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Capítulo 4: A Câmara Municipal de Mariana após a lei de 1º de outubro de 1828

4.1 O perfil socioeconômico da vereação da Câmara de Mariana 1829-1832

O relato das atas nos mostra que os vereadores tinham, obviamente, bastante influência no âmbito local. Acreditamos que a mudança de posicionamento do proprietário do terreno, o padre José Fernandes Vieira, se deveu a negociações que se desenvolveram em função da influência de algum ou de alguns vereadores. Infelizmente não podemos precisar tal afirmação. Nesse sentido, a questão que nos cabe aqui é: quem eram os vereadores da Câmara Municipal da Leal Cidade de Mariana na vereação de 1829-1832?

Quadro 2: Vereação da Câmara de Mariana 1829-1832

Presidente: Fortunato Rafael Arcanjo Fonseca Vereadores: José Justino Gomes Pereira640

Coelho Bernardino Reis Lúcio Bernardino dos Reis Ignácio José Rodrigues Duarte Manoel José Carvalho

José Ferreira Oliveira Joaquim José Campos

Manoel Francisco Silva Costa

Procurador: Luiz Gonzaga Ribeiro Secretário: Antonio Júlio Souza Novais

Fonte: CHAVES, Cláudia Maria das Graças, PIRES, Maria do Carmo, MAGALHÃES, Sônia Maria (Org.). Casa de Vereança de Mariana: 300 anos de História da Câmara Municipal. Ouro Preto: Editora da UFOP, 2008.

P. 264

A vereação da Câmara de Mariana, conforme o Quadro 2, no quadriênio de 1829- 1832, foi composta por indivíduos que ocuparam outros cargos em vereações anteriores. São exemplos: Fortunato Rafael Arcanjo Fonseca foi tesoureiro no de 1814 e vereador em 1821;

639 APM. Vereações da Câmara de Mariana. Sessão de 18 de dezembro de 1829. Códice CMM-45. Disponível

em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/brtexport/index.php?cid=46&mid=25&full_pdf=0. Acesso em 10 de janeiro de 2018. P. 60

640 Acreditamos que Chaves, Pires e Magalhães cometem um pequeno engano, ao compilarem as vereações da

Câmara de Mariana, e trocam o nome de José Justino Gomes Pereira por Luiz Gonzaga Gomes Pereira, do qual não se tem informações nem nas listas nominativas, nem nas atas das vereações. Portanto, para José Justino Gomes Pereira, utilizaremos os dados compilados por ANDRADE, Pablo de Oliveira. A "legítima Representante": câmaras municipais, oligarquias e a institucionalização do Império liberal brasileiro (Mariana, 1822-1836). 2012. 179 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-graduação em História, Departamento de História, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2012. P. 131 et seq.

Lúcio Bernardino dos Reis foi tesoureiro em 1815; Ignácio José Rodrigues Duarte foi tesoureiro e escrivão em 1816, foi procurador e tesoureiro em 1822 e foi tesoureiro nos anos de 1820 e 1823; Manoel José de Carvalho foi tesoureiro nos anos de 1826 e de 1827; José Ferreira de oliveira foi tesoureiro em 1825; Joaquim José Campos foi procurador em 1828 e Manoel Francisco Silva Costa foi vereador em 1826 e 1827.641

Embora, pesquisas tenham constatado uma intensa rotatividade entre os camaristas de municipalidade de Mariana,642 o parágrafo acima ilustra bem a recorrência de quase a totalidade daquela vereação, em ter ocupado cargos em vereações antigas, embora nem sempre os vereadores eleitos tomassem posse ou se mantivessem no cargo até o final de seus mandatos, há de se convir que havia interesse em compor as vereações. A Lei de 1º de outubro de 1828 não previa remuneração para o cargo de vereador,643 e, como vimos, os vereadores, inclusive se dispunham a gastar ou a emprestar seus escravos para a execução de trabalhos, amando da Câmara de Mariana, naquele termo. Portanto, os oficiais da câmara não pleiteavam tais cargos por conta dos rendimentos financeiros que aqueles cargos poderiam lhes dar. Havia outro motivo.

