• Nenhum resultado encontrado

5 – O perdão como a instância da reconciliação.

O perdão é entendido como o modo de alguém se livrar de uma culpa, uma ofensa, uma dívida, etc. É um processo mental que visa a eliminação de qualquer ressentimento, raiva, rancor ou outro sentimento negativo sobre determinada pessoa. “Um voltar do homem à intimidade a favor de Deus, depois de um período de afastamento e de rebelião causados pelo pecado e pelas transgressões”145.

O regresso à intimidade divina pelo perdão, traz sorriso nos lábios de quem conseguiu reconciliar-se, faz viver nova emoção, rejubilar de alegria, revigora e refaz o homem. O seu efeito produz muita paz, traz vida nova para a alma, anula todo trauma marcado pela dor e pelo sofrimento. “O perdão é um instrumento educativo de compreensão interpessoal na resolução dos conflitos e para suportar as contradições da

143 CONCILIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição dogmática “Lumen Gentium”, nº 01.

144 JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica “Reconciliatio et Penitentia”, nº 09.

145 FITZMYER, Joseph, Linhas fundamentais da teologia paulina, Paulinas, São Paulo, 1970, p 82.

vida”146. Pedir perdão ao teu próximo ou àquele que te ofendeu, é princípio de reconciliação; é caminho seguro para quem quer abraçar o verdadeiro perdão conhecido como regra de ouro da ética humana: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”147.

“Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5,43- 44). Amar quem nos ama é comum entre os pagãos, mas o que é especial e que não é comum entre os homens, é amar todos e sobretudo os nossos inimigos. Volto a citar a passagem de Mateus que explicita a inquietação de Pedro sobre os limites do perdão: “Senhor se o meu irmão me ofender quantas vezes lhe deverei perdoar? Até setenta vezes? Jesus respondeu: Não te digo até setenta vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,21-22). Perdão é um mistério que brota do coração do homem tocado por Deus. É perdoando que somos perdoados Deus é que nos limpa desse autêntico mistério de iniquidade e nos faz aprender esse seu modo difícil de amar. No entanto, perdoar é libertar-se do verdadeiro pesadelo com o outro, permitindo assim viver em estado de graça.

“A Bíblia diz que, Deus perdoa os nossos pecados e deles não mais se lembra” (Jr 31,34). Na dinâmica de que perdoar é “esquecer”, isto é, deixar de olhar para o passado ruim, considerar o presente como início da nova vida. “E devemos perdoar assim como Deus em Cristo nos perdoou, quem não perdoar também o Pai celestial não lhe perdoará” (Mt 6,15). O perdão é uma necessidade fundamental na vida cristã; é difícil manter a nossa vida espiritual saudável sem o exercício de perdão. Quem não perdoa não ama, a sua oração não tem sucesso, a sua oferta perde o verdadeiro sentido de doação, sem perdão o cristão vive continuamente perturbado, não goza da plena comunhão com a Igreja e com Deus.

O profeta Isaías lembra-nos as profundas palavras de reconciliação, carregadas de grande desejo de não voltar a distanciar-se do irmão por causa da fraqueza humana: «olhai, Eu vou criar um novo Céu e uma nova terra; o passado não será mais lembrado e não voltará mais à memória» (Is 65, 17). É muito consolador saber que Deus livrará os nossos corações de todas as mágoas e dores que carregamos, por mais profundas que 146 HERRERO, Jesus, A palavra religiosa no tempo, Planeta, Lisboa, 2006, p 166. 147 Ibidem.

sejam. “Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Porque as primeiras coisas passaram” (Ap 21, 4).

«Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem» (Lc 23,34). Mesmo depois de ter sido humilhado pelo povo e pelas autoridades políticas e religiosas, Jesus ainda fez uma exclamação reveladora de um coração misericordioso. A exclamação de Jesus é sem dúvidas uma oração do Filho dirigida ao Pai, mas que exprime um sentimento de perdão e de profunda misericórdia. “Perdoar-nos uns aos outros, faz parte da natureza de estarmos numa relação”148. A nossa relação só tem sentido na medida em que nos perdoamos mutuamente, pois só o perdão garante uma convivência social sadia.

