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Mapa 5 Avenida Rio Branco e Corredor Cultural – Mossoró-RN

2 RENOVAÇÃO URBANA E EXCLUSÃO SOCIAL

2.1 O PARADIGMA EMERGENTE DA RENOVAÇÃO URBANA

A reestruturação produtiva provocada pela globalização e a revolução das novas tecnologias fizeram emergir uma sociedade sociotécnica com grandes trans- formações espaciais. Entre as transformações espaciais mais significativas, pode-se destacar a redefinição do papel das cidades, acompanhadas pela construção de um novo paradigma de política pública e de gestão urbana, denominado por Sánchez (1999) de políticas urbanas em renovação.

As políticas urbanas em renovação estão em sintonia com a visão das cida- des empreendedoras regidas pela noção de empresariamento, cujas primeiras expe- riências foram as cidades norte-americanas e europeias. Harvey (2005), em seu livro

A produção capitalista do espaço, no capítulo destinado à discussão sobre o empre-

endedorismo na governança urbana, apresenta a consolidação desse novo para- digma a partir da realização de um seminário em Orleans (EUA), em 1985, que reu- niu acadêmicos, empresários e planejadores de políticas públicas de oito cidades de sete países do capitalismo avançado. Uma governança urbana formada por uma multiplicidade de atores – representantes do poder público, da iniciativa privada e da sociedade civil organizada – que assumem o papel de administrar um território e as relações estabelecidas entre governantes e governados, na forma como é discutida em Compans (2005).

O momento histórico de transformações com relação à gestão das cidades, apresentado por Harvey (2005), sinalizou para mudanças de postura com relação à

governança urbana, que, historicamente, assentava-se sobre a abordagem adminis- trativa para dar lugar a iniciativas empreendedoras pelos governos locais:

[...] a abordagem “administrativa”, tão característica da década de 1960, deu lugar a forma de ação iniciadoras e “empreendedoras” nas décadas de 1970 e 1980. Nos anos recentes, em particular, parece haver um consenso geral emergindo em todo o mundo capitalista a- vançado: os benefícios positivos são obtidos pelas cidades que ado- tam uma postura empreendedora em relação ao desenvolvimento econômico. Digno de nota é que esse consenso, aparentemente, di- funde-se nas fronteiras nacionais e mesmo nos partidos políticos e nas ideologias (HARVEY, 2005, p. 167).

As palavras desse autor merecem respaldo ao confrontar-se com exemplos de cidades que aderiram a esse novo empreendedorismo urbano em substituição ao administrativismo tanto nos EUA quanto na Europa e, recentemente, no Brasil. Nes- se texto, o autor chega a confirmar a presença dessa nova estratégia de gestão ur- bana em cidades como Baltimore e Nova York (EUA) e, ainda, as cidades de Liver- pool e Glasgow (Grã-Bretanha), entre outras.

O empreendedorismo urbano enquanto estratégia de desenvolvimento tem levado à competição interurbana. As cidades passam a utilizar-se de um urbanismo pós-moderno, com mudanças culturais e estilos de vida conectados com as tendên- cias empreendedoras por meio de parcerias firmadas entre o público e o privado, estimulando a disputa espacial interurbana dentro da ótica empresarial. Na visão de Harvey (2005), esse processo desencadeado a partir da década de 1970 tem siner- gia com as mudanças pós-fordistas e pós-keynesianas do ponto de vista macroeco- nômico, em busca de um regime de acumulação flexível do capital. Diz ele:

De fato, pode-se afirmar com segurança que [...] as mudanças na po- lítica urbana e o movimento rumo ao empreendedorismo têm desem- penhado um importante papel facilitador na transição dos sistemas de produção fordista localizacionalmente rígidos, suportados pela doutrina do bem-estar keynesiano, para formas de acumulação flexí- vel muito mais abertas em termos geográficos e com base no merca- do. Além disso, pode-se afirmar [...] que a transição do modernismo de base urbana para o pós-modernismo, com relação ao design, às formas culturais e ao estilo de vida, também estão conectadas à as- censão do empreendedorismo urbano (HARVEY, 2005, p. 181).

