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2 FORMAÇÃO SISTÊMICA DO COMÉRCIO MUNDIAL

3 O NOVO MODELO PARADIGMÁTICO DE JUSTIÇA: A JUSTIÇA GLOBAL

3.3 O PLURALISMO JURÍDICO EM DECORRÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO

Para discorrer acerca do pluralismo jurídico se faz necessário entender que esse fenômeno modificou o Direito, criando um novo paradigma de fazer justiça em um ordenamento jurídico transnacional, formado por regras jurídicas oriundas da sociedade transnacional. Essas regras estão inseridas nos movimentos realizados pelos atores não estatais, que proclamam pela Justiça Global. Sendo assim, pode-se dizer que o pluralismo jurídico é a transformação do Direito, presente e

118 Nesse contexto, entendem-se como forças centrípetas aquelas econômicas que giravam em torno do Estado.

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construído na sociedade transnacional. Sua criação possibilitou a reorganização da Justiça no âmbito global119.

Dessa maneira, Wolkmer afirma que o pluralismo jurídico é a tentativa de reconstrução do sistema internacional, racionalizado e “legitimado pela produção capitalista globalizada”, que limita a atuação do Estado frente às mazelas do processo da globalização. O autor considera, então, que a aposta no pluralismo significa “empreender esforços para alcançar outro paradigma de fundamentação para a cultura jurídica120”.

Em decorrência disso, Campuzano enfatiza que “o pluralismo jurídico é um direito emergente da sociedade civil contrário ao formalismo jurídico do Estado, o qual causa uma ruptura nas dinâmicas legitimadoras do Estado democrático121”. Para o autor, isso significa o surgimento de um novo espaço para discutir e responder questões financeiras em escala global. Assim, interpreta-se que uma das ênfases feitas por esse autor diz respeito ao processo da globalização econômica como fator de impulso ao pluralismo jurídico, que se desenhou em razão da debilidade do Estado.

Assim, Campuzano descreve duas características essências para a construção do pluralismo jurídico valendo-se do discurso de Snyder:

Em primeiro lugar, o pluralismo jurídico é um elemento estrutural, relativo à variedade de instituições, normas e processos de resolução de

119 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma

nova cultura no direito, p.165.

120 Idem, p.169. 121

CAMPUZANO, Afonso de Julios. Globalización, pluralismo jurídico y ciéncia del derecho. Dimensiones Jurídicas de La globalización, [S.L]: Dykinson, 2007, p.19.

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conflitos registrados e localizados em diferentes âmbitos do mundo, entendendo por não se fazer necessariamente em um espaço geográfico, como por exemplo: a arbitragem comercial, as associações do comércio e etc. Em segundo lugar, é um elemento relacionado que concerne basicamente às relações entre o âmbito de natureza diversa, ou seja, em termos de estrutura e processo. Estas relações de estrutura e processo constituem o campo jurídico global e determinam as características básicas do pluralismo jurídico global, principalmente marcado pela igualdade122.

Com base na citação acima, observa-se que o pluralismo jurídico narrado por Campuzano tem como intuito explicar o novo modelo de Direito inserido na sociedade internacional a ponto de modificá-lo, uma vez que rompe com a formalidade com a qual o Estado constrói normas e regras jurídicas internas ou internacionais. Nesse sentido, o conceito de Wolkmer e Campuzano se complementam na tentativa de explicar esse novo Direito que se propôs na sociedade internacional, oportunizando o fortalecimento do espaço transnacional.

Isso acontece em virtude do impacto da globalização para o nascimento de vários processos que confluíram para a construção de um novo ordenamento jurídico, denominado de ordenamento jurídico transnacional. Ele ratifica a estrutura interpretativa de justiça no sistema internacional trazendo um novo paradigma: a Justiça Global. Assim, pode-se dizer que o pluralismo jurídico se configura pela pluralidade de normas praticadas por sociedades que vão de encontro ao monismo jurídico. Todavia, assemelha-se ao monismo rígido.

122 Idem, p.20.

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Com isso, percebe-se que a globalização acarretou em várias mudanças complexas que, de certa maneira, impactaram na relação social, política e cultural. Sendo assim, destacam-se dois acontecimentos importantes desse processo: o primeiro se concentra na fragmentação da técnica, compartilhada por várias nações. Isso significa dizer que o processo de produção não se concentra somente em um país, mas permite, de maneira eficaz, o fluxo transnacional da informação e a fluidez dos mercados financeiros internacionais. O segundo acontecimento se pauta na intensificação dos movimentos sociais, decorrentes da insatisfação política interna e internacional, e que têm por finalidade contestar a ausência de um ordenamento jurídico que limite ou contorne os problemas gerados pelo processo de globalização.

Por essa razão, acredita-se que justamente a globalização econômica foi um dos mecanismos que desencadeou o anseio da sociedade civil de ter um novo ordenamento jurídico que não partilhasse dos jogos de interesse dos mercados financeiros internacionais, dando origem, então, ao pluralismo jurídico. Ademais, para Campuzano, o Direito não deveria ser conveniente com a força econômica a ponto de permitir que o mercado controle todos os âmbitos da sociedade123.

Contudo, é importante salientar que esse Direito nasce no período pós-guerra, como resultado do liberalismo econômico. E se faz presente até os dias atuais, pois basta analisar a construção do sistema mundial do comércio: para movimentar a economia internacional, os Estados tiveram que sacrificar direitos fundamentais garantidos no âmbito interno, aumentando a jornada de trabalho, barateando o custo de produção pela precarização da mão de obra e flexibilizando a legislação

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trabalhista interna. Tudo isso para atender aos interesses das grandes corporações, empresas multinacionais e transnacionais. Esse é o lado negativo da globalização econômica.

