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O PRIMEIRO PERÍODO: AGLUTINAÇÃO E REORGANIZAÇÃO DE TENDÊNCIAS

No documento rodrigocoppecaldeira (páginas 130-157)

CATOLICISMO ANTIMODERNO NO BRASIL

3. O CONCÍLIO VATICANO II: CAMPO DE LUTAS SIMBÓLICO-NORMATIVAS

3.2. O PRIMEIRO PERÍODO: AGLUTINAÇÃO E REORGANIZAÇÃO DE TENDÊNCIAS

O bloco antimoderno já tinha suas bases na Cúria Romana, predominantemente italiana, e cabe relembrar, nas Comissões antepreparatórias. Assim, a partir de uma afinidade espiritual e teológica montou-se um eixo no qual logo outros bispos simpáticos às suas ideias se congregariam. Esse eixo inicial era composto pelos seguintes padres: Alfredo Ottaviani (presidente da Suprema Sacra Congregação do Santo Ofício) (cf. CAVATERRA, 1990), Michael Browne, Ernesto Ruffini (arcebispo de Palermo), Giuseppe Siri153 (arcebispo de Gênova e presidente da Conferencia Episcopal Italiana), Dino Staffa (secretário da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades), Enrico Dante (pró-secretário da Sagrada Congregação dos Ritos) e Pietro Parente (assessor do Santo Ofício).

Desde o anúncio de João XXIII, o presidente do Santo Ofício defendia rigor e cuidado na elaboração do trabalho propedêutico, além de mais tempo para que fosse levado a cabo tal projeto. Com preocupação da possibilidade dos “erros modernos” entrarem no Concílio, Ottaviani defendia que esse trabalho preparatório deveria ser “acurado e meticuloso, mas também controlado [...] com a finalidade, sobretudo, de evitar confusões e dispersão” (CAVATERRA, 1990, p. 69)154. Contudo, o papa Roncalli decide, contrariando as sugestões do “homem forte” do Santo Ofício, conclamar o Concílio para os anos seguintes. Esse era “o primeiro dos sinais que marcam com o passar do tempo o progressivo alargamento do fosso que separa os curiais do Pastor” (CAVATERRA, 1990, p. 69). Para Riccardi (1993), as relações entre Ottaviani e o papa tornaram-se mais difíceis no decorrer do tempo, principalmente devido à ação demasiadamente autônoma do cardeal.

De fato, Ottaviani pensava em influir diretamente nos trabalhos do Concílio. Junto de outros padres, acreditava-se imbuído do dever de defender a tradição, que se via ameaçada desde o século XIX e que, naquele momento, tomava novos rumos com a convocação de um Concílio

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Cf. BUONASORTE, 2006 e LAY, 1993.

154 Segundo Riccardi (1993), o cardeal Ottaviani previa o início propriamente dos trabalhos conciliares não antes de 1967.

por João XXIII. Assim comentava o cardeal Siri em seu diário sobre o chefe do Santo Ofício e da formação do bloco antimoderno: “O cardeal Ottaviani tomou sempre parte da defesa da verdade [...] eu, ele, Browne e Ruffini estávamos reunidos para resistir às pressões” (CAVATERRA, 1990, p. 70). Como se nota, o encadeamento de solidariedade que une o grupo baseia-se numa formação calcada na ideia de que estavam sendo atacados. De que a Igreja estava sendo atacada.

Um dos arcebispos mais influentes da Igreja italiana, presidente da Conferência Episcopal daquele país, já supunha a divisão que marcaria os trabalhos conciliares. Giuseppe Siri acreditava no papel dos “padres romanos” na defesa da ortodoxia. Assim exclamava:

Neste Concílio se há de sentir [...] o peso de um hábito ativista, que faz pensar pouco, estudar menos, projetar em uma zona escura os grandes problemas da ortodoxia e da verdade. O pastoralismo parece uma necessidade, enquanto é, antes que um método danoso, uma posição mental errônea. Em segundo lugar a Cruz – se assim se pode dizer, virá como de costume das áreas franco-tedescas e respectivo sub-bloco, porque não eliminaram de todo a pressão protestante e a “Pragmática Sansão Bravíssima Gente”, mas não sabem ser portadores de uma história atrapalhada. Creio portanto que a parte dos italianos – dos latinos, com aquela da Cúria, deva ser dirimente, seja para preencher os vazios, seja para corrigir erros de rotina. A calma romana servirá para isso (BUONASORTE, 2006, p. 275).