Outro aspecto que deve ser considerado na vereação de 1829-1832, da Câmara de Mariana, é o fato de apenas o secretário Antônio Júlio de Souza Novais e o vereador Coelho Bernardino Reis não terem patentes militares. Os demais, com exceção de Fortunato Rafael Arcanjo Fonseca, que era Tenente-Coronel, tinham patente de capitão. Ou seja, além de não dependerem financeiramente da câmara, gozavam de considerável prestígio naquela sociedade. Haja vista que as patentes militares conferiam aos seus possuidores grau e nobreza, até 1822.644 Ademais, Fortunato Rafael Arcanjo da Fonseca ostentava o hábito da Ordem de Cristo, a mais importante ordem militar de Portugal e do Brasil à época.645 Esses indivíduos, portanto, exibiam

641Fonte: CHAVES, Cláudia Maria das Graças, PIRES, Maria do Carmo, MAGALHÃES, Sônia Maria (Org.).

Casa de Vereança de Mariana: 300 anos de História da Câmara Municipal. Ouro Preto: Editora da UFOP, 2008. P. 205-277

642 OLIVEIRA, Kelly Eleutério Machado. No Laboratório da Nação: Poder Camarário e Vereança nos anos

iniciais da formação do Estado Nacional Brasileiro em fins do Primeiro Reinado e nas Regências, Mariana, 1828- 1836. 2013. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2013. P. 31

643 Ibidem. P. 30

644 ANDRADE, Pablo de Oliveira. A "legítima Representante": câmaras municipais, oligarquias e a

institucionalização do Império liberal brasileiro (Mariana, 1822-1836). 2012. 179 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-graduação em História, Departamento de História, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2012. Disponível em:

http://www.repositorio.ufop.br/bitstream/123456789/2428/1/DISSERTAÇÃO_LegítimaRepresentanteCâmaras.p df. Acesso em: 17 jan. 2018. P. 129

títulos e patentes herdadas de um Brasil às vésperas de sua independência política, e provenientes de um Estado não-constitucional.

Analisar o perfil socioeconômicos desses vereadores também nos ajuda a pensar quem eles eram. Nas Listas Nominativas646 dos anos de 1831 e 1832, cinco vereadores que compuseram a vereação de 1829-1832, aparecem. Fortunato Rafael Arcanjo da Fonseca é listado com 48 anos, branco, casado, possuindo 27 escravos e teria por ocupação roça e engenho; Ignácio José Rodrigues Duarte é listado com 55 anos, branco, casado e dono de 6 escravos, teria por ocupação roça e lavra; Manoel José Carvalho aparece com 52 anos, branco, casado e dono de 13 escravos, sua ocupação seria negociante e roça; José Ferreira Oliveira teria como ocupação negociante e roça, sendo dono de 66 escravos; Joaquim José Campos teria 58 ano na ocasião, era solteiro e dono de 20 escravos, sua ocupação seria agropecuária; Manoel Francisco Silva Costa, viúvo, branco e possuidor de 14 escravos, seria negociante. Todos eles, exceto Joaquim José Campos que seria morador da freguesia de Sumidouro, residiriam em Mariana. Não foram encontrados nas listas os vereadores, Coelho Bernardino Reis e Lúcio Bernardino dos Reis.647

Dois elementos precisam ser considerados, a ocupação e a propriedade escrava desses vereadores, conforme o Quadro 3:

646 Utilizaremos aqui, as informações do Banco de Dados das Listas Nominativas da Província de Minas Gerais

(Banco de Dados das Listas Nominativas da Província de Minas Gerais. Minas Gerais. CEDEPLAR/UFMG. Org. Clotilde Paiva.), compiladas por Kelly Eleutério Machado Oliveira em sua dissertação de mestrado. Cf. OLIVEIRA, Kelly Eleutério Machado. No Laboratório da Nação: Poder Camarário e Vereança nos anos iniciais da formação do Estado Nacional Brasileiro em fins do Primeiro Reinado e nas Regências, Mariana, 1828-1836. 2013. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2013. P. 72 et seq.

