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1. O conceito de biopolítica: Agamben entre Arendt e Foucault

4.3. O paradigma oculto do espaço político moderno

Ao analisar a configuração da política atual, Agamben nos relata o fato de que a exceção

continuou a funcionar quase sem interrupções a partir da primeira Guerra Mundial, por meio fascismo e do nacional-socialismo, até nossos dias. O estado de exceção, hoje, atingiu exatamente seu máximo desdobramento planetário. O aspecto normativo do direito pode ser, assim, impunimente eliminado e contestado por uma violência governamental que, ao ignorar no âmbito externo o direito internacional e produzir no âmbito interno um estado de exceção permanente, pretende, no entanto, ainda aplicar o direito. (2004, p.131).

Por esta via, o filósofo italiano defende que o campo, como a expressão da exceção pura, tornou-se o nómos e o “paradigma oculto do espaço político da modernidade”. Uma vez que se trata de algo oculto, faz-se necessário aprendermos seus disfarces e suas variações.

Tal tese de Agamben pode ser verificada e fortalecida ao observarmos alguns dados estatísticos que indicam um gigantesco número de pessoas em condições de exclusão, assumindo uma relação paradoxal no âmbito jurídico-político ao ser decretada a exceção ou quando ela se torna regra.

Segundo números divulgados recentemente pela ONU, referentes a 2015, existem mais de 65 milhões de refugiados e deslocados no planeta. A grande maioria foge de seus países em consequências das guerras ou são vítimas de perseguição. Desde de 2011, com o início da guerra na Síria, houve um aumento considerável de refugiados e deslocados pelo mundo. De acordo com o Acnur (Alto comissário das nações unidas para os refugiados), existiam cerca de 59,5 milhões de pessoas que eram obrigadas a deixarem suas casas em 2014, esse número em comparação com o de 2015 representa um aumento de 5,5 milhões de pessoas em tal situação no mundo. Dados da Acnur também nos revelam que 1 a cada 113 pessoas no planeta é solicitante de refúgio, deslocada interna ou refugiada39.

Nesse sentido, as figuras que possuem sua condição humana minimizada podem ser expressadas contemporaneamente através dos refugiados, das cobaias humanas nos experimentos médicos (que, na maioria das vezes, estão sem consciência para saber o que aconteceu com elas ou as que estavam privadas de condições para dar seu consentimento em participar dos experimentos, como, por exemplo, as pessoas em coma), dos suspeitos de vínculos com o terrorismo (que são detidos nos aeroportos e mantidos sem comunicação, sem possibilidade de recorrer a qualquer autoridade, seja do seu país ou do país que se encontra detido, como no Patriot Act), os moradores das periferias das grandes cidades (que se encontram entre o fogo cruzado da polícia e do crime organizado, podendo ser morto a qualquer momento sem que a sua morte seja algo punível), dos detentos em prisões (que constantemente são espaços de exclusão total dos prisioneiros da legislação e da cidadania, os quais, antes de serem considerados um cidadão de direitos temporariamente limitados, transformam-se em uma vida descartável sem que quem as descarte cometa delito). Nesse sentido, todos os locais que capturam essas pessoas podem ser caraterizados virtualmente como campos.

Desta forma, segundo Agamben, todos esses casos são figuras portadoras da vida nua, assim como o homo sacer. Todos eles se encontram virtualmente na presença do campo todas as vezes em que a estrutura da exceção se faz presente. Dito de outro

39 Conferir Acnur (Alto comissário das nações unidas para os refugiados). Disponível em http://www.acnur.org/portugues/recursos/estatisticas/ <acesso em 30/11/2016>

modo, o campo emerge quando um sujeito é posto numa relação de inclusão exclusiva, em um local onde direito e fato se tornam indistintos e a vida é exposta à violência indiscriminada sem qualquer proteção. A existência de todas essas figuras que habitam o campo em plena era dos direitos humanos confirmam, para Agamben, o caráter incisivo do controle biopolítico da política contemporânea. Eles são os abandonados, são aqueles que estão incluídos no edifício jurídico-político pela sua própria exclusão, habitando, assim, o espaço puro da exceção (o campo).

Com isso, a grande importância do diagnóstico agambeniano sobre o campo como espaço privilegiado da política contemporânea reside no fato de não tratar o campo, sejam de concentração, de extermínio ou de trabalho escravo, como um fato histórico do passado, mas sim um espaço instaurado por determinado ordenamento jurídico-político no qual está inserido. Para Agamben, o campo não pode e nem deve ser pensado como um acontecimento do passado e que já foi superado, pois ele não é apenas “um acidente no percurso da realização crescente da liberdade” (DUARTE, 2010, p. 311). O campo é o espaço da politização da vida que produz a vida nua, uma vida matavél, supérflua e descartável.

Desta forma, o campo como nómos do moderno é todo espaço de exceção que foge ao direito formal constituído, instaurando uma zona de anomia entre dentro e fora do ordenamento, deixando a vida à mercê do poder soberano. O campo nada mais é do que todo e qualquer lugar no qual direito e fato se confundem, deixando um espaço aberto para a vontade soberana atuar e produzindo os fatos que criam os direitos e os direitos que criam os fatos. No campo, o direito se aplica desaplicando-se. Ou seja, o direito não é revogado, mas suspenso. Isso quer dizer que continua vigorando enquanto direito, porém sem validade para aqueles que caem sob a exceção. Assim, a exceção opera como uma técnica de controle social destinada a manter sob controle rigoroso a vida daquelas pessoas ou grupos sociais considerados perigosos para a ordem estabelecida. Por isso, Agamben considera a exceção como uma tecnologia biopolítica cujo objetivo é controlar in extremis as vidas perigosas. Entretanto, nas democracias modernas, a exceção não se satisfaz em controlar as vidas perigosas, ela visa controlar todos sem que nenhum lhe escape.