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3. Porto Alegre

3.2. O Partido dos Trabalhadores no governo

“No dia 2 de janeiro de 1989 assumimos a Secretaria da Fazenda de Porto Alegre. Na memória, lembranças de um dia de cão. O pior estava acontecendo: quanto a Prefeitura tem de dinheiro nos bancos? Quais as dívidas que estão vencendo? Quais as contas a pagar? Qual o fluxo de entrada de recursos? Nenhuma destas perguntas tinha resposta. O descontrole era absoluto, a sensação era de se estar navegando no escuro. Nada registrado. Nenhum relatório capaz de auxiliar minimamente a tomada de decisões.

Após o resultado das eleições, uma Comissão de Transição havia se reunido por vezes com o então Secretário da Fazenda, em busca de dados sobre a situação financeira da Prefeitura de Porto Alegre. A escassez dos dados apresentados fez com que se consolidasse a idéia de uma propositada sonegação de informações.

17 Sobre o assunto, ver para uma discussão mais resumida CANO, 1993 e para uma discussão mais detalhada CARNEIRO, 2002, principalmente a parte II.

Agora, sabíamos que elas simplesmente não existiam.

Logo, informações imprecisas esboçaram o cenário estarrecedor: os pagamentos dos fornecedores estavam seis meses atrasados; os das empreiteiras, oito meses; um empréstimo de curto prazo, no valor equivalente a 35% da receita tributária do mês, estava por vencer; o almoxarifado estava vazio; os funcionários reclamavam o pagamento de uma parcela atrasada de seus salários, relativa ao último mês do governo anterior; a folha de pagamento do funcionalismo em janeiro consumiria praticamente toda a receita desse mês.” (descrição de Guilherme Cassel e João Verle, in HORN, 1994:28)

Como se pode ver, a herança que o PT recebeu ao assumir o governo municipal não foi só de fatores como a crise econômica da década de 80 no Brasil, as transformações do capitalismo mundial ou a própria forma como ocorreu o desenvolvimento urbano da cidade.

O Partido recebeu a máquina administrativa em estado praticamente falimentar e completamente desorganizada. Principalmente nos governos anteriores, com a crise da década de 80 aliada às altas taxas inflacionárias do período, a capacidade de investimento e arrecadação da prefeitura sofreu significativa redução, acompanhada do tradicional “inchaço” de funcionários (que tradicionalmente ocorria em final de mandatos de Prefeitos em praticamente todo o País). Para se ter uma idéia, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), usualmente uma das maiores fontes de receita, enquanto arrecadou em 1973 mais de 29 milhões de dólares, no ano de 1989 cai para pouco mais de 12 milhões de dólares18.

Além de se refletir na qualidade (e quantidade) dos serviços e obras prestados pela administração municipal, este foi um período em que os funcionários tiveram perdas reais de salários, enquanto aumentavam as críticas

18 Dados completos e uma descrição da situação na época podem ser encontrados em VERLE e MÜZELL, “Receita e capacidade de investimento da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1973- 92” e CASSEL e VERLE, “A política tributária e de saneamento financeiro da Administração Popular”. Ambos os textos em HORN, 1994:13-48.

internas do partido (principalmente de setores ligados ao funcionalismo) em relação às políticas salariais e de investimentos (ou falta de).

Com este quadro, é possível perceber que os primeiros dois anos não foram muito fáceis para o PT, ainda mais se for considerada toda a expectativa criada em torno de uma administração que, quando em campanha eleitoral, prometia “inversão de prioridades”, investimentos diversos na área urbana e reposição salarial para os funcionários. O início da “Administração Popular” também foi marcado por confrontos, como a intervenção nas empresas particulares de ônibus da cidade sinalizando uma possível (mas não realizada) estatização completa do sistema.

A briga com os empresários do transporte coletivo teve uma motivação política: no governo anterior de Alceu Collares (PDT), as tarifas haviam subido mais que a inflação e foi uma promessa de campanha mexer com a “caixa preta” do sistema de transportes, que além de caro era percebido pela população como de má qualidade. Aliado a isso – como visto na descrição que começa este capítulo – simplesmente não haviam dados disponíveis e confiáveis sobre a estrutura e a remuneração do sistema. O resultado foi que uma das primeiras medidas do governo recém-empossado foi decretar uma intervenção (inicialmente por 3 meses) em todas as empresas privadas de transporte de passageiros19. O objetivo era conhecer diretamente toda a estrutura de gastos, fazer uma auditoria nas contas das empresas além de readequar os horários dos ônibus e as tarifas para um patamar “justo”, nem que para isso fosse necessário estatizar o sistema. O processo todo foi extremamente desgastante. Como logo se tornou evidente, a prefeitura, mesmo se quisesse, não tinha a menor condição de bancar a estatização