Na citação do autor, o empreendedorismo urbano, articulado ao processo de acumulação flexível, está associado ao processo de reestruturação produtiva, em que o setor terciário da economia, isto é, de serviços, parece se impor nesse ambi-

ente macroeconômico. Entre as estratégias utilizadas pela governança urbana está a formatação de políticas que estimulam o turismo. As cidades passam a ser utiliza- das como espaços para atrair investimentos, especialmente no setor de serviços. Para tanto, festivais, eventos culturais e esportivos e, ainda, outras atividades liga- das às artes pós-modernistas, como a arquitetura atual, passam a fazer parte de um novo estilo de vida das cidades em um esforço para atrair investimentos (HARVEY, 2005; 1993).

Exemplos emblemáticos de promoção das cidades têm sido apontados por Compans (2005) e Sánchez (1999) dentre outros autores: o urbanismo assumido na gestão de cidades como Barcelona (Espanha), Rio de Janeiro e Curitiba no Brasil. Para as autoras, os instrumentos que garantem essa nova expressão de urbanismo e de política de desenvolvimento urbano alicerçada sobre a bandeira do empreen- dedorismo são: o city marketing ou marketing de cidade e os planos estratégicos.

O city marketing é orientado para criar a imagem ou a marca da cidade e “vendê-la” de forma empreendedora. Como tal, serve de direcionamento para a for- mulação da política urbana, enquanto que o planejamento estratégico é um instru- mento de proposições de longo prazo, mas que também se orienta para a formação de imagens em torno da concepção e execução de grandes projetos que valorizem o solo urbano.

Ressaltando a literatura já existente sobre esse tema, Sánchez (1999, p. 115-116), a respeito dos planos estratégicos adotados pelos governos locais, visan- do à obtenção do desenvolvimento urbano, faz a seguinte afirmação:

Ao serem apresentados como instrumentos capazes de obter con- senso político para a execução de grandes projetos de crescimento econômico e desenvolvimento urbano, os planos estratégicos, a nos- so ver, são também verdadeiras fábricas de imagem, pois, mediante a necessidade de construir ou modificar as “imagens de marca” da cidade para projetá-la no exterior, se utilizam do marketing para pro- mover seus principais “produtos”, como por exemplo turismo, cultura ou serviços de ponta [...].

A interpretação que se faz das palavras da autora é a de que o city marke-

ting e o planejamento estratégico, enquanto instrumentos de planejamento e gestão

das cidades, estão associados e articulados ao paradigma de renovação da política urbana, que tem como base o empreendedorismo empresarial e, nesse sentido, eles se complementam, como ferramentas destinadas a promover o desenvolvimento de

uma política pública urbana. Uma política que fortalece o processo de acumulação e reprodução do capital e, ao mesmo tempo, aprofunda a desigualdade social dentro da visão esposada por Smith (1988) sobre a produção do espaço na sociedade capi- talista, em que recorre às teorias de Trotsky sobre o desenvolvimento desigual e combinado, para fortalecer a tese de que a desigualdade faz parte da lógica do capi- talismo.

Assim, pode-se notar que em termos de políticas públicas no ambiente ur- bano, sua trajetória histórica demonstra que os seus instrumentos de materialização terminam por ser capturados em favor das elites e classes médias. No Brasil, as po- líticas urbanas são executadas à luz de uma gestão, que apresenta sua face perver- sa de desigualdade e exclusão social. O movimento de renovação da política urba- na, visualizada por atores como Compans (2005) e Sánchez (1999), apresenta no- vas estratégias e instrumentos de políticas públicas articuladas à prática de uma go- vernança conectada com fenômenos expressivos do capitalismo em sua fase recen- te, e que exercem uma pressão intensa sobre os dispositivos de planejamento urba- no tradicional. Sánchez (1999, p. 116) destaca entre esses fenômenos:

