de bem e quais interesses morais as pessoas adquiririam. Quando essas deliberações ocorrem do ponto de vista da posição original, elas são parte do raciocínio

que confirma ou desconfirma a escolha provisória da concepção de justiça (FG, p. 274). A motivação das partes da SBO não é determinada diretamente pelos motivos das partes na PO. Do pressuposto de que a motivação das partes na PO não estão interessadas em promover os interesses dos demais, apenas o seu próprio (de garantir bens primários) não se segue que na SBO as pessoas irão adquirir e buscar realizar planos modos de vida individualistas. O argumento de Rawls é que tais motivações não irão prevalecer na SBO (Cf. FG, p. 274-5).

As partes utilizarão conhecimentos gerais sobre a psicologia moral (lembrando que estão no rol de informações não vedadas às partes pelo véu de ignorância), leis psicológicas e aprendizado moral, para analisar “se a concepção já adotada [escolhida provisoriamente na primeira etapa da PO] é viável e se não é tão instável que qualquer outra poderia ser melhor” (TJ, §76, p. 622).