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O Plano de Ação de Viena e as Conclusões do Conselho Europeu de Tampere

4. A terceira geração do processo de harmonização do asilo 1. O Tratado de Amesterdão

4.3. O Plano de Ação de Viena e as Conclusões do Conselho Europeu de Tampere

Em 3 de dezembro de 1998 foi aprovado o Plano de Ação de Viena que nasceu com os objetivos de assegurar a livre circula-ção de pessoas, garantindo ao mesmo tempo segurança na luta contra a criminalidade, e de facilitar a cooperação em matéria de JAI dentro de toda a União.

Este Plano foi muito importante para o desenvolvimento do ins-tituto de asilo na União Europeia, tendo contribuído para a defi-nição de “espaço de liberdade, segurança e justiça”84, bem como delimitado um conjunto de medidas em matéria de asilo, frontei-ras externas e imigração, estipulando três prazos específicos para a sua concretização.85 Na base destas novas políticas estava o facto

84 “Um espaço de liberdade: trata-se de assegurar a livre circulação de pessoas segundo o modelo de Schengen, mas igualmente de proteger os direitos fundamentais e lutar contra qualquer forma de discriminação. (…) Um espaço de segurança: inclui a luta contra a criminalidade, em especial o terrorismo, o tráfico de seres humanos, os crimes contra as crianças, o tráfico de drogas, o tráfico de armas, a corrupção e a fraude. (…) Um espaço de justiça: apesar das diferenças que existem nos Estados-membros, o objetivo da União é garantir aos cidadãos europeus um acesso igual à justiça e facilitar a cooperação entre as autoridades judiciárias.” (Cfr. “Plano de Ação”, in http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/

TXT/?uri=URISERV:l33080, consultado a 13/04/2016).

85 As medidas a adotar no prazo de dois anos nestes domínios constantes do Plano de Ação de Viena eram: 1) avaliação dos países de origem para estabelecer uma abordagem integrada específica por país no âmbito do asilo e da imigração; 2) concretização da Convenção de Dublin: continuação da análise dos critérios e condições para melhorar a implementação da Convenção e da possível alteração da base jurídica para o sistema de Amesterdão; 3) estudo para analisar em que medida o mecanismo poderá ser completado, nomeadamente por disposições que permitam atribuir a um único Estado-membro a responsabilidade pelo tratamento dos membros de uma família sempre que a aplicação dos critérios de responsabilidade a atribua a vários Estados e regular de forma satisfatória a questão da proteção sempre que o refugiado mude de país de residência; 4) implementação do EURODAC; 5) adoção de normas mínimas em matéria de concessão ou retirada do estatuto de refugiado nos Estados-membros, tendo em vista, nomeadamente, reduzir a duração dos processos de asilo; 6) limitação dos

“movimentos secundários” dos requerentes de asilo entre os Estados-membros; 7) definição de normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-membros, com especial atenção para a situação das crianças; 8) realização de um estudo com vista a identificaras vantagens de um processo único de asilo europeu; 9) criação de um instrumento relativo ao estatuto jurídico dos imigrantes legais; 10) estabelecimento de uma política coerente da UE em matéria de readmissão e regresso; 11) luta contra a imigração clandestina através, nomeadamente, de campanhas de informação em países de trânsito e nos países de origem;

12) processo e condições de emissão de vistos pelos Estados-membros (recursos, garantias de

de estas matérias constarem agora do primeiro pilar, dotando a Comunidade de novas competências externas que lhe permitiram exercer uma influência no plano internacional nestes domínios.

Desta forma, em matéria de asilo, o Plano previu a criação de nor-mas comuns para os processos relativos a refugiados e para o aco-lhimento dos requerentes de asilo, permitindo a comparação das impressões digitais dos requerentes e a repartição do esforço finan-ceiro entre os Estados-Membros para o acolhimento destas pessoas.

Por outro lado, no domínio da imigração, o Conselho Europeu proponha-se a elaborar condições comuns para a entrada, estadia e regresso dos imigrantes e iniciar uma luta mais eficaz contra a imigração clandestina, definindo os direitos dos nacionais de paí-ses terceiros em matéria de livre circulação no território da União.

No entanto, muitas das medidas que deveriam ser adotadas no prazo de dois anos nunca o chegaram a ser dentro do período previsto e algumas delas nunca chegaram efetivamente a ser con-cretizadas, como é o caso da realização de um estudo com vista a identificar as vantagens de um “processo único de asilo euro-peu” que o Plano de Ação de Viena refere explicitamente, ao in-vés de aludir a um “processo comum de asilo europeu”. Esta foi a primeira vez na história da União Europeia que um instrumento jurídico abordou a necessidade da realização de um estudo com vista a identificar as vantagens de uma possível política única de asilo que, no entanto, nunca chegou a ser posta em prática. 86

repatriamento ou cobertura de despesas de acidente e de doença) e elaboração de uma lista comum dos países cujos nacionais estão sujeitos a visto de trânsito aeroportuário (supressão da atual lista cinzenta); 13) definição das regras em matéria de visto uniforme; 14) elaboração de um regulamento relativo aos países cujos nacionais estão isentos de vistos nos Estados-membros da União Europeia e/ou cujos nacionais estão sujeitos à obrigação de deterem um visto para o conjunto dos Estados-membros; 15) prossecução da harmonização das legislações dos Estados-membros no que respeita à responsabilidade das transportadoras.

