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Capítulo 03 A formação de consensos em relação à nova cultura do

3.3. O perfil de trabalhador que se pretende formar para esta

No discurso dos sujeitos entrevistados foram ressaltadas uma série de características requeridas dos trabalhadores, dentre as quais se destacam a responsabilidade no trabalho, a formação de um trabalhador que esteja em condições de suprir as necessidade do empresariado local e que possua uma visão geral da empresa e da atividade que executa. Nas palavras de um entrevistado, profissionais:

[...] que consigam ter uma sinergia dentro da empresa em relação à sistemática que é estabelecida dentro da empresa. Então, se você é costureiro, você tem que estar antenado ao que é o corte, ao que é o risco e ter esse conjunto de informações e que você saiba interpretar esse conjunto de informações, eu acho que é aliar o desenvolvimento técnico junto a uma área comportamental (Entrevistado 05).

A maioria dos entrevistados confirmou, inclusive, que os aspectos comportamentais são elementos considerados na avaliação dos alunos, juntamente com os conhecimentos e as habilidades que estes adquirem. Ainda foram citadas como características pessoais que se espera: a simpatia e a coragem para trabalhar, bem como a retomada de valores tradicionais, como o respeito à vida, à pessoa, ao convívio em sociedade. Essas características, a nosso ver, tem um caráter moral, pois impõem um padrão de comportamento que deve se espraiar da empresa para a vida pessoal, que tornem o trabalhador mais facilmente “adestrável” aos moldes capitalistas.

Na pesquisa, alguns entrevistados também referiram à necessidade de os trabalhadores apresentarem as competências que são atualmente demandas pelo mundo do trabalho, a exemplo da competência técnica, que estaria sendo mais valorizada pelas empresas do que a experiência e a prática, pois têm o potencial de aumentar a capacidade produtiva e o desenvolvimento da região.

O trabalho em equipe foi outro aspecto destacado pelos entrevistados como algo que torna o trabalhador mais produtivo, juntamente com a capacidade de exercer várias tarefas, de conhecer as várias atividades que integram a produção, a fim de ser capaz de substituir o colega em alguma eventualidade. Isso fica bem evidente na seguinte afirmação:

[...] se eu vou contratar, por exemplo, uma costureira para trabalhar com orvelok eu vou precisar de uma costureira que saiba trabalhar bem com orvelok, aquilo que ela vai exercer, tem que ser uma pessoa preparada e pronta para trabalhar em grupo, trabalhar em equipe, porque tu é uma equipe, é como se fosse um time, ela sozinha não vai conseguir fazer com que a empresa chegue onde quer chegar, atingir as metas da empresa, então tem que ser assim, aquela coisa específica da função dela, ela tem que ser boa no que faz, se possível multitarefas também, porque hoje a versatilidade, principalmente na micro empresa é muito difícil achar uma pessoa para fazer só isso aqui, o ideal é que o trabalhador, o colaborador, ele seja realmente versátil nesse sentido, ele seja muito bom naquilo que ele foi contratado para fazer, mas que ele entenda a empresa como um todo para que ele possa executar outras tarefas também, isso é bom para a empresa e muito bom, muito melhor ainda, para o trabalhador, para o colaborador (Entrevistado 03).

Há a expectativa do empresariado local e das instituições de ensino de que o trabalhador assuma “multitarefas”, o que neste caso, significa que ele possa exercer vários trabalhos simplificados, repetitivos, fragmentados, para os quais basta um rápido treinamento.

O comprometimento com a pró-atividade, ou seja, um trabalhador que “vista a camisa” da empresa, também é valorizado; espera-se que o trabalhador esteja sempre aberto e pronto para lidar com as mudanças e eventualidades, que o trabalhador entenda as mudanças como possibilidade de melhorar, que ele seja o “ator” dessas mudanças, que as encare como um aspecto positivo no processo de trabalho.

Pudemos destacar, ainda, nos diversos relatos dos entrevistados, o novo tratamento conferido ao trabalhador, que passa a ser denominado de “colaborador”, termo através do qual se pretende dissolver os antagonismos de classe. Isso faz parte de um processo que, a nosso ver, intencionava desenvolver um colaboracionismo entre as classes, entre trabalhador e capitalista. Os novos dispositivos organizacionais, para além de representarem as exigências da organização industrial do fordismo-taylorismo, amparam-se no “envolvimento” do trabalhador com tarefas de produção em equipe, a fim de aprimorarem os procedimentos da produção.

