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O ponto de vista dinâmico e concepções de racionalidade

3. A TEORIA FUNCIONAL DO A PRIORI

3.1 A perspectiva contextual ou dinâmica acerca dos princípios basilares da ciência

3.1.3 O ponto de vista dinâmico e concepções de racionalidade

Retornando ao “Foreword”, pode-se qualificar a crítica ao pragmatismo conceitual. A

32 Ver PAP, A. The A Priori in Physical Theory. Reimpressão 1. ed. Nova York: Russell & Russell, 1968, p. (9). 33Tratada em maiores detalhes na próxima seção.

crítica principal de Pap às concepções de Dewey e Lewis é a negligência de ambos os autores com relação ao carácter dinâmico do empreendimento científico:

If, as methodologists, we adopt a static point of view, and examine the body of scientific propositions as it may be found systematized at a definite stage of inquiry, we will, indeed, successfully divide it into analytic and synthetic propositions, as forming mutually exclusive classes. If, however, our point of view is dynamic or

developmental, we shall find that what were experimental laws at one stage come to

function, in virtue of extensive confirmation by experience, as analytical rules or “conventions,” in Poincaré’s language, at a later stage (PAP, [1946] 1968, p.vii, itálico adicionado).

Aplicando a crítica aos metodologistas – expressão se referindo a todo o teórico interessado na prática científica – aos autores discutidos, o que Pap contesta é que se possa determinar quais sentenças são testes categóricos, critérios de realidade (Lewis) ou proposições universais (Dewey) na ciência independentemente do contexto de investigação. Em certos contextos aquilo que era originalmente uma generalização indutiva pode funcionar como critérios que determinam o uso dos conceitos mais centrais para uma investigação empírica:

What renders both Dewey’s doctrine of ‘universal’ propositions and Lewis doctrine of “categorical principles” ambiguous or misleading, is just that sometimes these ‘a priori’ propositions are characterized as being analytically necessary, and sometimes marked of from inductive generalizations in terms of a way of functioning of which, as will be shown, inductive generalizations themselves are capable. (PAP, 1968, p. 28).

Dado o contexto pré-kuhniano34 de desenvolvimento da filosofia da ciência de Arthur Pap verifica-se uma antecipação da ênfase no processo de elaboração do conhecimento científico na explicação do estatuto diferenciado de certas partes desse conhecimento e na própria caracterização de racionalidade científica. A teoria funcional do a priori é uma teoria na qual se considera o desenvolvimento de uma ciência para determinar o estatuto de suas alegações de conhecimento. A proposta conceitual que distingue a concepção funcional do a priori de propostas alternativas consiste em explicar o estatuto do conhecimento que forma a base ou núcleo duro de uma disciplina de maneira dinâmica e processual. Em termos de gênese, em princípio, pode ser o caso que todo o conhecimento de um determinado percurso investigativo seja empírico, o que é algo próximo ao holismo quineano35. Contudo, é possível, explanatório e legítimo atribuir uma categoria distinta aos princípios basilares da investigação, de tal modo a distinguir um aspecto ou uso empírico de um aspecto ou uso convencional. Para explicar o processo em que sentenças se tornam critérios para investigação (ou convenções),

34Anterior a primeira publicação da Estrutura das Revoluções Científicas e de toda nova filosofia da ciência escrita

subsequentemente.

Pap afirma que elas mudam de significado:

Our contention that scientific truths undergo a development from contingency to analytic necessity (in Poincaré’s language, experimental laws are “erected” into “conventions”) might then be reformulated as follows: one and the same sentence which is in one context of inquiry synthetic may, in a different context of inquiry, be analytic, in virtue of a shift of meaning undergone by some of its terms. (PAP, [1946] 1968, p.24, itálico no original).