Nesse sentido, Campuzano trata esses acontecimentos como os causadores da ruptura nas relações internacionais, razão pela qual os atores constroem normas, regras e uma nova ordem jurídica no espaço global, que conta com a participação dos indivíduos. Isso de certa forma evidencia a descentralização do Estado, demonstrada por meio do nascimento do espaço transnacional. Esse espaço é compreendido como uma decorrência do processo de globalização em conjunto com os movimentos sociais, o que oportunizou o surgimento de um novo modelo de democracia não atrelado ao parlamentarismo, mas sim à Justiça, a qual não é promovida pela sociedade civil, não pelos Estados.

Desse modo, o pluralismo se fortalece, permitindo que a política tivesse pouca representatividade para o exercício da democracia e originando um novo modelo de advindo dos movimentos sociais, a partir do qual a moral, a ética e a solidariedade estão interligadas. Por isso, Wolkmer afirma:

Ao contrário da concepção unitária, homogênea e centralizadora denominada de “monismo”, a formulação teórica e doutrinária do pluralismo jurídico, designa a existência de mais de uma das associações livres, consideradas como única área capazes de tornar um cidadão apto a se defender. Afirma ainda que é o pluralismo jurídico é uma concepção “filosófica” que se opõe ao unitarismo determinista do materialismo e do idealismo moderno124.

124 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma

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De um lado, é a partir do entendimento descrito acima que Wolkmer defende o pluralismo jurídico como o momento de transição entre o direito construído pelo Estado para o direito construído pela sociedade civil, cujas normas dão origem à Justiça global. Por outro lado, Ehrlich define expressamente a ideia de pluralismo jurídico ao dizer:

Direito surge e se desenvolve, criando normas jurídicas que ainda não se caracterizam como prescrições normativas (leis) emanadas pelo Estado e que irão coexistir com estas. Esse direito não é estatal, é um direito vivo que existe e é respeitado dentro das associações organizadas, sem a necessidade da coerção estatal, pois possuem coerção própria125.

Diante do argumento acima, percebe-se que o pluralismo jurídico é um dos componentes da Justiça Global, uma vez que suas características na sociedade internacional são bastante parecidas com outros movimentos presentes na aldeia global, como o comércio justo. Ademais, a teoria do pluralismo jurídico permite romper com o discurso hegemônico acerca do direito que atua nas relações internacionais e na consciência dos indivíduos com o intuito de modificar o pensamento de que o direito estatal não é o único capaz de trazer repostas para uma sociedade globalizada126.

Ao analisar o entendimento de Melgarito acerca do pluralismo jurídico, depreende-se que este fenômeno rompe com um

125 VIEIRA, Reginaldo de Souza. Pluralismo Jurídico Clássico: A Contribuição de Ehrlich, Santi Romano e Gurvitch. Revista Direito, Estado e Sociedade, n.47, p.108-127, 2015.

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MELGARITO, Alma. Pluralismo Jurídico: Hacia una teoria constitucional latinoamericana. In: WOLKEMER, Antônio Carlos; CORREAS, Oscar. Crítica

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direito ditado por interesses hegemônicos, associado ao ordenamento jurídico econômico internacional e baseado em uma política internacional determinada pelas grandes potências e pelo hegemon. Isso ocorre em virtude dos ganhos do processo de colonização. Por esse motivo, Beck e Sparemberger entendem que na contemporaneidade é preciso repensar a democracia, descolonizá-la e desmercadorizá-la, principalmente no que se refere aos países do eixo-sul127.

Pode-se afirmar que essa concepção se aplica ao Sul global, uma vez que essa região sofreu impactos com a organização jurídica econômica internacional, que se construiu de forma desigual, aumentando a competitividade, as assimetrias de trocas comercias e das informações. Ademais, a forma com que os valores jurídicos são regidos pelo direito internacional permite que os indivíduos sejam condenados a uma eterna limitação de desfrutar da justiça.

Por conseguinte, o que Beck e Sparemberger transmitem é a necessidade de repensar a democracia, em específico a sua vertente representativa, uma vez que, essa, no que se refere a assuntos internacionais, muitas vezes demonstra-se incapaz de representar os interesses dos indivíduos de forma coletiva. Isso é consequência do processo de construção de um Direito liderado pelo interesse hegemônico e pelos países desenvolvidos, o que fica mais evidente na formação do direito internacional econômico.

127 BECKER, Jean Lucca de Oliveira; SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Repensar a América Latina: democratizar, descolonizar e desmercadorizar as vozes silenciadas. Revista Direito em Debate do

Departamento de Ciência Jurídicas e Sociais da Unijuí, n. 42, 2014, p.232-

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Outra crítica abordada pelos autores em relação à forma com a qual é exercida a justiça no âmbito internacional diz respeito à mercadorização do Direito, uma vez que ele é regido por interesses que contradizem a essência da justiça. Dito de outro modo, se por um lado a norma jurídica internacional é construída para atender interesses econômicos e comerciais e garantir a segurança jurídica das nações; por outro observa-se a segregação dos direitos individuais. Em razão disso, Becker e Sparemberger afirmam que o “direito internacional” é mecanismo falho por abarcar o monismo, o qual carece da ética, da moral e da política.

Sendo assim, observa-se que o pluralismo jurídico é um novo mecanismo para fortalecer um Direito que surge em razão dos movimentos sociais, antagônico ao monismo, que se forma a partir da composição entre moral, direito e política, representando os interesses da sociedade civil: a Justiça Global.

3.4 A JUSTIÇA GLOBAL PARA A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO