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Capítulo III – Histórico do habeas-corpus e das cortes supremas do Brasil e

Fluxograma 2. O Poder Judiciário na Constituição de 1946

Fonte: Arantes (1997, p. 90)41

41 “Enquanto nas constituições anteriores o grau de recurso ordinário posicionava o STF como

órgão de segundainstância da Justiça federal, agora grande parte da causas dessa natureza seria direcionada para o TFR, restando apenas ao STF cuidar dos mandados de segurança e

habeas-corpus decididos em última instância pelos tribunais locais ou federais, quando

Durante o período inicial da ditadura militar brasileira, vigia a Constituição de 1946, em cuja elaboração a seção que dispunha sobre as liberdades individuais foi fortemente influenciada pelo peso histórico do instituto do habeas-corpus. Sua abrangência não foi semelhante à redação que vigorou durante o período conhecido por “doutrina brasileira do habeas-corpus”, pois a reforma constitucional de 1926 impôs alguns limites. Até esta data era possível solicitar o instituto, se houvesse a possibilidade de sofrer qualquer tipo de coação ou violência. Quando de sua reformulação, o pedido ficou limitado aos casos em que envolvesse a restrição da liberdade física individual42. Mas sua importância se torna evidente durante os períodos de ruptura da ordem institucional, como foi o caso do governo provisório que fora instituído entre 1930 e 1934. O governante à época exilou inimigos do governo, decretou aposentadorias e promoveu demissões arbitrárias. Para garantir que não houvesse maneira de reverter tais atos abusivos, a solicitação de habeas-corpus foi mantida, mas vedada para os casos em que garantisse amparo aos indivíduos que tivessem praticado delitos políticos e funcionais, “bem como aqueles que ficassem sujeitos a um tribunal especial que se viesse a criar” (Rodrigues, 1991, Tomo IV, p. 38). Ou seja, foi dado um golpe nas funções precípuas do instituto.

Até o início das decretações dos Atos Institucionais pelos militares, não foram alterados os procedimentos quanto à utilização do habeas-corpus. Inicialmente, as regras para usá-lo estavam contidas na Constituição de 1946 e no Código de Processo Penal (CPP) de 1941. Quanto aos dispositivos constitucionais, na Seção II, intitulada “Do Supremo Tribunal Federal”, no art. 101, constam as competências do Tribunal:

I - Processar e julgar originariamente:

a) o Presidente da República nos crimes comuns;

b) os seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República nos crimes comuns;

c) os Ministros de Estado, os Juízes dos Tribunais Superiores Federais, os Desembargadores dos Tribunais de Justiças dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas

contrato da União com estado estrangeiro, assim como as em que forem partes um Estado estrangeiro e pessoa domiciliada no país”. (Art. 101, II, (a) e (b) apud Arantes, 1997, p. 91).

42 C.F. 1891, art. 72, § 22: “Dar-se-á habeas-corpussempre que alguém sofrer ou se achar em

iminente perigo de sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção”.

e os Chefes de Missão Diplomática em caráter permanente, assim nos crimes comuns como nos de responsabilidade;

[...]

h) o habeas-corpus, quando coator ou paciente for Tribunal, funcionário ou autoridade cujos atos estejam diretamente sujeitos à jurisdição do Supremo Tribunal Federal; quando se tratar de crime sujeito a mesma jurisdição em única instância; e quando houver perigo de se consumar a violência, antes que outro Juiz ou Tribunal possa conhecer do pedido; II) julgar em recurso ordinário:

a)os mandados de segurança e os habeas-corpus decididos em última instância pelos Tribunais locais ou federais, quando denegatória a decisão;

[...]

c) os crimes políticos;

Considerando as regras contidas na Constituição de 1946, o habeas-

corpus deveria ser impetrado perante juiz autorizado a receber o pedido,

levando-se em conta, inclusive, se o local em que ocorreu o constrangimento ao réu faria parte da alçada do juiz. Para se ter certeza se determinado juiz seria competente para apreciar o pedido, deveria ser primeiramente averiguada a jurisdição – se comum ou ordinária, militar, eleitoral ou federal. Posteriormente, qual o foro competente (circunscrição territorial) e, por fim, qual o juízo certo. A resposta à primeira indagação seria encontrada nas regras de competência contidas na Constituição Federal em vigor. Quanto ao foro, as bases estariam no Código de Processo Penal (CPP) e legislação complementar – caso houvesse esta última. De acordo com o CPP, no Capítulo X – artigos de 647 a 667: “Dar- se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.” Para responder à terceira questão, quanto ao juízo correto, deveriam ser observadas as regras de organização judiciária local, a par de alguns dispositivos da lei codificada.

Nos casos em que aquele que praticasse a ilegalidade fosse uma autoridade, o juiz que fosse apreciar o pedido de habeas-corpus deveria possuir grau superior ao da autoridade em questão, para que a competência pudesse ser reconhecida. Por exemplo, caso a coação emanasse de Delegado de Polícia, caberia ao juiz criminal de primeiro grau a apreciação do pedido. Todavia, se a coação adviesse deste último, seria competente o órgão jurisdicional superior.

Ainda, se a coação procedesse do próprio Tribunal Superior, a competência passaria para a instância suprema, podendo ser: o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Ademais, quando a competência fosse originária, em razão de foro privilegiado, como nos casos dos juízes, promotores, parlamentares, governadores, ministros e outras autoridades, a apreciação deveria ser feita desde o início no STF, seguindo-se o previsto na Constituição, no Código de Processo Penal e nos regimentos de cada Tribunal.

