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CAPÍTULO 4 ANÁLISE DE INFORMAÇÕES COLETADAS

4.2. Percursos de licenciandos

4.2.2. O percurso de Larissa: a proposta de Minicurso

Larissa foi a primeira licencianda a apresentar a proposta de minicurso. Na apresentação do Plano de Aula, no início da disciplina de Práticas do Ensino de Física II, a temática escolhida por ela tinha sido a teoria do Big Bang. No entanto, na apresentação da proposta de minicurso, a licencianda mudou a temática optando por discutir a questão das pesquisas relacionadas à vida fora da terra. O documentário escolhido por ela foi Are we alone in universe? (Estamos sozinhos no universo?), produzido pelo canal britânico BBC Two em 2008. Ele trata do assunto sobre a possibilidade de existência de vida fora da terra.

O documentário mostra os principais laboratórios do mundo que realizam pesquisa nesta área e faz um pequeno histórico de como se desenvolveu a área de pesquisa sobre a vida extraterrestre no século XX. Entrevista alguns cientistas importantes que descobriram planetas fora do nosso sistema solar nas últimas décadas e o seus esforços na tentativa de determinar a composição química e física destes planetas. Entrevista também o cientista americano Frank Drake responsável pela equação que leva seu nome e um dos fundadores, junto com Carl Sagan, do SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence), instituição que tem por objetivo a pesquisa na busca de vida fora da terra. Além disso, o documentário faz também referencia às contribuições da FMC, particularmente, às técnicas modernas de análise de espectros, na descoberta de dezenas de planetas fora do sistema solar antes não detectáveis por outros métodos. De acordo com Horvath (2008, p. 199), estas técnicas permitem “[...] determinar a massa do planeta que não é detectado diretamente” e “[...] têm permitido identificar mais de 120 planetas em torno de estrelas a distâncias de até uns 30 pc5 do Sistema Solar”.

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No início da apresentação Larissa apresentou uma aula expositiva de aproximadamente 20 minutos sobre o tema da proposta e o porquê da escolha do tema, assistimos o documentário e começamos os diálogos sobre o mesmo. Logo no início, os diálogos produzem divergências quanto ao fato de os licenciandos acreditarem ou não na existência de vida fora da terra:

Larissa: [...] Vocês já viram um Ovni? Vida inteligente fora da terra. Vocês acreditam ou não?

Larissa: Você acredita professor? Professor: Eu acredito.

Larissa: E vocês? Breno: Eu não acredito. Larissa: Porque não Breno?

Breno: Se não já teriam feito contato já teríamos outros vestígios...

Larissa: E então Breno e se eles não quiserem estabelecer contato. E se eles acharem que a gente é perigosa. Você já viu aquele filme Planeta 51?

Breno: Como que é?

Larissa: Vai um astronauta e se perde no espaço e daí ele cai num planeta onde todo mundo é verde e só ele que é branco porque ele é americano, ai eles dizem “Nossa é um ET... Não sei o que lá”. Ta vendo, pode ser que eles vejam a gente como o perigo...

Breno: Mas é a mesma coisa. Bom eu acho assim se tem vida não é inteligente. Larissa: Você vai mudar heim...

Licenciandos e professor dialogam sobre a existência ou não de vida fora da terra. Um ponto interessante a ser destacado é que Larissa já expressa aqui sua opinião, pois, no final do dialogo ela coloca: Você vai mudar heim... O assunto sobre a existência de vida fora da terra é bastante controverso. Ele inclui, por exemplo, motivações religiosas e ideológicas que são condições sócio-históricas produzidas fora do ambiente escolar. Além disso, no documentário usado por Larissa, é observada uma narrativa favorável à continuação das pesquisas relacionadas

à existência ou não de vida fora da terra. Neste sentido, o tipo de divulgação científica veiculada por ele se aproxima de uma abordagem com o intuito de conseguir apoio da sociedade em prol da continuação do tipo de pesquisa realizada pelos pesquisadores que são entrevistados no documentário.