“O perdão só é possível mercê da força e do dom prévio da ação salvadora de Deus em Cristo. Só é possível a luz da afirmção de que também Deus nos reconciliou consigo quando ainda éramos seus inimigos. Também nós devemos perdoar de acordo com o exemplo de Deus: “perdoa as nossas ofensas, como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”149. Perdão é um grande desafio que começa por nós mesmos e se estende até ao próximo; sentimento que abre o coração para o mundo exterior no sentido em que reconstrói a comunhão e a reaproximação das relações rompidas pelo pecado.

O perdão é um sentimento amoroso que confere ao homem o bem-estar físico e espiritual. «Se fores, portanto, apresentar a tua oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão e depois volta para apresentar a tua oferta» (Mt 5,23-24). Quando aquele que ofendeu pede o perdão, a nossa atitude deve ser positiva, em aceitar logo que nos for solicitado o perdão, pois que a prática de caridade para com o próximo só, tem sentido quando for exercida em estado de graça.

“O perdão é, na verdade, o gesto benevolente pelo qual permitimos que a outra pessoa se levante, e que o faça com dignidade, para começar tudo de novo”150. Isto,

148 TUTU, Desmond, O Caminho para uma reconciliação consigo e com os outros, Presença, Lisboa, 2014, p 200.

149 KASPER, Walter, A Misericórdia condição fundamental do Evangelho e chave da vida cristã, Lucerna, Lisboa, 2015, 171.

ajudar-nos-á a amadurecer a nossa vida espiritual, no sentido em que colocamos a nossa vontade sob a vontade de Deus.

O perdão ajuda a restaurar a vida do homem nos seus sentimentos e comportamentos; liberta-o da escravidão do pecado de que dependia no passado. Perdoar implica uma rejeição do passado ruim, para ativar uma nova vida nas relações interpessoais e construir um mundo novo. “Aqueles que se aproximam do Sacramento da Penitência, obtêm da misericórdia de Deus o perdão da ofensa a Ele feita, e ao mesmo tempo reconciliam-se com a Igreja, que tinham ferido com o seu pecado, a qual, pela caridade e exemplo e oração, trabalha pela sua conversão”151.

Perdoar é como que receber uma nova luz que desperta em nós um novo modo de agir; uma nova comunhão com Deus e com a Igreja. É limpar o passado e aprender a olhar para a frente sem medo, nem mágoa. “Voltar à comunhão com Deus, depois de a ter perdido pelo pecado, é um movimento nascido da graça do mesmo Deus misericordioso e cheio de interesse pela salvação dos homens. Deve pedir-se esta graça preciosa, tanto para si mesmo como para os outros”152. Perdoar é limpar-se e limpar o outro dos ultrajes cometidos, é deixar a justiça nas mãos de Deus, que é perfeitamente justo. Perdoar é um gesto que nos remete à lei divina. O perdão é claramente um mandamento para o cristão, e não uma sugestão. Jesus disse: "Quando vos levantais para orar, se teverdes alguma coisa contra alguém, perdoa-lhe primeiro, para que o vosso Pai que está nos Céu vos perdoe também as vossas ofensas" (Mc. 11,24b-25).

O agir cristão é de certa maneira uma imitação do ser de Cristo; “Sede todos meus imitadores, irmãos, e olhai atentamente para aqueles que procedem conforme o modelo que tendes em nós” (Fl 3,17). A palavra e o testemunho da vida de Cristo são elementos essenciais que norteiam a vida ético-moral do cristão. O Apóstolo Paulo tem o ardente desejo de formar os seus irmãos à imagem do seu mestre “Cristo”; Todo o cristão é chamado a uma vida reta em palavras e obras, como condição indispensável para uma vida feliz.

151 CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição dogmática “Lumen Gentium”, nº 11.