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A primeira técnica de conversão mono-trifásica de que se tem notícia, provém da Itália, ainda no século XIX, e denomina-se “Sistema Ferraris-Arno”, em homenagem a seus projetistas, professor Ferraris e professor Arno [33].

O matemático, físico, inventor, professor e engenheiro italiano Galileo Ferraris (1847-1897) desenvolveu centenas de pesquisas nas mais diversas áreas científicas, como telefonia, geometria, análise vetorial, calor, trabalho, ótica e acústica. Entretanto, suas principais e mais notáveis contribuições foram na área da eletrotécnica, a qual pode ser definida como o conjunto das técnicas de aplicações da eletricidade para o bem comum da humanidade [34].

Prof. Ferraris publicou estudos decisivos à evolução da eletricidade, englobando, entre outros, lâmpadas, baterias, corrente alternada, campos magnéticos, motores, geradores, transformadores, métodos de medição de energia elétrica, transmissão e distribuição de energia elétrica.

Em 1885 realizou experiências que permitiram o desenvolvimento da teoria do campo magnético girante, encontrando uma forma de combinar dois campos magnéticos alternados, criados por duas bobinas fixas colocadas em quadratura no espaço, sendo percorridas por duas correntes elétricas senoidais, com defasamento de ângulo de fase, como indica a figura 3.2.

73 Ferraris observou que, se tal defasamento entre os ângulos de fase das correntes fosse de exatamente ¼ do período das mesmas (90º elétricos), ou seja, se os dois campos magnéticos criados estivessem em quadratura de fase, o campo magnético resultante seria um campo girante, com amplitude constante e velocidade angular proporcional à das correntes. Isso determinava a rotação de um cilindro em torno de um eixo.

Como rotor, Ferraris usou um cilindro de cobre oco, depois um cilindro de cobre maciço e, posteriormente, um cilindro de cobre folheado a ouro. O campo magnético girante provoca a rotação do rotor, alimentado apenas por indução magnética, sem qualquer outra fonte auxiliar, consistindo em uma unidade autossuficiente e dispensando conexões externas. Entretanto, os aparelhos eletromecânicos criados por Ferraris, apesar de girarem, apresentavam baixos rendimentos, de modo que ele próprio duvidou de sua aplicação em motores industriais. Mesmo assim, trabalhou nisso por três anos, desenvolvendo um motor CA de dois enrolamentos que operava submetido a um sistema bifásico de correntes alternadas com defasamento de fase. O sentido de rotação do rotor, alimentado apenas por indução magnética, em um motor bifásico no modelo de Galileo Ferraris, é indicado na figura 3.3.

Figura 3.3 – Sentido de rotação do rotor no motor bifásico de Galileo Ferraris [33].

O funcionamento do motor de indução bifásico depende de dois campos magnéticos em quadratura. O estator tem dois enrolamentos equilibrados espacialmente deslocados 90° um do outro, sendo uma bobina “d” alinhada ao eixo de referência, alimentada por uma fase

74 do sistema monofásico, enquanto outra bobina “q”, em quadratura com a primeira, é alimentada pela outra fase fornecida pela rede. Se estas bobinas “d” e “q” forem conectadas à fonte de alimentação monofásica, sendo submetidas a duas correntes elétricas defasadas 90° elétricos entre si, surge um sentido de rotação conforme indica a figura 3.3.

Ao invés de patentear suas descobertas, Ferraris apenas publicou-as na Academia Real de Ciências de Turim, enquanto nos Estados Unidos, Nikolas Tesla patenteava um trabalho similar. Após alguns anos, a tecnologia dos motores assíncronos bifásicos foi abandonada devido à baixa eficiência, que impediu sua produção em série [35].

Na Europa, Galileo Ferraris é considerado o precursor da corrente alternada, do motor de indução e do sistema de transmissão de energia elétrica. Ele introduziu os sistemas polifásicos de corrente alternada, com capacidade de transmitir energia elétrica a consideráveis distâncias e com economia, tornando possível a distribuição de energia em grandes áreas.

Em 1889, o engenheiro eletricista russo Michael Von Dolivo-Dobrovolski desenvolveu e patenteou o motor CA trifásico com rotor em gaiola, com eficiência muito superior à do motor de indução bifásico de Ferraris e Tesla [35]. Deste modo, em 1891 teve início a primeira fabricação em série de motores assíncronos.

No estator do motor de indução trifásico, os três enrolamentos são alojados nas ranhuras do estator, de forma a apresentarem o deslocamento espacial de 120° um do outro. Tais enrolamentos, conectados em delta ou em estrela, são ligados a uma fonte de alimentação trifásica externa. Se as três tensões aplicadas estiverem defasadas de 120° elétricos, em cada uma das três fases irão circular correntes de mesmo módulo, defasadas 120° elétricos uma da outra. Tais correntes geram campos magnéticos pulsantes que se combinam resultando em um campo resultante de valor constante. Este campo gira com uma velocidade constante que depende da frequência da fonte e do número de pólos determinados.