Um modo de interpretar tal tese é como afirmando que os princípios têm a forma gramatical ou forma lógica de superfície de sentenças declarativas/informativas, proposições em sentido estrito, mas são na verdade sentenças prescritivas de procedimentos – tais quais procedimentos de medição e experimentação – ou seja, regras para investigação futura. Nas próximas seções mostra-se em que sentido esse é um componente da resposta. O aspecto descritivo dos princípios, contudo, é explicado quando os princípios da Física são considerados em conjunto, ao formarem uma rede conceitual em que possibilita a confirmação de uns em função de outros: “Physical laws form, as it were, a network, in such a way that are always alternatives laws available for the measurement of physical properties” (PAP, [1946] 1968, p.35). Outras noções empregadas por Pap são as de “critério definicional”36 e “condição constitutiva”37 para elucidar o carácter funcionalmente a priori dos princípios, que indicaria que tais princípios seriam em algum sentido constitutivos dos fenômenos. Ao tratar do contexto da mecânica newtoniana esse aspecto da teoria será enfatizado. Tendo clara a perspectiva contextual adotada por Arthur Pap, seu ponto de vista dinâmico, aclarada por meio de passagens do Foreword e do contraste com o pragmatismo conceitual, examina-se o processo descrito por Pap de transformação de enunciados empíricos em definições (implícitas) de conceitos mais centrais de uma linha de investigação empírica.

Contudo, antes de explorar esse aspecto da teoria funcional do a priori faz-se necessário uma crítica ao ponto de vista dinâmico recém apresentado. A proposta apresentada na tese de 1946 ainda se encontra comprometida com um esquema hipotético-dedutivo de explicação do conhecimento científico. O que diferencia a concepção funcional do conhecimento a priori da concepção pragmática não é a rejeição desse esquema:

Our approach to a priori knowledge in science differs from Lewis “conceptual pragmatism” in so far as more emphasis is laid upon the actual making and functioning of the a priori – a posteriori distinction in scientific inquiry than upon the final formalization of this distinction in a well-defined and fixed language system. If the a priori is characterized in functional terms, it may well be viewed as susceptible of

degrees. (PAP, [1946] 1968, p.4, itálico no original)

36Ver PAP, A. The A Priori in Physical Theory. Reimpressão 1. ed. Nova York: Russell & Russell, 1968, p. (30). 37Ver PAP, A. The A Priori in Physical Theory. Reimpressão 1. ed. Nova York: Russell & Russell, 1968, p. (43).

O que Pap parece julgar ausente em seus interlocutores é a atenção devida ao fato de que da perspectiva do desenvolvimento de uma prática investigativa, o que é hipótese que serve de premissa maior ou axioma numa dedução, não é estabelecido de antemão, mas descoberto ao longo do processo. É numa sistematização do conhecimento científico, retrospectivamente, que organiza os pontos de partida e os pontos de chegada de uma investigação empírica na forma de uma dedução. A própria concepção de racionalidade subjacente à argumentação de Pap é uma que associa fortemente “ser racional” com a possibilidade de reestruturação na forma de uma cadeia de inferências válidas. Tal caracterização do conhecimento científico como uma estrutura hipotético-dedutiva é razoável dado o período38 em que foi desenvolvida a teoria funcional do a priori. Mais do que qualquer tese, essa caracterização era hegemônica entre todos os “metodologistas”.

É interessante notar como a teoria funcional do a priori de modo algum depende dessa caracterização. A defesa de que certo arcabouço teórico determina, ao menos parcial e contextualmente, os fenômenos estudados pelas ciências naturais não depende da forma canônica de deduções a partir de hipóteses. Além disso, como será mostrado, a explicação de como os princípios basilares da ciência constituem os fenômenos não depende do modelo hipotético-dedutivo. Desse modo, a reconstrução do argumento apresentada intencionalmente ignora a imagem hipotético-dedutiva. Entendendo-se como interpretação crítica, esse é um dos aperfeiçoamentos propostos com o intuito de atualizar a teoria funcional do a priori e aproximá- la de concepções contemporâneas.

3.2 De generalizações indutivas ou invariantes empíricos às convenções ou