86 No que refere a esta questão, JOSé NORONHA RODRIGUES explica que “esta diferença concetual pode à primeira vista parecer mínima ou residual. Todavia, não é, nem deve ser assim considerada, na medida em que esta consciencialização por parte da União Europeia para a necessidade de um estudo sobre uma política única de asilo europeu a fim de averiguar as

Quase um ano depois, em 15 e 16 de outubro de 1999, o Con-selho Europeu reuniu em sessão extraordinária, em Tampere, para debater a questão da criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça na União Europeia. Desta sessão resultou que o Conselho de Tampere reafirmou nas suas Conclusões a impor-tância da União e dos seus Estados-Membros no respeito pelo direito de procurar asilo, bem como as prioridades estabelecidas pelo Tratado de Amesterdão e pelo Plano de Ação de Viena, comprometendo-se a trabalhar no sentido da criação de um sis-tema europeu comum de asilo.87

Por outro lado, com o programa Tampere, as prioridades da União Europeia alteraram-se e sobressai uma preocupação de lu-tar contra o crime: a liberalização das fronteiras facilitou a deslo-cação dos imigrantes e este direito levou a que os Estados-mem-bros ficassem mais alerta para os fatores de crime e terrorismo.88 Neste sentido, o Conselho Europeu de Tampere dedicou um capítulo inteiro das suas Conclusões à implementação de uma política comum da UE em matéria de asilo e migração. Para tal, estabeleceu-se como medidas necessárias uma parceria entre pa-íses de origem, a implementação de um sistema europeu comum

suas vantagens apareceu, unicamente, plasmada e, pela primeira vez, neste documento. (…) Portanto, foi o Plano de Ação de Viena que de forma clara, direta e categórica abordou esta temática aconselhando, vivamente, os Estados-membros da União Europeia a realizarem este estudo com vista a identificar as vantagens de um processo único de asilo na União Europeia.

Pelo que, obrigatoriamente, este Plano de Ação e, concretamente, esta proposta de estudo, embora, nunca realizado até à atualidade são sem sombra de dúvida o embrião de uma possível e futura política única de asilo na União Europeia. (…) Todavia, este estudo nunca foi realizado até à atualidade. Talvez porque os Estados-membros da União Europeia soubessem à partida as reais vantagens que um estudo desta natureza acarretaria para o instituto de asilo e, as consequentes desvantagens para os Estados-membros da União Europeia, nomeadamente, com a perda de soberania parcial no âmbito de asilo, bem como da arbitrariedade e discricionariedade na análise, atribuição, concessão e perda do estatuto de asilado.” (Cfr.

RODRIGUES: Política Única de Asilo na União Europeia, ob. cit., pp. 274-275).

87 Cfr. PINTO, Ana Filipa da Costa: Direito de Asilo na União Europeia, Escola de Direito da Universidade de Minho, 2011, p. 2.

88 Cfr. GONÇALVES: Políticas de Asilo na União Europeia, ob. cit., p. 43.

de asilo, o tratamento justo a indivíduos originários de países terceiros89 e a gestão dos fluxos migratórios90.

No que se refere ao sistema europeu comum de asilo, o Con-selho definiu que este deveria incluir “uma definição funcional e clara do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, normas comuns para um processo de asilo equitativo e eficaz, condições comuns mínimas de acolhimento dos requerentes de asilo e uma aproximação das normas em matéria de reconhe-cimento e de conteúdo do estatuto de refugiado.”91 O sistema deveria ainda oferecer um estatuto adequado a qualquer pessoa que necessitasse de proteção, prevendo-se ainda que o Conselho deveria consultar o ACNUR e outras organizações internacionais ao longo do processo.

O objetivo principal neste domínio era que as regras comunitá-rias se reconduzissem a um processo comum de asilo e a um es-tatuto uniforme para aqueles a quem é concedido asilo, aplicável em toda a União.92

89 “A União Europeia tem de garantir um tratamento equitativo dos nacionais de países terceiros que residem legalmente no território dos seus Estados-membros. Uma política de integração mais determinada deverá ter como objetivo assegurar-lhes direitos e obrigações comparáveis aos dos cidadãos da UE. Deverá de igual modo promover a não discriminação na vida económica, social e cultural e desenvolver medidas contra o racismo e a xenofobia.” (Cfr.

Ponto 18 do Título III das Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999).

90 “O Conselho Europeu salienta a necessidade de uma gestão mais eficaz dos fluxos migratórios em todas as suas fases. Apela para a elaboração, em estreita cooperação com os países de origem e de trânsito, de campanhas de informação sobre as possibilidades reais de imigração legal, e para a prevenção de todas as formas de tráfico de seres humanos. Deverá continuar a desenvolver-se uma política comum ativa em matéria de vistos e documentos falsos, que compreenderá uma cooperação mais estreita entre as missões diplomáticas da UE em países terceiros e, se necessário, a criação de serviços comuns de emissão de vistos da UE.”

(Cfr. Ponto 22 do Título IV das Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999).

91 Cfr. Ponto 14 do Título II das Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999.

92 Cfr. Ponto 15 do Título II das Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999.

Assim, tanto o Plano de Ação de Viena, em 1998, como as Con-clusões do Conselho Europeu de Tampere, em 1999, permitiram, pela primeira vez no seio da União, traçar um rumo no senti-do da criação de uma política comum de asilo. Como se verá, a escolha por uma “política comum” ao invés de uma “política única” de asilo não terá sido a melhor solução adotada no seio da União, uma vez que, ao admitir que a soberania dos Estados ainda tenha grande parte de domínio sobre estas matérias, per-mite que existam discrepâncias na interpretação e aplicação das normas internacionais que se debruçam sobre o asilo e os refu-giados, o que, consequentemente, dará origem a um tratamento desigual e não uniforme de todos os requerentes de asilo.