A teoria do campo magnético girante desempenha papel primordial no funcionamento das máquinas elétricas CA polifásicas que surgiram desde o projeto do motor a duas fases e sua evolução até a data atual. Entre os motores CA, o de indução é o mais utilizado pela simplicidade, robustez, baixo custo de fabricação e baixa manutenção. Seu nome deve-se ao fato de que o campo magnético girante, produzido nas bobinas do estator, induz correntes alternadas no circuito do rotor.

75 No ano de 1896, em parceria com o também italiano, engenheiro e professor de engenharia elétrica na Escola Politécnica de Milão, Riccardo Arno (1866-1928), Galileo Ferraris publicou o trabalho “Um novo sistema de distribuição elétrica de energia mediante correntes alternadas” que revela o primeiro conversor de número de fases documentado.

O chamado sistema Ferraris-Arno consiste em um motor de indução que parte com suprimento de uma rede monofásica e auxílio de um defasador de fase formado por uma bobina, que fornece resistência e indutância ao ramo, fabricando uma terceira fase, também chamada de “falsa-fase” ou “fase fabricada” [33].

Por comandar o sistema, convertendo o número de fases, este motor trifásico com alimentação monofásica é referenciado por “motor piloto”, “motor conversor” ou, ainda, “transformador rotativo”, já que ele é o responsável pela alimentação trifásica às cargas do consumidor.

Se um motor de indução com enrolamentos do estator equilibrados fosse empregado como conversor de Ferraris-Arno, a tensão da fase fabricada seria menor que das outras fases, sob qualquer condição de carga, implicando no não funcionamento do sistema.

Deste modo, é usual que o motor trifásico usado como motor piloto tenha de 15% a 20% mais espiras no enrolamento do estator usado para fabricar a terceira fase que nos outros enrolamentos, conectados às fases existentes na rede monofásica. Isso determina uma máquina rotativa CA assimétrica, com seus enrolamentos conectados em estrela desequilibrada. Após partir, este motor se torna um conversor, fornecendo alimentação trifásica para que outros motores trifásicos partam.

A aplicação mais usual do sistema Ferraris-Arno é no acionamento de cargas motrizes trifásicas. Muitas vezes, o próprio motor piloto aciona a carga trifásica, conectada diretamente aos seus terminais. Em outros casos, como indica a figura 3.4, o motor assimétrico funciona a vazio, tendo seus terminais conectados a uma rede trifilar. Essa configuração permite que, eventualmente, o motor piloto seja desligado após a partida das cargas trifásicas [33].

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Figura 3.4 – Sistema Ferraris-Arno [33].

Ao longo dos anos surgiram diversas propostas para aprimorar o método Ferraris- Arno, como a inclusão de um ou de múltiplos capacitores entre uma das fases e a fase fabricada, de modo a provocar o defasamento desejado. Além disso, a inserção de um capacitor em série com a terceira fase do motor piloto pode neutralizar a reatância, melhorando a regulação de tensão. Deste modo, ao longo dos anos, diversas variações do sistema Ferraris-Arno foram empregadas em processos de conversão mono-trifásica, oferecendo maior eficiência na conversão a um custo acessível [33].

Uma versão do sistema Ferraris-Arno com desempenho consideravelmente aprimorado em relação à versão original é apresentada na figura 3.5. O arranjo inclui a conexão de um capacitor entre um dos terminais de linha monofásica existente e o terceiro terminal de linha trifásica (fase fabricada).

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Figura 3.5 – Sistema Ferraris-Arno capacitivo [33].

Dispondo apenas do fornecimento monofásico de energia elétrica, o motor piloto da figura 3.5 tem dois de seus enrolamentos conectados às duas fases provenientes da rede monofásica. O terceiro enrolamento assimétrico do estator, sem suprimento elétrico da rede, é conectado a uma das fases existentes através de um capacitor. Deste modo, o capacitor defasa a terceira fase de uma das tensões fornecidas pela rede [33]. Este constitui o sistema Ferraris-Arno capacitivo.

Além da vantagem relacionada à defasagem angular obtida no ramo do capacitor, o aumento do fator de potência do sistema global melhora a eficiência do sistema por reduzir a corrente de linha na entrada monofásica.

Após a partida do motor piloto, o capacitor transmite, para a terceira linha (fase 3 ou fase fabricada) uma corrente constante com duas componentes: uma de magnetização e outra de alimentação, que depende da carga conectada à rede trifásica. O efeito destes dois componentes é aumentar a tensão de saída do motor piloto na fase 3.

É possível tirar vantagem deste aumento de tensão na fase fabricada pelo efeito do capacitor através da redução do número de espiras adicionais no enrolamento da terceira fase do estator do motor piloto, reduzindo assim a impedância e aumentando a capacidade de carga do motor piloto.

78 Outro trabalho, desenvolvido há quase 70 anos, analisa um sistema polifásico de corrente alternada, obtido de um sistema monofásico [33]. O estudo apresenta uma evolução da técnica Ferraris-Arno, efetuando a conversão mono-trifásica através de duas máquinas rotativas (motores piloto), com enrolamentos assimétricos, conectados em estrela e girando a vazio. Capacitores provocam a defasagem desejada à fase fabricada. Esta topologia é apresentada na figura 3.6.

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