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As mulheres, antes confinadas à esfera doméstica, tendo como funções o trabalho doméstico, o cuidado e a educação dos filhos, estão tendo acesso ao mercado de trabalho e à escolarização. No entanto, a divisão de funções no âmbito da casa, alcançou as relações de trabalho e nelas permanece, definindo o lugar ocupado por homens e mulheres no mercado de trabalho, o que indica a permanência de inúmeras desigualdades e chama a atenção para o fato de que “tudo muda, mas tudo permanece igual” (KERGOAT, 2010, p. 94).

As transformações no mundo do trabalho atingem de forma diferenciada homens e mulheres. Os novos formatos de trabalho marcados pela precariedade e vulnerabilidade, absorvem predominantemente a mão-de-obra feminina, uma vez que as mulheres são mais vulneráveis por serem menos protegidas, tanto pela legislação social quanto pelos sindicatos, embora tenham maior escolaridade e sejam mais qualificadas.

Assim sendo, as relações de gênero perpassam todo o processo de transformação do mundo do trabalho, sendo necessário ilustrar qual o lugar destinado a homens e mulheres no mercado de trabalho e como o capital em transformação utiliza o trabalho feminino como um dos seus vários e inescrupulosos meios de acumular cada vez mais recolocando em novos patamares a divisão sexual do trabalho.

As bases teóricas do conceito de divisão sexual do trabalho emergiram no início dos anos 70 sob o impulso do movimento feminista, cujos pressupostos ainda que tão diferentes em sua trajetória, desenharam um

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campo de possibilidades para que as mulheres pudessem reivindicar uma série de direitos no espaço público. Questões como violência, saúde, acesso ao mercado de trabalho, condições de trabalho, estão entre as principais pautas do movimento. A luta em torno dessas questões propiciou os elementos necessários para que a mulher conquistasse espaços diferentes daqueles oferecidos pela esfera privada. Assistiu-se, a partir dessas mudanças, a um processo de feminização do mercado de trabalho (PINTO, 2009).

Outro critério importante que estava na pauta do movimento feminista era o reconhecimento da existência de opressão específica nas relações estabelecidas entre homens e mulheres, a saber, uma grande quantidade de trabalho era exercida de forma gratuita pelas mulheres, e esse trabalho era realizado dentro da esfera privada, era invisível, repetitivo, destituído de valor social ou cultural e era realizado para os outros e sempre em nome da natureza, do amor e do dever maternal (KERGOAT, 2009).

Estas concepções, em torno das funções de homens e mulheres, presumem a existência de uma divisão sexual do trabalho que tem por característica a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva, funções exercidas no âmbito público e que têm grande reconhecimento social, e das mulheres à esfera reprodutiva, funções exercidas no campo privado, sem valoração social e que têm associação direta com as atividades domésticas.

O cuidado com as crianças, com os adultos dependentes e a gestão da esfera familiar, em geral fica a cargo da mulher. Assim, quando consegue uma inserção no mercado do trabalho, cabe a ela conciliar vida profissional e vida familiar (HIRATA; KERGOAT, 2007).

Um conjunto de transformações de ordem social, econômica e cultural, dentre as quais se destacam, por um lado, as necessidades do capital e, por outro, os novos papéis sociais que a sociedade atribuiu às mulheres, possibilitaram a participação das mesmas em atividades remuneradas. Contudo, tal inserção deve ser problematizada, uma vez que ela é marcada por desigualdades e precariedades, além de não ter significado uma mudança expressiva em relação aos padrões tradicionais relativos ao papel social da mulher e aponta continuidades que dificultam a dedicação das mesmas ao trabalho. Tal realidade propiciou a emergência de análises que consideram de

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forma simultânea o trabalho doméstico e profissional, incluindo assim os demais elementos para se pensar em termos de uma divisão sexual do trabalho.

De acordo com Kergoat (2009), a divisão sexual do trabalho tem dois princípios norteadores: o da separação e o da hierarquização. O primeiro indica que existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres. O segundo princípio sugere que o trabalho do homem vale mais, tanto economicamente quanto social e culturalmente, que o da mulher. Esses dois princípios existem em todas as sociedades, no entanto, a divisão sexual do trabalho não é um dado imutável e unívoco; ao contrário, ela é permeada de grande plasticidade e pode assumir diferentes configurações.

Para Hirata (2009), dentre as teorizações sobre a divisão sexual do trabalho, duas se destacam e são ideologicamente e epistemologicamente opostas: a teoria do vínculo social e a da relação social.

A teoria de vínculo social pode ser compreendida de três formas diferenciadas. Primeiramente, remete mais a uma ideia de complementaridade ou uma conciliação de papéis entre homens e mulheres, por exemplo: a mulher tem a função de exercer as tarefas domésticas e cuidar dos filhos. Em segundo lugar, ela pode significar uma forma de conciliação entre o profissional e o familiar; em tese esse modelo seria a condição necessária de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no campo profissional. Contudo, na prática, cabe sempre à mulher conciliar vida familiar e profissional. Em terceiro lugar, ela pode assumir uma forma de delegação entre mulheres: mulheres delegam a outras mulheres suas tarefas domésticas, o que reduz as contradições e conflitos na vida familiar (KERGOAT, 2010).

Hirata (2009) esclarece que a abordagem da divisão sexual do trabalho em termos de complementaridade acentua uma divisão do trabalho entre homens e mulheres, entre trabalho doméstico e profissional, e no interior deste, favorece uma separação que possibilita a reprodução de papéis sexuais.

Já a segunda teoria, baseada na ideia de relação social, fundamenta-se na noção de uma relação antagônica entre homens e mulheres, pois essa relação está estruturada em um dos aspectos da divisão social do trabalho, qual seja, a divisão sexual do trabalho, cujo princípio fundamental é o

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hierárquico: o trabalho masculino tem sempre um valor superior ao trabalho feminino; aqui a ideia de opressão/dominação está fortemente contida. Essa abordagem expressa a lógica da contradição e do conflito, que se opõe substancialmente à ideia de conciliação e complementaridade.

Neste ponto, é importante considerar a observação feita por Kergoat (2010), de que a partir da dimensão de conflito conferido à divisão sexual do trabalho, é possível identificar, como foi apontado antes, uma consubstancialidade ou coextensividade entre as relações de sexo, de classe e de raça.

Pensar a divisão do trabalho nos termos demonstrados anteriormente contribui para a renovação dos paradigmas da sociologia do trabalho, pois amplia o conceito de trabalho, que passa a ser pensado como profissional e doméstico, remunerado ou não remunerado, formal ou informal e estável ou precário (HIRATA; KERGOAT, 2007). Além disso, reforça as evidências da existência de antagonismos de gênero e raça expressos na forma como homens e mulheres de diferentes cores ocupam espaços diferenciados no interior dos mais diversos segmentos do mercado de trabalho, tal como será demonstrado no tópico a seguir.

1.2 O trabalho feminino e as ocupações marcadas pela precariedade