19 Eu mesmo trabalhei nestes 3 meses iniciais de intervenção: minha função era controlar, dentro da garagem de uma empresa, os horários de saída e chegada dos ônibus, quais carros estavam em conserto e porque, quando e quanto abasteciam, etc.

do sistema, visto que a crise financeira era bastante grave. Mesmo assim e apesar do desgaste com os empresários (o que inclusive rendeu alguns processos contra a prefeitura), não se pode dizer que o resultado tenha sido de todo negativo. De posse de informações completas, o sistema aos poucos foi sendo reorganizado e centralizado na prefeitura, que passou a recolher o dinheiro das tarifas e depois repassá-lo para as empresas. Aos poucos, as empresas começaram a perceber que isso não era de todo ruim para elas, pois como a prefeitura tinha agora um controle bastante grande dos gastos, os pedidos de reajuste, sendo bem documentados, eram atendidos. Hoje em dia, o sistema de transporte coletivo da capital é reconhecido por funcionar “eficientemente” tanto pela população da capital como por organismos nacionais (como a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros).

Por essa descrição inicial da situação em 1989, parecia quase impossível imaginar que 3 anos depois o PT elegeria novamente um prefeito em Porto Alegre, fato até então inédito na vida política da capital. O que começou a virar o jogo foram duas coisas conjugadas:

Primeiro, o saneamento e a reorganização financeira e administrativa da máquina de governo; ajudado, não se pode deixar de observar, pelas alterações no sistema tributário trazidas pela Constituição brasileira de 1988. Isto propiciou um maior repasse de recursos aos municípios através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), além de permitir às cidades maior autonomia no que se refere à política tributária. Em Porto Alegre, além de uma fiscalização mais intensiva na arrecadação dos tributos, a “Administração Popular” alterou as alíquotas do ISSQN e do IPTU (que mesmo antes do “Estatuto da Cidade” foi associado à função social da propriedade; o imposto se tornou progressivo, com alíquotas maiores para áreas maiores e/ou mais bem servidas de equipamentos urbanos),

promoveu uma atualização da taxa de lixo, alvarás e taxas de expediente, conjuntamente com a indexação mensal das receitas (não se pode esquecer que era época de inflação alta). O resultado foi que, só no período 1989-92, as receitas correntes aumentaram 82,64% em termos reais. Com dinheiro em caixa, a Prefeitura podia começar a “mostrar serviço”.

No início de 1996, com a divulgação de que a cidade estaria representada na conferência das Nações Unidas, o Habitat 2, o PT começa a mostrar seus números e, para fazer isto, nada melhor do que compará-los com a gestão anterior de Alceu Collares (PDT). Segundo a divulgação da prefeitura na época:

• Pavimentação: a Administração Popular realizou mais de 131 Km, enquanto Collares, apenas 12 Km;

• esgoto: Collares, 30,8 Km de aumento de rede; PT, 218,7 Km;

• esgotos pluviais: Collares ampliou em 55Km; PT em 900 Km;

• ampliação da rede d’água: Collares, 139,1 Km; PT, 220,7 Km;

• recuperação da rede de água instalada: Collares, 61,6 Km; PT, 205,9 Km;

• total de escolas municipais no período Collares: 29; construídas pelo PT, mais 53;

• alunos matriculados nas escolas: Collares, 17,9 mil; PT, 37,5 mil;

• iluminação pública (pontos instalados): Collares, 2,5 mil; PT, 14 mil;

• idade média da frota de ônibus: Collares, 7,3 anos; PT, 4,8 anos

• número de ônibus: Collares, 1494; PT, 1453 (com aumento “expressivo” de ônibus articulados).

Não se pode deixar de observar que esta comparação refere-se a 6 anos de administração petista e a 3 anos de administração Collares. De todo modo, o que fica evidenciado é que após o primeiro e turbulento ano de governo, o dinheiro

começou a aparecer no caixa permitindo a tão tradicional “realização de obras” de qualquer administração municipal.

O segundo dos fatores a que me referi alguns parágrafos atrás relaciona-se diretamente à forma de distribuição destes recursos que começavam a aparecer para investimentos: o Orçamento Participativo.