As inovações sociometabólicas do capital são disseminadas por meio de diversos mecanismos, como as políticas governamentais, os aparatos midiáticos, o campo educacional, através da política de formação profissional, dos treinamentos realizados pelas empresas, dos currículos escolares, dentre outros. Os valores,

expectativas e utopias criados pelo mercado são cristalizados através de noções, vocabulários e conceitos que representam os valores capitalistas.

Concordamos com Alves (2011), quando este afirma que com maior poder manipulatório: “Na nova produção do capital, o que se busca ‘capturar’ não é apenas o ‘fazer’ e ‘saber’ dos trabalhadores, mas a sua disposição intelectual-afetiva, constituída para cooperar com a lógica da valorização” (p. 111).

Neste sentido, o local de trabalho é considerado um local de aprendizagem contínua, em que os trabalhadores em equipe ou o “time” devem desenvolver atitudes proativas, harmônicas e inteligência instrumental para a resolução dos problemas da empresa.

Na modalidade de trabalho em equipe produz-se um engajamento incitado, na medida em que o comprometimento do trabalhador é estimulado pela pressão coletiva exercida pela equipe de trabalho, sendo este outro elemento da “exploração do trabalhador pelo trabalhador”, o que dispensa a presença de um supervisor, pois a pressão é exercida pelos próprios trabalhadores, estimulando-se um espírito competitivo entre os mesmos. Para Alves (2011, p. 125):

A constituição das equipes de trabalho é a manifestação concreta do trabalhador coletivo como força produtiva do capital. Além disso, é resultado da “captura” da subjetividade operária pela lógica do capital, que tende a se tornar mais consensual, mais envolvente, mais participativa: em verdade, mais manipulatória.

As formas de pagamento dos salários é outro aspecto a ser considerado, pois tem havido um incentivo ao pagamento por produtividade, mesmo no interior das empresas, o gerenciamento do salário é utilizado como incentivo ao trabalhador, como as modalidades de bônus. Como já vimos, para a imensa maioria de trabalhadores inseridos informalmente na dinâmica do arranjo, o assalariamento é realizado através do salário por peça.

Assim, os trabalhadores passam a possuir disposições fetichizadas, relacionadas à força de trabalho como mercadoria, que tendem a explorá-los e aos demais trabalhadores, pois passa a ser de interesse do trabalhador prolongar a jornada de trabalho com a finalidade de aumentar seu salário diário ou semanal. Desta forma, o trabalhador passa a ser o opressor do outro trabalhador, em um processo denominado por Marx de “alienação” ou “autoalienação”, em que o

trabalhador assalariado não apenas oprime outros trabalhadores, como se auto oprime, passando assumir como interesse pessoal a exploração a serviço do capital.

Alguns entrevistados ainda destacaram a necessidade de preparar o trabalhador para a questão da responsabilidade social e ambiental, enfatizando a sustentabilidade, inclusive financeira, com a oferta de capacitações sobre finanças pessoais, voltadas para a comunidade, com o objetivo de “conseguir canalizar todo esse conhecimento para melhorar a formação da sociedade e do cidadão” (Entrevistado 11).

Podemos perceber que a necessidade de captação da subjetividade do trabalhador pelo capital é reposta nessa realidade, com as devidas mediações que a particularidade exige, sendo recolocadas as características do contexto mais geral da atual fase de acumulação capitalista, em que cada vez mais se pretende moldar um determinado perfil de trabalhador para que este apreenda as características que servem ao capital e que possibilitem o aumento da produtividade capitalista. A disseminação desses valores escapa ao plano do local de trabalho e passa a ser reproduzida em outros espaços da vida social, mesmo no espaço privado.

Em Americanismo e Fordismo, Gramsci (2001) nos demonstra como os processos pedagógicos, que se realizam a partir das relações de produção e das formas de organização do trabalho, concebem e veiculam novos modos de vida, comportamento e atitude.

Percebemos como as instituições educacionais são canais estratégicos para repassar ao trabalhador a ideologia capitalista, que molda comportamento e pensamento e torna o trabalhador cada vez mais “coisificado”, num processo intenso de alienação.

As mudanças advindas da reestruturação produtiva do capital propiciaram o desenvolvimento de um novo clima ideológico no interior das empresas, que apresentam as inovações metabólicas do capital. Todavia, a ofensiva ideológica capitalista não atinge apenas a esfera da produção, mas, sob a égide do capitalismo manipulatório, interfere nas instâncias da reprodução social, através de uma conjunção ideológica de valores, expectativas e utopias do mercado, visando à formação de um novo homem que seja mais produtivo para o capital.

3.4. O incentivo ao empreendedorismo e a construção de uma nova cultura

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