[..] em primeiro lugar, o dinamismo das mudanças econômicas mun- diais as turbulências geopolíticas, as incessantes inovações tecnoló- gicas e as mudanças nas atitudes socioculturais; em segundo, os di- versos agentes econômicos – velhos e novos – em sua atuação no meio urbano passam a exigir de forma explícita o cumprimento de uma série de requisitos de competitividade como condições para sua permanência na cidade, o que tem obrigado os agentes públicos a considerar estas exigências e levá-las em conta nos momentos de decisões; em terceiro, a integração de países em blocos e a abertura dos mercados em nível global têm dado lugar a uma aberta rivalida- de entre cidades para captar investimentos, criar empregos, atrair tu- ristas e financiamentos públicos.

Essa realidade vivida pelas cidades, já discutidas por outros atores como o próprio Harvey (2005), demonstra a privatização do espaço público urbano por meio de instrumentos de políticas urbanas, no sentido empregado por Vainer (2009) em seu texto Pátria, empresa e mercadoria, ao indicar que a cidade tem-se transforma- do no seguinte: mercadoria para ser comercializada em um mercado; empresa, no sentido dado a uma unidade de gestão e de negócios; e pátria para designar uma marca e identificar seus usuários e a sua fidelização ao produto, vendido como ci- vismo.

Nessa perspectiva, a cultura urbana também é utilizada como produto de a- tração aos investimentos, já destacado por Sánchez (1999) e ratificado por Arantes (2009) ao escrever sobre a centralidade das relações simbólicas na cena urbana, como resultado da construção da cidade-empresa-cultural. Apesar de se reportar aos exemplos americanos e europeus, a autora tece comentários sobre a influência das políticas públicas urbanas no Brasil, que se utilizam da “animação cultural” para garantir a inserção do projeto de gestão das cidades dentro da ótica do paradigma emergente da competitividade e gerenciamento empresarial.

Mas esse lado empreendedor da governança urbana, como resultado das parcerias firmadas entre o poder público e a iniciativa privada, esconde um lado per- verso: o afastamento do poder local com as políticas urbanas de cunho social e o aprofundamento da exclusão social. O Estado em sua esfera local passa a privilegi- ar, por meio de instrumentos de planejamento como o city marketing e o plano estra- tégico, políticas que contribuam com as demandas do mercado, na perspectiva de suprir os interesses de mercantilização das cidades pelas empresas, como afirma Sánchez (1999, p. 119):

A gestão das cidades como uma empresa e a colaboração com o se- tor privado – as chamadas parcerias – passam a definir a maneira de afrontar os problemas urbanos, deixando muitas vezes em plano se- cundário os programas e projetos de cunho social. Ao desenvolver métodos e técnicas de planejamento empresarial, os planos estraté- gicos de cidade, mostrados como potencialmente capazes de supe- rar a crise de legitimação dos planos tradicionais, são apresentados como a nova panaceia para a reestruturação urbana. É assim que atores privados passam a ter um papel dominante nos processos de- cisórios das políticas urbanas.

Diante das palavras da autora, percebe-se que o plano de renovação das políticas urbanas constitui uma realidade ao transformar o urbanismo tradicional, calcado no administrativo, por um urbanismo baseado no empreendedorismo em- presarial, mudando a face da cidade para torná-la uma mercadoria estandardizada. Os desdobramentos resultantes desse novo paradigma emergente são: a ausência do poder público no que se refere à construção de uma cidade voltada para os inte- resses mais gerais dos cidadãos e, como consequência, implicações sociais para a população como a segregação espacial e o agravamento da exclusão social, temáti- ca central deste trabalho, tendo em vista que esse modelo de cidade empreendedo- ra transforma a cidade em uma mercadoria e seus espaços em áreas privadas. A

relação que se estabelece entre a política de desenvolvimento urbano e o processo de exclusão social é exposta no item a seguir.