647 OLIVEIRA, Kelly Eleutério Machado. No Laboratório da Nação: Poder Camarário e Vereança nos anos

iniciais da formação do Estado Nacional Brasileiro em fins do Primeiro Reinado e nas Regências, Mariana, 1828- 1836. 2013. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2013. P. 72

Quadro 3: Ocupação e número de escravos dos vereadores da Câmara de Mariana - vereação de 1829- 1832, tendo por base as listas nominativas de 1831/1832 e os respectivos inventários post-mortem

Vereadores Ocupação Número de

escravos

Manoel José Carvalho Negociante e Roça 13 (64)648

José Ferreira Oliveira Negociante e Roça 66 (49)

Fortunato Rafael Arcanjo Fonseca Engenho e Roça 27 (14)

Joaquim José Campos Agropecuária 20 (29)

Manoel Francisco Silva Costa Negociante 14

Ignácio José Rodrigues Duarte Lavra e Roça 6

José Justino Gomes Pereira Agricultura 5 (5)

Coelho Bernardino Reis N/C N/C

Lúcio Bernardino dos Reis N/C N/C

Fonte: Elaboração própria a partir de: OLIVEIRA, Kelly Eleutério Machado. No Laboratório da Nação: Poder Camarário e Vereança nos anos iniciais da formação do Estado Nacional Brasileiro em fins do Primeiro Reinado e nas Regências, Mariana, 1828-1836. 2013. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia

e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2013. P.72 Et seq.

Os vereadores, dos quais temos dados, eram proprietários de terras e de escravos, negociantes e proprietários de escravos ou exerciam as duas atividades simultaneamente. Sendo que, pelo número de escravos que esses indivíduos tinham na década de 1830, e, considerando o contexto econômico da região de Mariana nesse período, podemos classifica-los como médios e grandes proprietários de escravos.649 E, definitivamente, eram indivíduos abastados.

Por fim, vale trazer à baila a riqueza que esses vereadores acumularam no decorrer de suas vidas, em ativos e bens.650 Vejamos o quadro 4:

648 Os valores entre parênteses dizem respeito ao Número de escravos listados nos respectivos inventários post-

mortem.

649 Ibidem. P. 73

650 Utilizaremos aqui, as informações compiladas por Kelly Eleutério Machado Oliveira, a partir da análise dos

inventários e dos testamentos dos membros de vereação de 1829-1832. Cf. OLIVEIRA, Kelly Eleutério Machado. No Laboratório da Nação: Poder Camarário e Vereança nos anos iniciais da formação do Estado Nacional Brasileiro em fins do Primeiro Reinado e nas Regências, Mariana, 1828-1836. 2013. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2013. P. 69

Quadro 4: Montante dos bens e ativos dos vereadores da Câmara de Mariana – vereação 1829-1832

Vereadores Montante dos bens e ativos

Manoel José Carvalho 119:740$875

José Ferreira Oliveira 71:329$205

Fortunato Rafael Arcanjo Fonseca 30:505$557

Joaquim José Campos 9:391$150

Ignácio José Rodrigues Duarte N/C

José Justino Gomes Pereira N/C

Coelho Bernardino Reis N/C

Lúcio Bernardino dos Reis N/C

Manoel Francisco Silva Costa N/C

Fonte: OLIVEIRA, Kelly Eleutério Machado. No Laboratório da Nação: Poder Camarário e Vereança nos anos iniciais da formação do Estado Nacional Brasileiro em fins do Primeiro Reinado e nas Regências, Mariana, 1828-1836. 2013. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2013. P. 69

Kelly Eleutério Machado de Oliveira, tendo por base o estudo desenvolvido por Joelma Aparecida do nascimento, propõe considerar, para o contexto da cidade de Mariana na primeira metade do século XIX, como donos de pequenas e médias riquezas, os indivíduos que possuíssem um patrimônio de até doze contos de réis (12:000$000). Seriam donos de grandes riquezas, os indivíduos que possuíssem fortunas entre doze contos de réis e trinta e dois contos de reis (32:000$000). Acima de trinta e dois contos de réis estariam os indivíduos que comporiam o estrato mais afortunado daquela sociedade.651

Portanto, dos vereadores que temos dados, dois vereadores – Manoel José Carvalho e José Ferreira Oliveira – compunham o estrato mais abastado do termo de Mariana. O vereador Fortunato Rafael Arcando Fonseca, estava entre os donos de grandes riquezas e Joaquim José Campos comporia o grupo dos que possuíam pequenas e médias riquezas. Muito provavelmente os demais vereadores, dos quais não temos dados, eram possuidores de pequenas e médias riquezas, haja vista que José Justino Gomes Pereira, Ignácio José Rodrigues e Manoel Francisco Silva Costa eram donos de escravos, com 5, 6 e 14 escravos cada um, respectivamente.