De acordo com a C.F. de 1946, caberia ao STF a apreciação de habeas-

corpus originários, desde que o coator ou paciente fosse Tribunal, funcionário ou

autoridade cujos atos estivessem rigorosamente sujeitos à jurisdição do STF. Ainda, se porventura o delito estivesse subordinado a essa mesma jurisdição em única instância e nas situações em que houvesse possibilidade de ocorrência de violência eminente, antes que outro juiz ou tribunal pudesse conhecer do pedido, nesses casos, o Supremo Tribunal Federal seria o órgão competente para decidir. No entanto, se um pedido de habeas-corpus já tivesse sido analisado em outra instância (única ou última), o Tribunal só poderia realizar o julgamento por intermédio de recurso ordinário – caso a ordem tivesse sido negada. Se, por acaso, o pedido tivesse sido concedido, o STF só poderia apreciá-lo via recurso especial. Porém, a solicitação ordinária poderia ser transmutada para originária, salvo ocorresse atraso no processo normal do recurso, por exemplo, férias do tribunal.

A legislação vigente à época também previa a possibilidade de haver alteração de competência, disposto que estava abrigado no art. 650 do CPP, e dispunha que a competência do juiz poderia ser suspensa quando a coação proviesse de autoridade judiciária de igual ou superior jurisdição. Nestes termos, se, porventura, um delegado expedisse inquérito (de onde originasse o constrangimento) ao juiz e este recebesse eventual denúncia, a competência deixaria de ser a mesma, pois este último passou a ser coator. Em razão disso, o inquérito deveria ser remetido ao órgão jurisdicional superior.

A relatoria para os processos de habeas-corpus era definida por sorteio. Depois da definição, caberia ao relator o exame do processo para posterior relato em sessão para os demais juízes. Ainda, se o relator considerasse as informações insuficientes, poderia, de acordo com a jurisprudência do Tribunal,

requerer mais informações à autoridade coatora, os autos do processo instaurado contra o paciente, ordenar diligências para melhor conhecimento do pedido.

Quanto a quem caberia a solicitação do habeas-corpus - qualquer pessoa, brasileira ou estrangeira, em seu favor ou de outrem, o Ministério Público, e poderiam os juízes e tribunais concederem a ordem de ofício (Melo, 1964, p. 368). Quando da concessão do pedido, a decisão deveria ser comunicada imediatamente às autoridades competentes a fim de que fosse cumprida. Tratando-se de habeas-corpus preventivo, deveria ser expedido um salvo conduto, assinado pelo juiz/ministro, quando se considerasse haver grave risco de consumar-se a violência aos direitos do paciente.

3.5 - História do Habeas-corpus na Argentina

De acordo com publicação da Secretaria de Jurisprudência da Corte Suprema de Justiça (2013, p. 11), desde a Constituição de 1853 houve reconhecimento das liberdades individuais, bem como sua proteção: “Su consagración importa la necesidad de amparar toda restricción ilegal de la liberdad corporal (...)”. Contudo, não estava contido na Constituição como e quais as autoridades teriam a competência de garantir a proteção àqueles cidadãos cuja liberdade física estivesse ameaçada.

A primeira vez em que ocorreu a regulamentação do habeas-corpus foi em 1863, por intermédio da Lei 48, Art. 20, que outorgou aos ministros da Corte e aos juízes de seção o poder de investigar os motivos que haviam levado o sentenciado à prisão e, caso o encarceramento fosse ordenado por autoridade ou pessoa não prevista por lei, deveria ordenar a soltura imediata do réu. O pedido de habeas-corpus poderia ser feito oralmente ou por escrito (art. 9º). Caberia ao juiz determinar a data de apresentação do réu, seguido de informe em que contivesse os motivos que haviam determinado a prisão (arts. 11 e12). A audiência ocorreria com a presença das partes citadas na denúncia, sendo obrigatória a presença do detido (arts. 13 e 14). Mas ainda não era uma garantia constitucional e sua regulamentação no Código de Processo Penal só viria a ocorrer em 1968.

E mais: a preservação dos direitos individuais previstos na Constituição poderia ser suspensa, como aponta o Art. 23:

En caso de conmoción interior o de ataque exterior que pongan em peligro el ejercicio de esta Constitución y de las autoridades creadas por ella, se declarará en estado de sitio la provincia o território en donde exista La perturbación del orden, quedando suspensas allí lãs garantias constitucionales. Pero durante esta suspensión no pode el presidente de la República condenar por si ni aplicar penas. Su poder se limitará en tal caso respecto de las personas, a arrestarlas o trasladarlas de un punto a otro de la Nación, si ellas no prefiries em salir fuera del territorio argentino.

Em 1974, foi declarado estado de sítio pela então presidente Isabelita Perón, ou seja, quando do início da ditadura militar, em 1976, os direitos individuais já estavam suspensos, sendo reforçados em 1977 por nova declaração de estado de sítio - que só foi revogada em 28 de outubro de 1983. A seguir apresentamos a estrutura do Judiciário argentino que se encontrava em vigência durante o período da ditadura civil/militar.

Fluxograma 1. Estrutura do Sistema Judicial Federal da