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O primeiro passo para a resolução do problema em Hunter (2010)

Capítulo 2 – Teorias sobre indexicais descritivos

2.3. Hunter (2010)

2.3.10. O primeiro passo para a resolução do problema em Hunter (2010)

Ao ouvir um enunciado como, por exemplo (98), dois dias antes do Natal, um ouvinte pode usar seu conhecimento de mundo e interpretar que o dia após o dia do proferimento também é o dia antes do Dia do Natal e assim construir um conceito do dia anterior ao Natal. O ouvinte perceberá que o falante não pretende atribuir a propriedade de “sempre” ser o dia mais movimentado para viajar para um único dia, então ele vai deixar de pensar em apenas um único dia (dado pela semântica do ‘amanhã’) para pensar sobre uma propriedade contextualmente saliente desse dia. Se isso estiver correto, então não é estritamente necessária uma revisão geral de uma teoria como a kaplaniana; apenas precisamos que essa teoria seja complementada com mecanismos pragmáticos.

Porém, como podemos lembrar na seção 2.2.1, Elbourne (2008) tem argumentos razoáveis contra uma implementação pragmática. O argumento (levando em conta os exemplos discutidos), como vimos, é vagamente o que se segue: se (98a) fosse a forma lógica de (98) e o mesmo de (108a) em relação a (108), e que os mecanismos pragmáticos eram responsáveis por fornecer formas lógicas adequadamente suplementadas, então esperávamos ver reconstruções intencionais e coerções quantificacionais em exemplos envolvendo nomes próprios. Tanto em LD quanto em PI, nomes e indexicais fazem a mesma contribuição ao conteúdo veri-condicional (LD) ou assertado (PI). Em LD, ambos contribuem com um indivíduo (ou talvez uma constante que denote o indivíduo relevante), e na PI ambos contribuem com um referente do discurso. Se os mecanismos pragmáticos funcionam nas formas lógicas nos exemplos com indexicais, por que então eles não funcionariam nas formas lógicas envolvendo os exemplos com nomes próprios?

A proposta desses autores é que os mecanismos em questão não são pragmáticos, mas surgem através da semântica (exclusiva) dos indexicais e demonstrativos. Na verdade, o que eles propõem é que mecanismos pragmáticos como os propostos, por exemplo por Hunter (2010), devem ser incorporados à semântica dos indexicais. Contudo, vale notar que isso criaria uma assimetria entre indexicais e outros termos definidos (como os nomes): apenas os indexicais teriam mecanismos pragmáticos incorporados em sua semântica.

Em defesa de sua teoria, Hunter (2010) afirma que, de fato, existe uma diferença entre nomes e indexicais quando envolvemos coerções quantificacionais ou reconstruções intensionais. No entanto, não é possível tirarmos conclusões muito precisas sobre isso. Mesmo que as coerções e reconstruções sejam mais difíceis com nomes e descrições definidas, isso não implica, necessariamente, que elas surjam de mecanismos especiais na semântica dos indexicais. Em PI, não é apenas o conteúdo

assertado de um item definido que importa; o conteúdo pressuposto é tão importante quanto, e pode fazer toda diferença em como esse item será interpretado no discurso (i.e., numa sequência de DRSs). Além disso, a autora considera que sejam possíveis leituras envolvendo reconstruções intensionais seja com nomes, seja com descrições definidas. Veja:

(109) Ele poderia ser republicano. (110) Obama poderia ser republicano110.

Ou então:

(111) Você deveria ter verificado o olho-mágico. (...) a. Eu poderia ser um ladrão.

b. João poderia ser um ladrão. c. Seu pai poderia ser um ladrão111.

Ou seja: as leituras descritivas também parecem ser possíveis com descrições definidas (e nomes). Em exemplos como os acima, uma descrição definida é usada para escolher um determinado indivíduo a, para que possamos considerar outro indivíduo b, que possa ter uma propriedade P que a possua, contudo, essa propriedade não é determinada pela descrição definidas, como no exemplo, ‘seu pai’.

Contudo, nomes e descrições definidas parecem não ter a interpretação descritiva, quando tentamos forçá-los em exemplos envolvendo as coerções quantificacionais:

(112) (Apontando para Xuxa:) Ela geralmente é homem. (113) ?? Xuxa geralmente é homem.

(114) (Pointing to Oprah:) She’s usually male. (115) ?? Oprah is usually male.

110 Uma crítica menor de Hunter (2010) em relação a Elbourne (2008), é que o autor comumente utiliza uma lista de nomes

(quando apresenta exemplos envolvendo nomes) para apresentar a impossibilidade leituras descritivas, ao menos da mesma maneira como ocorre com os indexicais. Para a autora, isso apenas dificulta o processamento da sentença e tira a atenção do problema central.

111 Em inglês, segundo Hunter (2010), todos os exemplos passam gramaticalmente com o uso do artigo indefinido ‘a’ antes

É muito difícil ouvir ‘Oprah’ em (115) e não atribuirmos uma leitura que não seja a referencial. Para Hunter (2010), no entanto, se pluralizarmos ‘Oprah’, como ‘Oprahs’, é possível que a leitura descritiva seja razoável.112 Dessa forma, a autora considera que a pluralização permite uma mudança

na leitura do nome avaliado.

Perceba, contudo que no caso do PB, principalmente por conta do uso do artigo definido antes do nome, uma sentença como (113) não é necessariamente estranha. É possível, por exemplo, falarmos de ‘a Xuxa’ e ‘o Xuxa’ e estarmos nos referindo, respectivamente a ‘Maria da Graça Meneghel’ (a antiga apresentadora de programas infantis) e ‘Fernando de Queiroz Scherer’ (ao antigo nadador profissional), e sendo assim, discutível se ‘Xuxa’ geralmente é o homem ou não, e portanto, verificável e falseável – a sentença não seria, dessa forma (com a inclusão do artigo definido), estranha. Esse não é o caso em inglês, já que não é possível marcar o gênero com o uso do artigo.

Já em relação às descrições definidas, a autora simplesmente afirma que não existem exemplos de coerções quantificacionais que envolvam descrições definidas113:

(116) (Numa festa de aniversário envolvendo também um noivado:) O presente que eu lhe dei de

aniversário geralmente é feito de ouro.

(117) (Durante uma seção na Câmara dos Deputados:) Seu professor de música geralmente é homem.

(118) (Um empregado conversando com o seu chefe:) Seu aniversário é sempre o dia mais movimentado do ano para viajar.

Respectivamente, não é possível obter/capturar as seguintes leituras: (119) Os anéis de noivado geralmente são feitos de ouro.

(120) O Presidente da Câmara é geralmente homem.

(121) A véspera de Natal é sempre o dia mais movimentado do ano para viajar.

Mesmo que o presente de aniversário seja um anel de noivado, o professor de música seja o Presidente da Câmara, e o aniversário do ouvinte seja na véspera de Natal. Ao menos nesse tipo de contexto, não é possível partir de uma descrição definida e chegar em outra.

112 Se pluralizarmos o nome para ter essa leitura descritiva como em ‘Xuxas geralmente são homens’, então estaremos

falando de kind (tipo). Para mais sobre o assunto, ver Carlson (1977).

113 Originalmente, a autora não apresenta um contexto específico para os exemplos (116), (117) e (118); cremos que a ideia

Para concluir os conceitos trazidos na teoria de Hunter (2010), vejamos como poderíamos formalizá-la.