• Nenhum resultado encontrado

SEÇÃO 2 CAMINHOS INVESTIGATIVOS

2.3 O primeiro contato com o lócus da pesquisa: a escola

Estar inserido em um contexto que se propõe a pesquisa, requer em primeiro instância ter um entendimento de que os autores sociais da comunidade estejam também cientes de sua presença ali, naquele contexto, sendo estes fontes reais de informação, de esclarecimentos sobre a história que ainda não se fazem presentes em textos escritos, deixando transparecer que eles são parte importante do processo da pesquisa.

Como afirmo e sinalizo anteriormente sou neta de agricultores, meus avós são moradores da comunidade a qual lanço-me a pesquisa, meu contato com a

comunidade é desde a infância, mas esse contato dava-se apenas a partir de parâmetros da vivência, e com as experiências da academia passaram a transitar no plano das ideias pois é compreendido que

O homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo em todas as sociedades existiram homens que observavam homens [...]. A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, a elaboração de um saber são, portanto tão antigos quanto a humanidade. (LAPLANTINE, 1993, p. 01)

E foi justamente por intermeio desse entendimento que entramos em contato com o campo da pesquisa de observar ações no cotidiano da escola, fazer um diário de bordo, para os registros se tem como pertinentes e talvez conduzam a uma interpretação daquela realidade, a partir da reflexão. Os momentos que antecedem a ida ao campo é permeada de pesquisas, para embasar a trama que se pretende, entrar no território do outro, estar ali é preciso ter um entendimento do quanto você precisa se distanciar e do quanto de aproximar. Latour (1997) traz definições do papel do pesquisador em seu ambiente de pesquisa o qual define como “laboratório”, das possibilidades e limites, das observações necessárias de estar atento ao movimento de esse movimento do ato da pesquisa ser tão constantes, mas que acabam por afastar o pesquisador de seu foco Latour faz uma persuasão de sedução com as palavras para afastar o pesquisador das modalidades e seguir, nos conduz a um caminho que fazer grandes descobertas requer adentrar no laboratório do seu campo de pesquisa por um tempo para chegar as reflexões finais.

O meu caminhar nesse laboratório que foi a vila do Patauá começou logo após o ingresso no mestrado, em agosto de 2014, sendo o primeiro contato com a escola e seus atores sociais no âmbito do diálogo com as gestoras e coordenadoras da escola, sinalizando minha intenção, sendo desde esse momento recebida com reciprocidade naquele espaço e fornecendo informações importantes. Neste primeiro momento foi-nos fornecido informações históricas sobre a escola, este contato ocorreu no período de 1 dia.

A escola não possui um arquivo, que contenha informações mais precisas sobre os primeiros professores, estes estão nos arquivos do Município de Primavera, a quem territorialmente pertencia a vila. Os dados a fundação da escola data de 31 de dezembro de 1965, tendo hoje 51 anos, no mandato do então governador Alacid Nunes, e quem presidia o Brasil era Humberto Alencar Castelo

Branco. A escola data do período ainda da ditadura militar (1964-1985) que durante 21 anos assumiu e implantou o regime ditatorial, negando o direito do povo, sua participação e reprimia com violência de todo tipo os movimentos que se opunham a essa forma de governo.

A escola tinha apenas duas salas de aula, que atendiam crianças de diversas idades, multisseries, 1 banheiro externo, 1 copa. No decorrer da história veio passando por reformas e a última ampliou suas dependências. Atualmente possui 7 salas de aula, 1 sala de informática, 1 sala de vídeo, 1 sala de leitura, 1 secretaria que agrega também a coordenação e gestores ,1 cozinha, 1 depósito de merenda, banheiros masculino e feminino, é murada, tem uma quadra em anexo fica no coração da comunidade, no entorno fica um campo de futebol e casas de moradores. A estrutura da escola é bem definida e organizada, articulada com corredores, tem um espaço amplo de encontro para os alunos, professores e visitantes.

Figura 11_ Sala de leitura Figura 12_ Entrada e saída da escola.

A escola é considerada de porte médio, é uma escola poló, atende crianças de outras vilas como Murumuru, Bom Jardim, Santo Antônio, Anta e Laranjal. Neste período a escola contava com a demanda de 264 alunos matriculados na educação infantil e ensino fundamental. No início desse ano letivo conta com 210 alunos. A escola naquele período contava com 26 funcionários sendo 02 professores da educação infantil, 5 do 1ª ao 5ª ano, 9 de horas aulas (que atendem do 6ª ao 9ª ano), 4 funcionários de apoio, 2 vigias, 1 secretario escolar, 1 coordenador pedagógico, 1 diretora e 1 vice.

O contato nesse primeiro momento com os professores foi bom, estabelecemos diálogos, mas não lhes revelei logo a intenção de estar no espaço deles, foram me cercando com perguntas a fim de saber o porquê da minha presença ali, quando lhes sinalizei ouvi muitas frases e afirmações uma delas é a presente do título do trabalho “ pelo que vejo, aqui na escola não mudou em nada

nosso cotidiano, tudo é como antes” e segui dizendo “de que adianta eles não vão

mudar o comportamento deles né?” como ouvinte não respondi nada, agradeci pela

recepção e me despedi até a próxima visita. Aquela frase, afirmativa ficou na minha cabeça, e ideias reflexivas sobre a mesma começaram a aparecer em formas de perguntas investigativas sobre o papel que a sociedade, vem exercendo através de suas lutas, de como os programas atingem a escola, de como os textos políticos chegam até os principais sujeitos responsáveis por desmitifica-los no chão da escola, como eles, os professores se constituem e como ajudam a afirmar identidades em um campo paradoxal, a fala ficou em mim, me impregnou e a registrei como forma de traçar reflexões sobre a mesma posteriormente.

