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O ponto de venda visto como um sistema de comunicação

Quando nos deparamos com uma realidade sistêmica de um atendimento de vendas, pode-se observar que não existem sistemas totalmente “transparentes”. O cliente nunca sabe a totalidade de desconto que pode ser obtido, ou o melhor prazo de pagamento de fato. Ao mesmo tempo, são abertos em algum nível, pois interagem com o ambiente e absorvem informação. Isso significa que as lojas possuem normas, procedimentos, preços, prazos ou formas de pagamento que devem ter a atenção dos vendedores, não de uma forma rígida e inalterável, pois sempre é possível negociar, principalmente quando se leva em conta os benefícios que os concorrentes estejam oferecendo.

A história da evolução do varejo é formada pela sensibilidade à diferença e elaboração da informação. Isso significa estar sempre atento a mudanças que ocorrem motivadas por diversos fatores provocam alterações na relação sistema/ ambiente. Isso é percebido em períodos de aquecimento no comércio, como o das festas de final de ano. Se por um lado nesta época há um grande aumento de demanda, por outro, há uma redução no nível de atenção oferecido pelos vendedores aos clientes. Já em um período de baixa nas vendas ou mesmo recessivo, a situação se inverte. Procura-se dar o máximo de atenção ao cliente para que nenhuma venda seja perdida.

A relação deste sistema é identificada como externa entre os dois ou mais elementos, cliente e vendedor, pois estes entram e saem sem alterar suas histórias, sem que necessariamente aconteça a venda de algum produto, caso contrário, a relação será interna, pois o cliente saberá onde adquiriu o produto e terá uma opinião sobre o atendimento, a loja, o produto, etc. Isso constitui a memória do cliente. O prazer e a satisfação do cliente com a aquisição do bem, deve-se em parte do atendimento recebido no momento da compra. Há transformações internas no comércio varejista, sobretudo na forma de atendimento decorrente de toda uma história internalizada pelo sistema, isso significa admitir que, apesar de continuar importante, a relação entre cliente e vendedor ela se altera, se adapta às novas situações. É necessário observar também que as adaptações que transformaram estas relações, segundo a memória, surgem também por meio de interações entre sistema e ambiente, ou processos de transferência. O sistema devolve ao ambiente o sinal que o estimulou, devidamente codificado, elaborado, transformado ou mesmo deformado.

Assim a qualidade deste comunicador, aqui denominado como “vendedor”, tornou-se essencial para que este momento não seja o único, mas o primeiro de muitos, tendo em vista que o objetivo das empresas é sempre criar um vínculo, fidelizá-lo, e esta fidelização está ligada à conectividade de um sistema, está relacionada à capacidade de desenvolver relações ou conexões entre os elementos de sua composição: o espaço, o preço, a forma de pagamento, o atendimento, etc. Por fim conexões podem ser estabelecidas com “pesos” ou importâncias, priorizando os estímulos mais adequados a cada perfil de cliente, ou melhor, aqueles perfis que se pretende atrair ou mesmo fidelizar, podendo também criar hábitos que reforçarão ainda mais estas conexões, este vínculo heterogêneo e complexo.

Isso significa que uma rede varejista pode manter seus elementos, ou clientes conectos ou fiéis, garantindo sua permanência no tempo. Essa capacidade é o que se chama de coesão, pois cria conexões fortes e rígidas. Contudo manter-se coeso e rígido, também pode significar pouca capacidade de adaptação e flexibilidade ao longo do tempo, não desenvolvendo muitas alternativas evolutivas quanto ao crescimento em complexidade e não se tornando apto a superar crises. Por outro lado, sistemas de fraca coesão, redes que não possuem público fiel, têm conexões frágeis entre seus elementos, de modo que crises podem ocasionar rompimentos ou mesmo sua própria destruição. Para se obter a permanência no varejo, assim como

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em outros sistemas é necessário um compromisso entre rigidez, (fidelidade de parte de seus clientes), e a flexibilidade para se tornar atrativo a outros, para que se possa permanecer e suportar crises, evoluindo.

Com o passar dos anos, as grandes redes varejistas locais e também algumas redes multinacionais, que chegaram ao país, tornaram-se mais fortes e trabalham em larga escala a forma de atendimento, conhecido como autosserviço. Ele consiste em um sistema de compra e venda em que a participação do vendedor é dispensável. O consumidor localiza o produto na loja por meio da sinalização e também do merchandising, e procura informar-se dos benefícios do mesmo em sua própria embalagem ou mesmo em cartazes ou fichas técnicas desenvolvidas pelo varejista para este fim.

Além disso, com o desenvolvimento tecnológico, inclusive com a implantação também em larga escala de vendas virtuais ou eletrônicas, muitas empresas descuidaram-se da qualidade de seu atendimento pessoal. Aqui é possível fazer um paralelo entre o surgimento de TV e as previsões pessimistas que se faziam para o rádio na época, imaginando que a TV viria em pouco tempo extinguir o rádio, ou mesmo, mais recentemente, que a internet e seus grandes portais de notícias, viessem acabar com os jornais ou revistas impressas.

Entretanto, estas previsões nunca foram confirmadas, já que o autosserviço ou mesmo as compras virtuais não se tornaram os únicos sistemas de vendas, sobretudo no setor de eletrodomésticos. Mesmo nas lojas onde o autosserviço é implantado em toda loja, é mantida a figura do atendente, que apesar de não ter metas de vendas para realizar, pode esclarecer dúvidas aos clientes que precisarem.

