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3. O BALANÇO DE PAGAMENTOS BRASILEIRO

3.3 O PLANO REAL: 1995-2000

De acordo com MOLLO & SILVA (1999), uma tendência que se manifesta nos diversos programas de estabilização ancorados no câmbio é a manutenção de taxas cambiais sobrevalorizadas, agravando antigos ou criando novos problemas ligados ao balanço de pagamentos do país, sendo notório que a manutenção de tal política cambial age como estímulo à importação e à redução das exportações.

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Entre julho e setembro de 1994 não houve qualquer intervenção no mercado cambial. As entradas líquidas de recursos provocaram uma apreciação cambial, fazendo com que a taxa nesse último mês atingisse o valor mínimo de R$ 0,85/US$.

CARDOSO & HELWEGE (1999), baseando-se no comportamento intertemporal dos agentes econômicos, cita duas conseqüências principais da sobrevalorização cambial: o crescimento do consumo de bens importados e a queda na taxa de poupança interna.

O primeiro fenômeno advém do fato de que os agentes antecipam o consumo futuro de bens importados temerosos pelo comportamento dos preços de tais bens em decorrência das incertezas geradas sobre a duração da apreciação do câmbio. Quando a sobrevalorização se encontra aliada à uma política de liberalização comercial, os efeitos desse fenômeno são multiplicados pois os agentes, da mesma forma, se tornam temerosos quanto ao futuro de tal política.

Já esse último, está altamente correlacionado ao primeiro pois através da identidade poupança = renda - consumo, um aumento no consumo (com a antecipação intertemporal vista acima) causa uma redução da poupança mais do que proporcional ao crescimento da renda, o que pode facilmente ser comprovado analisando-se o comportamento da taxa bruta de poupança da economia, que vem apresentando uma trajetória decrescente, passando de 21,23% para 15,94% do PIB entre 1994 e 1999.

De forma geral, o comportamento do balanço de pagamentos a partir de 1995 pode ser visualizado na TABELA 3.3.

TABELA 3.3

BALANÇO DE PAGAMENTOS: 1995-2000 (US$ MILHÕES)

1995 1996 1997 1998 1999 20001 Balança Comercial -3.352 -5.599 -6.748 -6.604 -1.260 -698 Exportações 46.506 47.747 52.994 51.140 48.011 55.086 Importações 49.858 53.346 59.742 57.743 49.272 55.783 Balança de Serviços -18.595 -20.349 -25.865 -28.300 -25.825 -25.460 Transf. Unilaterais 3.974 2.446 1.823 1.458 1.689 1.521 Saldo Conta Corrente -17.972 -23.502 -30.791 -33.445 -25.396 -24.637 Conta de Capital 29.359 33.968 25.795 29.730 17.381 19.326 Investimento Direto2 4.313 10.792 18.993 28.856 28.578 32.779 Invest. em Portfólio2 2.294 6.040 5.300 -1.851 1.360 2.722 Empréstimos e Financiamentos3 22.752 17.136 1.502 2.725 -12.557 -16.145 Erros e Omissões -2.093 -1.800 -2.912 -4.256 194 3.049 Saldo do Balanço de Pagamentos 13.480 8.666 -7.907 -7.970 -7.822 -2.262 Fonte: Banco Central do Brasil

Notas: 1 Valores Preliminares 2 Valores Líquidos 3 Inclui Amortizações

Concomitante à sobrevalorização cambial, teve prosseguimento a política iniciada ainda na década anterior de liberalização tarifária das importações. A conseqüência foi o registro, já nos últimos dois meses de 1994 de um saldo comercial deficitário, que foi se agravando ao longo do período até 1999, quando a desvalorização forçada do Real teve um impacto não como motivadora do incremento das exportações, mas sim como freio na demanda por importações. O comportamento dessas duas variáveis pode ser visualizado no GRÁFICO 3.1.

Observa-se que o principal ponto de ruptura para o comportamento da balança comercial ocorre em 1994. Dessa forma, para uma melhor análise do impacto da sobrevalorização cambial sobre ela, convém desagregá-la em seus dois componentes, analisando-se separadamente o comportamento das exportações e das importações em dois períodos distintos: 1991-1994 e 1995-1998. Em ambos, há a constante política de

liberalização comercial, porém nesse primeiro período, o incremento médio anual registrado foi de 11,3% e 13,3%, respectivamente. No segundo período, já sob influência da apreciação do câmbio, o crescimento médio correspondeu a 4,2% e 16,6%, nas duas categorias respectivamente.