A segunda visita ao lócus da pesquisa ocorreu em três dias 13, 14 e 16 de outubro de 2015, esses dias foram mais intensos os contatos com os sujeitos, pais, alunos, professores, demais funcionários, minha presença ali proporcionou uma percepção do cotidiano dos sujeitos, da entrada e saída das salas, a cada sinal que sinalizava a troca de professores, das crianças da educação infantil no brincar, do olhar dos professores pra mim. Foi perceptível nesse momento a audição de palavras discriminatórias, preconceituosas de colegas para com colegas, professores para com alunos, funcionários chamando os alunos por apelidos e

jargões tais como “negrinho”, “pretinho” “filho da noite” dentre outros. Algumas das crianças que foram tratadas desse modo saiam a correr, outras respondiam e umas tantas olhavam com um tristeza sem nada a falar, apenas a guardar para si aquelas palavras, percebi que os modos de tratamento se faziam presentes cotidianamente, pois nos dias de minha presença ouvi com frequência. No meu entendimento naquele momento as palavras haviam se naturalizado ao cotidiano da escola e se passava despercebida na condução de seus atores responsáveis pela formação.

Os professores não são da comunidade, são de municípios vizinhos, sendo da comunidade apenas 3 funcionários de apoio. Nesse período junto a secretaria da escola busquei dados sobre a escola, seus funcionários e alunos, os quais se representam no gráfico abaixo.

Gráfico 2_

Fonte: Secretaria da escola Municipal da Agrovila do Patauá.

A escola no início do ano letivo de 2016 tem um total de 210 alunos, distribuídos nas séries acima. Segundo dados e informações da secretaria da escola, a escola tem um fluxo de alunos bom, alguns desistem “especialmente do fundamental maior” (secretario escolar), essas escola ainda lida com questões de gravidez na adolescência, busca de trabalhos na cidades, ausência no período da colheita, mas com retorno, ônibus escolar. Na percepção do secretário escolar.

Aqui nós temos várias situações de desistência é porque os alunos, especialmente os homens vão para a cidade procurar trabalho, já são rapazes né? Alguns voltam e vem atrás da vaga na escola, outros não voltam e tem os que voltam pra vila e não voltam mais para a escola, só ficam trabalhando na roça mesmo na propriedade das famílias. Algumas meninas vão trabalhar ainda em casas de família, em troca de moradias, alimento, roupas, acolhida e uma esperança de mudança. Isso acontece aqui, algumas crianças da Anta desistem porque não tem ônibus e é muito longe. Quando chove muito nossa escola fica vazia.

No diálogo com a coordenadora sobre a vivência e frequência dos alunos na escola ela nos relata

Aqui é muito bom de trabalhar, nós temos poucos alunos, sou só eu de coordenadora, mas é tranquilo o trabalho com os professores, os alunos são parceiros, e alguns pais são bem participativos aqui na nossa escola, eles vem mesmo saber sobre os filhos deles. Nossas turmas são de poucos alunos. Quanto a desistência nós também temos aqui algumas jovens adolescentes que engravida, esse ano mesmo temos duas jovens uma desistiu infelizmente, fui na casa, conversei com a família, mas não adiantou ela ficou com vergonha, a outra está vindo ainda, são dos alunos já adolescentes que vão para a cidade, sempre os meninos, atrás de trabalho, já algumas meninas vão para trabalhar na casa de famílias de conhecidos da família delas, algumas vezes elas volta, porque não se acostuma e vem aqui pra nossa escola, outras não voltam mais. Aqui a nossa escola trabalha com calendário, pois alguns períodos do ano, dois, a maioria dos alunos vão ajudar seus pais, primeiro a plantar a maniva, o milho, arroz, feijão e depois eles voltam pra roça pra ajudar a tirar esse produto. Eles só não vão vender. No dia de fazer farinha eles não vem, mas alguns avisam, a feitura da farinha é mais constante, também tem o carvão, que eles ajudam a tirar do forno e ensacar. Tenho conversão com os professor pra justificar a ausência desses alunos, e já esse ano estamos tentando montar o calendário adequado a esses períodos ai das famílias.

Percebemos que pelas falas acima, entendemos que a escola lida com as questões do campo mesmo, ainda estão tentando organizar o calendário, para se adequar ao período da colheita, mas os mesmos tem tido em entendimento da ausência em alguns períodos do ano, respeitado e justificando a ausência dos alunos. Algumas questões outras ainda são muito fortes como a saída do campo para a cidade em busca de melhores condições de vida, de um trabalho que não seja na roça, as meninas que vislumbram a cidade grande saem, deixam o aconchego de seus lares para irem trabalhar na casa de outros, temos ai um campo de lutas e forças que merecem um outro estudo, um outro olhar, pois este é outro movimento.

Documentos relacionados