Nesse contexto, a figura do vendedor ficou bastante enfraquecida, já que nem mesmo vendedores assim são denominados, tendo seus cargos definidos apenas como atendentes. Vender é bem mais do que atender, é entusiasmar e criar vínculos com seus clientes, de forma que estes retornem, pois a linguagem natural é um processo estocástico50 pelo qual informações são armazenadas na memória ao longo do tempo e podem oferecer ao vendedor, de acordo com a situação vivenciada no momento, uma gama de possibilidades argumentativas a serem

utilizadas em suas abordagens de vendas ou mesmo como contra-argumentos a objeções impostas por clientes.

Com o amadurecimento do setor, que começa a compreender melhor a importância e o papel de cada uma destas formas de vender, ou de atender os clientes, o varejo se volta novamente para a importante figura do “vendedor”, que é, para grande parte dos consumidores brasileiros “indispensável”, ao menos do setor em questão. Seja pela sua cultura latina, miscigenada, cordial e amistosa, onde uma conversa rende sempre mais frutos do que uma fria tela de computador, seja também por outro aspecto cultural do brasileiro, sua necessidade de manusear os produtos, no momento da compra, prova disso, é a baixa representatividade do comércio brasileiro por meio de catálogos. Isso pode ser comprovado também pelo sucesso em vendas e o crescimento vertiginoso do número de filiais (pontos de venda) de grandes redes varejistas deste setor, que possuem apelo focado às classes sociais mais populares, tais como Casas Bahia, Ponto Frio e Magazine Luiza, onde a figura do vendedor ainda é fundamental, apesar de possuírem também websites que permitem as compras em lojas virtuais.

Por isso o ponto de venda é cenário de grande importância para expressão das inúmeras conexões organizadas, entre os diversos aspectos que compõem a complexidade do objeto de estudo. A necessidade de saber trabalhar com estas percepções, para viabilidade de uma negociação, proporciona ao vendedor o prazer de enfrentar sempre um novo desafio ao atender um novo cliente, pois este trabalho representa uma atuação dinâmica, repleta de possibilidades e inovações que permitem ao profissional de vendas crescer em complexidade e naturalidade, pela experiência adquirida ao longo do tempo, para que seja possível tanto uma permanência, quanto ascensão profissional ou pessoal em sua história de vida, como também para a empresa que atua ou para o mundo onde vive e é essa intersecção entre o sujeito e a realidade que possibilita um processo evolutivo a partir da noção do universo em questão (Umwelt)51.

Não é recente a profissão de vendedor, ao contrário, talvez seja esta uma das profissões mais antigas da humanidade. No Brasil, teve início a partir do controle e povoamento deste novo território pela coroa portuguesa, quando mascates

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Umwelt: Palavra de origem alemã, significa “ambiente” ou mundo circundante. É a base biológica que se encontra no epicentro do estudo tanto da comunicação e significação no ser humano (e não humano). Traduzido do inglês e disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/umwelt

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comercializavam em praças públicas todos os tipos de mercadorias, desde produtos alimentícios, ouro e até mesmo escravos. Entretanto, o passar dos tempos e a evolução da sociedade, não foram suficientes para que esta profissão perdesse sua importância no cenário econômico e comunicacional.

No início do século XX, os mascates52 ainda eram os responsáveis por boa parte do comércio no paíse ainda hoje alguns deles se adaptaram aos avanços da sociedade e comandam ou são proprietários de grandes redes varejistas que possuem clientes seguidores há mais de 50 anos. Porém estes sistemas, ou redes varejistas podem sofrer diferentes histórias ou trajetórias no “espaço de estado”53, apesar de terem os mesmos pontos iniciais e finais. Ou seja, comercializem os mesmos produtos, até para um mesmo tipo de público. Porém isso não impede que tenham mudanças ao longo de sua trajetória originada por rotas diferentes. Portanto, vender é estabelecer um sistema de comunicação que efetue o transporte de autonomia de uma relação de consumo em um sistema psicossocial, já que sempre foi um problema humano lidar com a realidade, tendo em vista que o que é considerado real e factível por uma pessoa, pode ser considerado inverídico e utópico por outra, dependendo de seus referenciais, culturais, sociais, econômicos, etc. Assim, criar um modelo eficiente para lidar com este sistema de comunicação é sempre interessante, assim como buscar ferramentas para capturar e interpretar complexidade e seus significados, nos sinais que permitam a construção de modelos mais eficazes para um melhor conhecimento dos processos de compra e venda.

Ainda que seja possível obter resultados bastante distintos tanto na atuação como na obtenção de resultados no varejo, isso pode ser atribuído a fatores diversos, em especial aos relacionados à figura do vendedor, pois por um lado há falta de interesse em continuar na profissão, seja por falta de visão da importância de seu trabalho ou mesmo por encararem-na como uma profissão transitória, por outro lado há aqueles que a identificam como uma grande oportunidade de ascensão profissional e pessoal. Inevitavelmente é neste último grupo que identificamos profissionais altamente engajados, atuantes e motivados a fechar um

52 Um exemplo é o Sr. Samuel Klein, imigrante de origem judaica e que tornou sua rede de lojas “Casas Bahia”, uma das maiores do setor (incorporada pelo Grupo Pão de Açúcar em 2010).

53 Trata-se de um modelo matemático de um sistema físico composto de um conjunto de variáveis de entrada, de saída e de estado relacionadas entre si por meio de equações diferenciais de primeira ordem.

bom negócio, para a empresa, para o cliente e porque não dizer para si mesmo, já que este normalmente é comissionado e premiado por este trabalho.