Um dos argumentos científicos muito usados quando se pensa em iniciar um debate sobre a existência de vida fora da terra, envolve a questão das dimensões dos constituintes do universo. Como apontado por Horvath (2008):

Sabemos que existem no universo visível aproximadamente 2 bilhões de galáxias. Ao supor que todas as galáxias são similares à nossa, admitimos que cada uma delas contém 100 bilhões de estrelas, a maioria delas do tipo solar ou menos massivas. Se cada estrela abrigasse pelos menos um planeta como o nosso, poderia haver 1020 “Terras”, ou planetas rochosos com possibilidades de abrigar algum tipo de vida. Estes números são muito grosseiros, mas servem para abordar a partir de uma perspectiva científica o problema de existência de vida extraterrestre (ET) (HORVATH, 2008, p. 194).

Temáticas dessa natureza, envolvendo controvérsias científicas, onde o caráter da não neutralidade da ciência e dos cientistas é posta em cheque, pode dar grande contribuições para discussões em sala de aula. De acordo com Ramos e Silva (2006):

De qualquer modo, é importante destacar que há um “algo mais” no envolvimento dos especialistas (técnicos e cientistas) em questões controversas que vai além da oferta de um “conhecimento verdadeiro” que possa confirmar ou descartar uma hipótese ou trazer um final às questões. E, nesse sentido, alguns estudos de caso provenientes dos estudos de controvérsia podem ser importantes, se conduzidos à sala de aula: demonstrando o quão efêmeras, mutáveis, incompletas podem ser as certezas dos conhecimentos científicos (como todas as outras certezas) e que, de qualquer forma, influenciarão de maneira significativa o modo como julgaremos todos esses conhecimentos na hora de definir nossas ações perante a vida. (RAMOS; SILVA, 2007, p. 6).

Numa perspectiva de aula onde gostaríamos de promover um discurso polêmico, o assunto escolhido pela licencianda, pode ser um excelente tema. Poderíamos considerar argumentos científicos, tanto favoráveis quanto contra a possibilidade de vida extraterrestre. Um dos argumentos a favor poderia ser o dado por Horvath na citação acima. Ou seja, muitas galáxias, muitas estrelas e consequentemente muitos planetas que têm as características de serem “habitáveis”. Em favor disso, estão as contribuições que a FMC proporcionou à Astronomia no século XX, elucidando questões para os estudantes pesquisarem, por exemplo, como os cientistas fazem para determinar os parâmetros de alguns planetas encontrados fora do sistema solar como sua massa, composição química e física, a existência ou não de água no estado liquido etc.

Ou, caso contrário, se o posicionamento é contra a existência de vida inteligente fora da terra, poderíamos usar o argumento usado pelo físico Enrico Fermi (1901 - 1954) na década de 50 do século XX. O tempo que uma civilização leva para se desenvolver e viajar pela galáxia é muito menor que o tempo disponível para a evolução dos planetas e as estrelas das galáxias. Assim, se houve condições da terra ter desenvolvido vida há mais de 3 bilhões de anos, e isto é similar ao que aconteceu em muitos outros planetas e acontece ainda hoje, deveríamos ter recebido a visita de ETs há muito tempo atrás. Como isto não é observado, onde estão eles? (HORVATH, 2008)

De qualquer forma, este é um assunto que pode ser trabalhado sob o viés de controvérsias científicas em sala de aula. Como apontado por Ramos e Silva (2007):

O acesso às argumentações produzidas por cientistas em situações de divergência e conflitos no processo de produção de conhecimentos pode significar uma importante contribuição desses estudos para o ensino de ciências (RAMOS; SILVA, 2007, p. 3).

Durante a passagem do documentário a licencianda dá uma pausa e tenta justificar determinado ponto que ela considera interessante:

Larissa: Essa parte é interessante. Por qual motivo eles estudam 80 estrelas e eles estão procurando aquelas estrelas que vibram. Quantas estrelas eles falam, assim 200 bilhões de estrelas, então é como procurar uma agulha no palheiro tirando uma palhinha de vez, ou seja, é muito difícil, por isso como você falou Breno que eles não teriam ainda estabelecido contato, por causa do grau de dificuldade que eles têm.

