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O contexto político foi de transição, mas sem grandes rupturas com o governo militar. Com a morte de Tancredo Neves, presidente civil eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, assumiu a presidência José Sarney (1985–90), que manteve as indicações ministeriais feita por Neves e os acordos já selados. Sarney era oriundo da Aliança Renovadora Nacional, partido que deu sustentação à ditadura. Não por acaso, dentre os ministros indicados, cinco, poucos meses antes, apoiavam o governo militar. O período foi marcado pelo envolvimento da sociedade civil, que participou da democratização, inclusive nos debates sobre a educação (DIAS, LEMOS).

Primeiro ministro da Educação no período de redemocratização, Marco Maciel promoveu, em setembro de 1985, o Dia Nacional da Educação. Quase 210 mil escolas oficiais debateram problemas com participação de alunos, docentes e pais. Mas os desafios eram numerosos; incluíam, por exemplo, legalização da União Nacional dos Estudantes, considerada ilegal pelos militares; extinção das assessorias de segurança e informação, ainda presentes nas universidades públicas, e do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Em dezembro, foi promovido debate sobre as universidades, ou seja, sobre autonomia e currículo universitários, incentivos à pesquisa e piso salarial de professores e servidores. Mesmo com esses debates, o tema da educação foi obliterado pela crise econômica e inflação desenfreada, que levou o governo a impor um plano econômico: o Cruzado, que mudou a moeda corrente e congelou preços do comércio nacional (MONTEIRO, s. d.).

Quanto ao livro didático, a transição para a democracia e a mudança de órgão burocrático (de FENAME para FAE) não alteraram a orientação da política pública. Como salientam Freitag, Motta e Costa, “Isso já valeu à FAE a reinterpretação de sua sigla: ela não seria uma Fundação de Assistência do Estudante, e sim uma Fundação de Apoio às Editoras” (1987, p. 43). Além disso, sua política beneficiava apenas dez editoras, que controlavam 92% da venda de didáticos ao Estado (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987, p. 43).

Em 1984, foi criado um comitê de consultores para lidar com a área didático- pedagógica. Suas atribuições incluíam “orientar” a presidência da FAE, “subsidiar” a

36 formulação de políticas do livro didático, “avaliar” a qualidade das propostas e “propor” medidas para aprimorar a qualidade dos didáticos e demais materiais escolares. O comitê era composto por “cientistas e políticos” que manifestaram ao presidente da FAE os problemas do programa, dentre os quais: “[...] dificuldades de distribuição do livro dentro dos prazos previstos, lobbies das empresas e editoras junto aos órgãos estatais responsáveis, o autoritarismo implícito na tomada de decisões por delegacias regionais e secretarias estaduais de educação na escolha do livro, etc.” (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987, p. 9).

Ex-integrante do comitê, Bárbara Freitag diz que este nunca teve o mesmo poder de órgãos precedentes como a CNLD e a COLTED. Antes, teve papel reduzido e vida curta: foi extinto após a edição do decreto 91.542, de 19 de agosto de 1985, que institui o PNLD (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987, p. 9; BRASIL, 1985). A instituição desse programa com mudanças em prol da qualidade se guiou pelo controle da doutrinação ideológico contida nas obras. Impunha-se, assim, o aperfeiçoamento das especificações técnicas da produção pelas editoras e a escolha pelos docentes. Além disso, propôs a reutilização do livro didático para viabilizar a ampliação da oferta entre os estudantes de 1ª e 2ª série das escolas públicas e comunitárias. Esse novo molde concentrou o processo decisório na FAE, isto é, excluiu a participação das unidades federadas (CASTRO, 1996 p. 10–11) para centralizar as decisões políticas norteadoras da educação na União.

Com efeito, outro aspecto destacado por Freitag é a centralização decisória nas mãos de técnicos e assessores, muitas vezes, desqualificados para tal. Nenhuma instituição da sociedade civil — Igreja (antes influente), associações científicas, sindicatos de professores e organizações de pais e alunos — teve poder de influência. As editoras preferiam cumprir à risca os parâmetros curriculares para garantir a venda do maior número de exemplares (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987, p. 13). A participação docente no processo de escolha ocorria em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O ministro da Educação justificou a medida nestes termos: “Melhor fazer a escolha do livro com o professor que contra ou sem ele” (apud FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987, p. 10).

Essa reformulação da política desposou a ideia de livro didático durável e de boa qualidade gráfica; o que contrariava os acordos MEC/USAID, pois estes prescreviam um livro descartável e de uso limitado. Na ocasião da assinatura do decreto 91.542, o Presidente José Sarney, em seu discurso, ressaltou que “Mudar o livro simplesmente por mudar não é política pedagógica, mas política editorial. Não é necessidade educativa. É luxo de educação. O

37 Programa Nacional do Livro Didático instituiu o livro reutilizável” (apud FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987, p. 10). O decreto determinou que o governo estabelecesse características para o material a ser adquirido.

Até hoje o texto do decreto marca as principais orientações do PNLD. A primeira orientação, graças à transição democrática, foi a de superar o caráter ideológico e discriminatório do período autoritário. A segunda foi estabelecer padrões de qualidade para a compra dos livros didáticos. Assim, foi reestruturado o processo de escolha, aquisição e distribuição (BRASIL, 1985; BATISTA, 2001, p. 11). O decreto não presumiu a atuação de uma comissão específica, como a CNLD do Estado Novo ou a COLTED do Estado militar.

A execução do PNLD era para ser feita pela FAE em articulação com secretarias de Educação estaduais e municipais e associações comunitárias (BRASIL, 1985). Esse aspecto, em particular, gerou debate sobre a centralização ou regionalização do PNLD. Como dizem Freitag, Motta e Costa (1987, p. 20-26), a despeito dos inconvenientes da alternativa centralizadora, também a regionalização encontrou barreiras. “A regionalização do livro didático no Brasil somente teria condições de produzir um livro de melhor qualidade se ocorresse uma reestruturação global do sistema educacional e uma elevação geral do nível de profissionalização de todos os agentes envolvidos” (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1987, p. 25).

No governo Sarney, houve convocação para uma assembleia constituinte que resultou na Constituição de 1988. Esta, diversamente, trouxe implicações para as políticas educacionais desenvolvidas nos governos sucessivos, inclusive no próprio PNLD.