GRÁFICO 3.1

EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS: 1991-2000 (US$ MILHÕES)

20000 30000 40000 50000 60000 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Exportações Importações Fonte: SECEX/MDIC

Apesar desses números e da clara ligação entre sobrevalorização cambial e deterioração dos termos de troca, outro fator significativo concorreu para esse comportamento da balança comercial: a liberalização na conta de capital, com o incremento, sobretudo, dos fluxos de investimento direto observados a partir de 1992, que impactaram de forma dual o balanço de pagamentos: ao mesmo tempo em que se constituíram no principal financiador dos déficits em conta corrente registrados após 1995, foram, também, um dos responsáveis pela fomentação de tais déficits.

Ao analisarem os impactos dos fluxos de investimento direto sobre o balanço de pagamentos brasileiro nos anos 90, LAPLANE & SARTI (1999) apontam quatro conseqüências principais desse incremento na inversão estrangeira. Duas delas, (i) o

aumento da competitividade local e (ii) a desnacionalização da indústria - a última correspondendo à crescente aquisição de ativos nacionais por empresas multinacionais e a primeira aos investimentos na modernização da produção e dos bens e serviços ofertados -, por sua vez, impactaram as outras duas, (iii) a balança comercial e (iv) a balança de serviços.

Nos anos 80, a política industrial brasileira consistia na promoção das exportações com o intuito de obter superávits comerciais para o pagamentos dos compromissos externos. Os produtos importados eram alijados do mercado interno por altas barreiras tarifárias e não-tarifárias e, ademais, os esforços exportadores eram mais intensos nos períodos de retração da demanda doméstica. Nos anos 90, ocorre a inversão dessa tendência, com políticas incentivadoras de modernização do parque industrial para concorrer, no mercado interno, aos produtos importados, agora com baixas tarifas alfandegárias.

Uma análise por categorias da pauta importadora revela que o incremento de produtos importados se deve, basicamente aos bens intermediários e de capital, que apresentaram taxa de crescimento médio anual superior às importações totais: 28% e 19%, respectivamente, entre 1994 e 1998. Outro dado importante é que, apesar da primeira categoria exibir uma participação relativamente constante entre 50% e 60% da pauta importadora, os bens de capital registraram participação crescente ao longo do período, passando de 14% para o pico de 22% de participação entre 1990 e 1998.

Desde o processo de abertura, evidenciava-se a reestruturação produtiva com a internacionalização da produção, mas devido à recessão no início dos anos 90, tal processo era de difícil discernimento. Foi somente a partir da retomada do crescimento em 1993 e, principalmente, nos dois anos seguintes que tal processo, aliado ao câmbio

sobrevalorizado, contribuiu para a verdadeira explosão no consumo de bens e serviços importados. (CARDOSO & HELWEGE, 1999)

Concomitante à internacionalização da produção e seus reflexos no saldo comercial, a internacionalização das empresas tem trazido séria preocupação pelo impacto que o aumento na remessa de lucros podem causar no futuro.

Como país em desenvolvimento e endividado, o balanço de serviços brasileiro tem apresentado déficits crônicos desde 1947, com o agravante deles estarem crescendo de forma exponencial nos últimos anos alimentados pela remessa de lucros e dividendos.

A agregação das balanças comercial e de serviços com as transferências unilaterais resultou em um crescente déficit em conta corrente como proporção do PIB a partir de 1994, passando de menos de 1% nesse ano para 4,2% em 2000, após o pico de 4,95% em 1998.

Para a sustentação desses déficits em conta corrente, também fez-se necessário contar com a atração dos capitais de curto prazo, principalmente em meados da década passada. Nesse período, conforme pode ser visualizado no GRÁFICO 3.2, o investimento direto estrangeiro ainda não correspondia aos valores registrados no final dessa década e esses capitais de curto prazo correspondiam a uma parcela considerável da conta de capital, notadamente no período 1992/97.

GRÁFICO 3.2

INVESTIMENTO DIRETO ESTRANGEIRO (I.D.E.), EM PORTFÓLIO E SALDO DA CONTA DE CAPITAL (US$ MILHÕES)

-10000 0 10000 20000 30000 40000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

I.D.E. Inv. Portfólio Saldo Conta Capital

Fonte: Banco Central do Brasil

Uma das conseqüências da maciça entrada de capitais a partir de meados da década passada - a apreciação cambial - foi discutida anteriormente. Uma segunda conseqüência constituiu-se na necessidade de elevação das taxas de juros como forma de, ao menos parcialmente, esterilizar tais entradas com significativas conseqüências para o crescimento econômico, a taxa de poupança interna e o equilíbrio fiscal do governo.

A sustentabilidade no longo prazo desse quadro macroeconômico não deveria ser questionado, porém, conforme CARDOSO & HELWEGE (1999) salientam:

"few governments will resist the temptation to let the real exchange rate

appreciate as long as money is flowing in to finance current account deficits."

O "argumento padrão" para justificar tal comportamento das autoridades governamentais é o de que o ganho de produtividade dos bens exportáveis é suficiente para sustentar a apreciação cambial e os déficits na conta corrente correspondem basicamente à importação de bens de capital que gerarão futuras exportações de forma a compensar as obrigações incorridas.

De fato, HIDALGO (1999) informa que o crescimento da produtividade no período 1990/95 correspondeu a 7%, um padrão comparável a países asiáticos, o que permitiu às empresas compensarem, parcialmente, a apreciação cambial. O estudo de MIRANDA (2001) corrobora esses números, porém, citando pesquisa de BONELLI (2000), informa que apesar de maior no início dos anos 90, durante o período 1991/98, a produtividade média foi de 2,5% ao ano, com significativas diferenças setoriais – aqueles setores mais avançados antes da abertura obtiveram ganhos de produtividade maiores. Analisando-se a balança comercial desse período, observa-se que esse segundo argumento ainda não pode ser aplicado ao Brasil, embora seja parcialmente (no que tange a importação de bens de capital) correto.

Já no início de 1995, o Brasil "importa" a primeira crise financeira internacional do Real após a desvalorização do peso mexicano em dezembro do ano anterior25. As conseqüências imediatas de tal crise consistiram num aumento da taxa de

juros como meio de manter os capitais que ainda permaneciam no país (apesar da perda de US$ 9,8 bilhões em reservas entre o último trimestre de 1994 e o primeiro de 1995), uma minidesvalorização cambial de 5% e a adoção de um sistema de bandas (até então, vigorava o sistema cambial semi-fixo descrito anteriormente).

Posteriormente, foram implementadas medidas visando reduzir a exposição do balanço de pagamentos via redução das importações, aumentando seletivamente algumas tarifas de importação (pela primeira vez em sete anos) e restringindo a demanda interna através de aumento nos impostos, redução dos gastos públicos e restrição à concessão de crédito às vendas a prazo, e via incentivo às exportações, concedendo crédito

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Há na literatura econômica, o que se convencionou chamar de "o problema do contágio", que consiste na transportação de uma crise em um determinado país/região para outros países/regiões. Dentro dessa teoria, a causa mais aceita para a propagação das crises se encontra no lado real da economia, tais como: relações comerciais, proximidade geográfica ou, mais importante, fundamentos macroeconômicos semelhantes (MOURA, 2001).

subsidiado pelo BNDES aos exportadores e reduzindo a carga tributária nas exportações de produtos primários e semimanufaturados.

O pacote de ajuda do FMI ao México ajudou a recompor as reservas internacionais com a volta dos capitais estrangeiros ao Brasil, conforme observado no GRÁFICO 3.2 e na TABELA 3.3.

O ano de 1996 transcorreu praticamente sem grandes sobressaltos, sendo a volta dos capitais de curto prazo ao mercado interno uma clara indicação de restauração da confiança na política adotada internamente, mas, em outubro de 1997, a crise financeira do sudeste asiático provocou um grande contágio mundial. Como forma de manter a política cambial, novamente, elevou-se as taxas de juros interna, fazendo com que as mesmas atingissem o pico de 45% ao ano nesse mês.

Apesar da grande repercussão, essa crise logo se dissipou. Porém, em agosto do ano seguinte, a decretação da moratória russa encontrou um quadro macroeconômico interno extremamente debilitado que, aliado às incertezas relativas ao processo eleitoral do mesmo ano26, fizeram com que a queda nas reservas internacionais no último semestre

desse ano somasse US$ 30 bilhões.

Em dezembro, é assinado um acordo de empréstimo junto ao FMI no total de US$ 41,5 bilhões, porém, a fuga de capitais que persistia, a ausência de progressos no ajuste fiscal, resistência interna às altas taxas de juros e exaustivas discussões demandando o fim da política cambial não deixaram alternativas a não ser a liberação da cotação do Real em janeiro de 1999.

Passado o período inicial de turbulência, pode-se considerar que a liberação cambial foi relativamente bem sucedida pois, apesar das expectativas quanto ao comportamento do produto (esperava-se uma taxa de retração em torno de 4% para o ano,

registrando-se no final, um PIB 0,79% maior do que o de 1998), observou-se, inclusive, uma reversão na cotação cambial (R$ 2,21/US$ em março e R$ 1,67/US$ dois meses depois, mantendo-se praticamente estabilizado até o final do ano), na taxa de inflação (16% anualizados em março e 6% anuais já em abril) e na taxa de juros (45% ao ano em março para 23% anuais em maio).

Esperava-se já nesse ano de 1999, uma reversão no saldo comercial que no final acabou não se concretizando27. A redução do déficit comercial se deu mais em

conseqüências da redução das importações devido à redução da demanda interna, do que em função de um crescimento expressivo das exportações. No ano de 2000, observou-se um considerável crescimento das exportações, mas o reaquecimento da economia fez com que as importações também se elevassem, atingindo um patamar ligeiramente inferior ao registrado antes da desvalorização cambial.

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