Breno: Levando em consideração o tipo de análise que eles estão fazendo, eles estão procurando vida parecida com a nossa... Porque o tipo de estrela que eles procuram.

Larissa: Sim. Porque a gente tem vários tipos de estrelas, por exemplo, o Sol. A gente tem vida na Terra porque o Sol não é de primeira geração, ele já é de uma segunda geração, antes do Sol já teve uma estrela que ela morreu e explodiu e voltou tudo aquilo se organizou o Sol começou a queimar de novo ai formou os planetas por isso... E de todos aqueles outros planetas, pode ser que ainda tenha uma estrela primaria ainda... Os elementos químicos dela ainda não são, por exemplo, nós temos a tabela periódica, todos aqueles elementos partiram do Hidrogênio que é a fusão nuclear. Hidrogênio com Hidrogênio dá Hélio, Hélio com Hélio dá o próximo e assim por diante. Pode ser que os outros planetas eles não sejam mais de primeira ordem né... Como pode ser que sejam de segunda. Mas o que eles estão procurando pode ser que tenha uma estrela que ela não tem planeta que ela é sozinha. E que eles tão procurando, você viu que, por exemplo, tem a força gravitacional na terra e aquilo lá faz uma vibração na estrela e é aquilo que eles tão procurando. Estrelas que vibram, que a partir daí eles podem julgar se tem planetas. E a partir daí tem a parte mais difícil. Pode ser que você tem o sol e tenha vários planetas em volta. O que faz a terra de diferente de Saturno e diferente de Marte? A distância. Por exemplo, temos Vênus muito próximo, temos a Terra e temos Marte, aqui é muito quente, não da pra viver aqui mas aqui pode ta muito frio tem água congelada eles descobriram lá... Mas não tem vida igual na terra, ou seja, alem disso além deles acharem o planeta eles tem que achar um planeta que esteja na zona que

eles chamam de habitável, mas isso que eles tão julgando que vida parecida com a nossa.

De modo geral, no diálogo acima, a licencianda explica como é a metodologia usada pelos astrônomos para investigar a existência de vida fora da terra. Nesta metodologia estão contidos muitos assuntos que podem ser usados para introduzir conceitos de FMC, como por exemplo, o método utilizado para saber a composição química das estrelas e os processos de fusão nuclear ocorrido no interior das estrelas para a geração de energia. Poderíamos também usar a equação de Einstein para calcular a energia liberada neste processo.

No documentário é explicado o significado da equação de Drake. Esta equação foi desenvolvida na década de 60 do século XX por Frank Drake, cujo propósito principal era estimar a probabilidade de estabelecer comunicação com alguma civilização extraterrestre existente em nossa galáxia. Larissa apresenta uma forma interessante de se trabalhar com essa equação em sala ao pedir para que os licenciandos propusessem valores numéricos para os termos da equação:

Larissa: [...] Equação de Drake. Então eu fiz aqui um negócio... Que tanto no filme como no artigo ele fala assim que você pode com a equação de Drake você pode ser pessimista e ao mesmo tempo otimista depende dos dados que você coloca. Para isso, vamos lá eu coloquei esses dados gente na equação de Drake só pra mostrar, eu já vou apagar. Esses dados aqui foi eu que chutei ta gente. Por exemplo, se l é a taxa de formação de estrelas semelhantes ao sol, tanto no texto quanto no documentário ele fala... No artigo ele fala ele já sabe qual é esse numero, quantas estrelas na nossa Galáxia se formam parecidas com o sol aqui ele fala que é de 6 a 10...

Breno: No documentário ele fala que é 20 Larissa: Na opinião de vocês.

Breno: Faz uma média.

Neste sentido, o uso do documentário pode ter como objetivo problematizar a temática podendo contribuir para a participação mais efetiva dos estudantes. Esta equação é interessante, pois, sendo uma equação aproximada e hipotética, contribui para que os estudantes percebam que a ciência e mesmo a matemática, em algumas áreas, produz apenas valores aproximados, contribuindo para desmistificar a visão de ciência como verdade absoluta.