Manoel José de Carvalho, o indivíduo mais rico do termo de Mariana na década de 1830,652 teve inventariado uma fazenda de cultura com casas de sobrado, engenho, moinho, paiol abastecido e senzalas; também consta na lista de seus bens, casas de moradia, minas, terras minerais e pastos.653 Manoel José de Carvalho, embora tenha investido em atividades agrícolas, não abandonou as atividade comerciais, segundo Kelly Eleutério Machado Oliveira: “Foram identificadas 9 passagens desse comerciante no registro de escravos na Polícia da Corte do Rio

651 Kelly Eleutério Machado. Op. Cit. P. 71 652 Ibidem. P. 83

de Janeiro. As remessas de cativos somaram 136 peças em 11 anos. [...] Seu nome aparece listado nas Relações de Casa de Negócio. Era proprietário de Loja de fazendas secas”.654 Em sua trajetória política, foi tesoureiro na Câmara de Mariana nos anos de 1826 e 1827.

Fortunato Rafael Arcanjo da Fonseca era advogado, nos bens listados em seu inventário, havia 34 livros. Possuía também duas casas, além de ouro, prata, cobre e louças, móveis e alguns animais.655 O presidente da Câmara de Mariana na vereação de 1829-1832, como já dissemos, ocupou o cargo de tesoureiro em 1814, e foi pela primeira vez vereador em 1821. Ademais, também foi vereador nas vereações de 1837-1840 e 1841-1844. Além dos cargos municipais, Fortunato Rafael Arcanjo da Fonseca foi deputado província entre 1844 e 1845. Em 1832 ele atuou como suplente do Conselho Geral de Província e em 1832,656 atuou como suplente do secretário do Conselho Geral de Província.657

No inventário de José Ferreira de Oliveira, tesoureiro da Câmara de Mariana em 1825 e vereador em 1829-1832, dono do segundo maior montante de bens dentre os vereadores de 1829-1832, foi litado fazendas, casas de vivendas, uma chácara, terras, uma fábrica de farinha de mandioca, muito gado e café, dentre outros bens, além de dinheiro, ouro e prata.658 João Ferreira de Oliveira também comercializou escravos, embora em número bastante reduzido em comparação a Manoel José de Carvalho, registrou entre 1821 e 1832, na Polícia da Corte, 24 escravos.659

Joaquim José Campos, além de ter sido procurador da Câmara de Mariana em 1828, exerceu o cargo de vereador em 1829-1832 e em 1833-1836. Segundo seu inventário, era dono de muitos cavalos, bois, vacas, bezerros e porcos. Também era dono de casas de morada, uma fazenda de cultura, terras e uma casa de vivenda assobradada.660 Não se tem notícias de ter ocupado outros cargos públicos além dos já listados, sou seja, além de vereador em 1829-1832, foi procurador em 1828.

Podemos considerar, portanto, que esses vereadores compunham as frações da classe dominante em Mariana. Seus título e patentes, mencionados acima, podem ser considerados

654 Ibidem. P. 83-84 655 Ibidem. P. 85

656 ANDRADE, Pablo de Oliveira. A "legítima Representante": câmaras municipais, oligarquias e a

institucionalização do Império liberal brasileiro (Mariana, 1822-1836). 2012. 179 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-graduação em História, Departamento de História, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2012. Disponível em:

http://www.repositorio.ufop.br/bitstream/123456789/2428/1/DISSERTAÇÃO_LegítimaRepresentanteCâmaras.p df. Acesso em: 17 jan. 2018. P. 145

657 Kelly Eleutério Machado. Op. Cit. P. 86 658 Ibidem. P. 82-83

659 Ibidem. P. 83 660 Ibidem. P. 88

formas simbólicas de prestígio social e de poder político advindos da ordem social da qual faziam parte. E o mais importante, o fato de ocuparem de forma recorrente os cargos da Câmara Municipal de Mariana, para além do simbólico, era uma forma efetiva do exercício direto do poder na esfera local.