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1.4. A Política Nacional de Cultura

1.4.2. O Plano Nacional de Cultura

O Plano Nacional de Cultura foi instituído pela Lei 12.343, de 2 de dezembro de 2010, e tem a finalidade de planejar a implementação de políticas públicas de longo prazo, com previsão de conclusão até 2020, na perspectiva de continuidade e institucionalização das práticas de gestão das políticas públicas de cultura, visando a proteção e promoção da diversidade cultural brasileira (práticas, serviços, bens artísticos e culturais), além do fortalecimento do campo das políticas públicas que tem por meta assegurar o direito constitucional que prevê o acesso à cultura, aspecto relevante para o exercício da cidadania, para a expressão simbólica, e para o desenvolvimento socioeconômico do País, conforme anuncia a Secretaria de Políticas Culturais do MinC.

Uma política cultural atualizada deve reconhecer a existência da diversidade de públicos, com as visões e interesses diferenciados que compõem a contemporaneidade. No caso brasileiro, temos a premência de reverter o processo de exclusão, da maior parcela do público, das oportunidades de consumo e de criação culturais. Nestor Canclini (1987) utiliza o conceito de hibridização cultural como uma ferramenta para demolir a concepção do mundo da cultura em três camadas: culta, popular e massiva. O conceito de hibridização abrange diversas mesclas interculturais, não apenas as raciais, que se costuma encaixar no termo mestiçagem, ou as preponderantemente religiosas, categorizadas enquanto sincretismos. (CALABRE, 2007, p. 10)

No contexto da elaboração do Plano Nacional de Cultura, há que se considerar que a inversão da relação política entre Estado e cidadão, requer tanto uma distribuição como uma limitação do poder do Estado, o que pode se expressar na definição objetiva de metas e finalidades da intervenção do Estado, para garantir o acesso e fruição dos Direitos Culturais em uma determinada sociedade.

O Comitê da ONU dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais entende que:

[...] “ao se concentrar no aprimoramento do conceito de direito de participar da vida cultural, é possível dar este caráter abrangente aos direitos culturais e estabelecer a relação do artigo 27 da Declaração dos Direitos Humanos com outros instrumentos internacionais que também se referem ao direito de participar, em condições de igualdade, de atividades culturais ou da vida artística e cultural. [...]. Participar da vida cultural inclui não só a própria possibilidade de participação, mas também de ter acesso à vida cultural e de poder contribuir com ela. (KAUARK, 2014, p. 122)

Os objetivos do PNC são o fortalecimento institucional e a definição de políticas públicas que assegurem o direito constitucional à cultura; a proteção e promoção do patrimônio e da diversidade étnica, artística e cultural; a ampliação do acesso à produção e fruição da cultura em todo o território; a inserção da cultura em modelos sustentáveis de desenvolvimento socioeconômico e o estabelecimento de um sistema público e participativo de gestão, acompanhamento e avaliação das políticas culturais.

O PNC reafirma o papel indutor do Estado, ao tempo que garante a pluralidade de gêneros, estilos e tecnologias. Assegura modalidades adequadas às particularidades da população, das comunidades e das regiões do País. Assim, a partir de agora, todo o planejamento do MinC seguirá as orientações do PNC. O Plano se estrutura em três dimensões complementares: a cultura como expressão simbólica; como direito de cidadania; e como campo potencial para o desenvolvimento econômico com sustentabilidade. Essas dimensões, por sua vez, desdobram-se nas metas, que dialogam com os temas reconhecimento e promoção da diversidade cultural; criação e fruição; circulação, difusão e consumo; educação e produção de conhecimento; ampliação e qualificação de espaços culturais; fortalecimento institucional e articulação federativa; participação social; desenvolvimento sustentável da cultura; e fomento e financiamento.

As metas que nascem agora começaram a ser geradas no Seminário Nacional Cultura para Todos, em 2003, primeiro passo para o envolvimento dos cidadãos na avaliação e direcionamento das políticas culturais. Portanto, se temos 53 metas a nos guiar para a próxima década, é porque um dia abrimos espaço e ouvimos a sociedade na formulação da política pública para a cultura. (HOLLANDA, 2011, p. 9).

O Plano é constituído a partir de doze princípios que valorizam a liberdade de expressão, criação, fruição, comunicação, assim como, do acesso à produção das artes e da cultura em suas diversas formas de expressão, bem como, do direito de ser agente produtor das culturas, detendo de per si, o direito à memória e às tradições vinculadas a estas mesmas culturas. Assegurando a cultura como vetor de desenvolvimento humano, com responsabilidades socioambientais, e de controle social, e igualmente garantir a atuação conjunta e colaborativa para o fortalecimento da economia da cultura, e suas formas de manifestação.

O processo de acompanhamento da execução das metas do PNC é realizado pelo Ministério da Cultura, sendo disponível o acesso a uma biblioteca onde constam documentos como os Planos Setoriais das várias áreas da cultura, e os Planos de Cultura de estados e municípios.

As estratégias e diretrizes gerais do PNC são: O fortalecimento da ação do Estado no planejamento e na execução das políticas culturais; incentivar, proteger e valorizar a diversidade artística e cultural brasileira; universalizar o acesso dos brasileiros à fruição e a produção cultural; ampliar a participação da cultura no desenvolvimento socioeconômico sustentável: consolidar os sistemas de participação social na gestão das políticas culturais.

Entre as 53 metas elencadas no PNC, merece destaque o fato de que há uma diversificação expressiva de atingimento de diferentes aspectos do fomento à cultura, desde as medidas de fomento à captação de recursos, instrumentos de participação cidadã, à cartografia da diversidade das expressões culturais, a política nacional de proteção e valorização dos conhecimentos e expressões das culturas populares e tradicionais, criação de um sistema nacional de patrimônio cultural, assim como de um sistema nacional de informações e indicadores culturais (SNIIC), a criação do Conselho Nacional de Política Cultural

(CNPC), o mapeamento da cadeia produtiva da economia criativa, a sustentabilidade econômica, a implantação da disciplina ARTES no currículo da Educação Básica, com atividades regulares de arte e cultura, e 20 mil professores em formação continuada, o aumento de vagas de graduação e pós-graduação com ênfase nas linguagens artísticas, no patrimônio cultural e demais áreas da cultura, o incremento da produção e difusão cinematográfica nacional, de instituições e equipamentos culturais, bibliotecas públicas e cineclubes, a governação colaborativa, e a ampliação do funcionamento dos Pontos de Cultura, e do Programa de Cultura do Trabalhador.

Chama a atenção tanto no que diz respeito aos princípios, quanto em relação aos objetivos estabelecidos no capítulo I do anexo intitulado “Diretrizes, estratégias e ações” do PNC, e em outras publicações do MinC, a forte e reiterada referência à necessidade de valorizar e reconhecer a diversidade, tanto no terreno das artes, quanto de outras expressões culturais.

Os conceitos de cidadania, identidade e diversidade cultural são importantes bases teóricas e postulados políticos que fundamentam todo o raciocínio das políticas oficiais. A cidadania cultural entendida como direito básico de acesso e possibilidade de produção cultural, e a capacidade real de intervir no processo de definição da própria politica de cultura, em nível local e nacional.

A identidade como sendo a característica que garante o reconhecimento de si próprio, seja como indivíduo, ou como membro de uma coletividade, grupo ou classe social, e diversidade, como o fator de reconhecimento das múltiplas expressões, e culturas, que ocorrem em um processo ininterrupto, dinâmico, movente, relacional e comunicacional.

Diante destes elementos, é importante mencionar a ausência de um conceito, objeto de uma grande polêmica que está longe de ser superada, que é o debate em torno da existência ou não de uma identidade nacional, como parece estar subjacente em todo o debate epistemológico e político do Plano.

Para ser um documento oficial com pretensões de se constituir como base para uma política de Estado, portanto, com longevidade política e sociológica, torna-se absolutamente indispensável assegurar as diferentes manifestações das vozes socialmente

autorizadas a proferir os discursos que caracterizam a nação brasileira, seja através dos poderes constituídos, seja pelas instâncias representativas das diferentes nuances do poder.

No âmbito do debate universitário e em círculos intelectuais próximos aos referentes que norteiam o MinC, este debate parece ser entendido como uma questão encerrada, sequer merecendo uma crítica indireta, simplesmente, há um silêncio sobre o assunto.

Se pretendemos que a política de cultura seja uma política de estado, e articulada com outros segmentos da gestão da política nacional, parece contraditório desconsiderar o conceito de identidade nacional ou de “brasilidade”, tão forte em outros setores da sociedade e do Estado brasileiro, a exemplo da educação formal, das comunicações, e das forças armadas, setores de grande peso na estrutura do Estado.

Concordando-se ou não com os conceitos de identidade nacional e brasilidade, este debate não poderia ser deixado ao largo da grande concertação nacional, pela via da cultura, que foi proposta no Plano.

O Plano Nacional de Cultura é um potente instrumento de orientação e estruturação da gestão pública de cultura, como um dos pilares daquilo que se pretende caracterizar como política de Estado, isto é, uma política sujeita a poucas variações conjunturais, e que exige uma mudança na concepção da gestão pública brasileira, por sua necessidade de articulação e participação colaborativa e colegiada.