A disputa já havia começado para os antimodernos da cúria romana e da Igreja italiana e era preciso mover as peças estrategicamente e mais rápido do que seus opositores. Os antimodernos italianos – muitos pertencentes à cúria e que já se organizavam a partir das Comissões antepreparatórias – foram os principais forjadores desse bloco que se pode denominar “romano-latino”, no qual os brasileiros Sigaud e Mayer irão aproximar-se para, mais tarde, com alguns deles, formar o combativo Coetus Internationalis Patrum, a futura rede que coligará vários bispos antimodernos. É possível notar que, no desenrolar do Concílio, o Coetus e alguns padres da Cúria Romana mantiveram uma grande aproximação em vários momentos conflitantes que assinalaram o evento (ALB II, p. 204)

A figura do prelado de Gênova, Giuseppe Siri, parece ter sido fundamental na organização do bloco romano-latino desde o início dos trabalhos. Siri via no episcopado italiano uma função central na defesa da ortodoxia católica. Assim, logo tomou a dianteira de organizar os padres italianos para tal defesa. Realizou reuniões, procurou definir estratégias e buscou, especialmente, contato com os delegados apostólicos dos EUA e com os bispos espanhóis. Siri anotava em seu diário em 19 de outubro de 1962: “Ocupo-me de organizar um grupo reservado” (BUONASORTE, 2006, p. 279). No final do mês de outubro, o bispo de Gênova passou a contatar outros episcopados a fim de sensibilizá-los ao espírito dos padres italianos, além de tentar tirá-los das influências dos franceses. Siri demonstrava temor da

possibilidade de bispos italianos caírem sob influência do episcopado centro-europeu, ou seja, da Aliança Universal, que se organizam numa rede de relação intitulada Conferência dos 22, devido o número de conferências episcopais, ou organismo, ali congregados. Como presidente da Conferência Episcopal Italiana, passou a organizar uma estrutura na qual pudesse ajudar os bispos italianos na contenção da Aliança: “competia, portanto, aos italianos defender a doutrina, mesmo contra as tentativas de outros católicos” (BUONASORTE, 2006, p. 296). O primeiro intento de Siri era organizar o episcopado italiano em vista da abertura do Concílio, com a função particular de defender o papado. Numa assembleia extraordinária da CEI disse:

Os principais episcopados se organizaram em vista do Concílio, de seus debates e das suas linhas. A carência de organizar daquele [sic] episcopado que é o mais numeroso de todos e o mais próximo por razões geográficas e históricas da Suprema Sede de Pedro, teria certamente efeitos menos felizes (BUONASORTE, 2006, p. 297).

O programa geral da cúria para o Concílio refletia claramente aquela Igreja pensada como imutável e em defesa contra a modernidade. Dessa forma, este programa teria como características

Impedir qualquer redução das prerrogativas pontifícias; impedir a reforma da Cúria por parte do Concílio; sustar o aumento dos poderes dos bispos; opor-se à ingerência dos leigos; moderar e aplicar gradualmente as reformas de qualquer espécie [...] [zelar] pela precisa e devida formulação doutrinal, concretamente, em sua formulação escolástica [...] [acautelar em relação ao] senso da imutabilidade e da beata possessio de todo o existente; a grande valorização da Tradição [...] o valor definitivo e último do magistério; o individualismo, traduzido na defesa da celebração privada da missa e o “essencialismo”, ou seja, “o predomínio do pensamento abstrato” (ALB II, p. 200-201)

Por outro lado, tanto Siri quanto Ottaviani e seus seguidores, não acreditavam na necessidade da formação de um bloco unido e coeso para a defesa de suas ideias155, já que “pensam que sua função seja a de guia central do Concílio e não de um partido entre os partidos” (ALB II, p. 71). Para eles, que se viam como os baluartes da Tradição156

, era inconcebível ter que descer ao nível das correntes que se formavam. Como encarregados de tal defesa, seus postos estariam legitima e seguramente resguardados pelo próprio papa. Contudo, tanto o discurso de abertura de João XXIII, quanto à sua radiomensagem de 11 de

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De acordo com Buonasorte (2006), “a falta de recíproco conhecimento e a essência de uma estratégia comum de colaboração entre os bispos italianos aparecia em toda a sua dramática extensão nos primeiros dias de debate [...]. A coincidência de interesse dos padres conservadores, entre os quais outros italianos levavam muitos setores espanhóis e sulamericanos, não era manobra que partira de um centro de coordenação ou de uma „mente‟. Em muitos casos o consenso atribuído às posições dos líderes da minoria, sobretudo os italianos, era fruto da aproximação histórica e geográfica à Roma papal” (p. 285).

setembro de 1962157, eram entendidos pela maioria liberal conciliar como sinais de abertura vindos do papa, e pelos antimodernos como um grande problema. Percebendo, dessa forma, o perigo que tal situação pressupunha, os baluartes da Tradição aceitaram sua posição como um grupo entre os grupos, forjando assim, como princípio norteador de sua estratégia, a contenção contumácia e aguerrida das novidades que viam como desagregadoras do catolicismo tradicional e que tinham suas raízes no ímpeto de alguns grupos, especialmente a franco-maçonaria, de destruir a Igreja.

É importante notar que a articulação dos bispos em redes de relações para influir na dinâmica conciliar foi fundamental para a própria organização dos padres em maioria e minoria. Beozzo (2005) cita redes preexistentes e redes constituídas no calor do Concílio158. As primeiras poderiam ser exemplificadas com as Conferências episcopais como a brasileira, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a latino-americana, Conferência Episcopal Latino- americana (CELAM), as redes organizadas tendo como base famílias religiosas, nacionalidade e língua e aquela dos bispos que possuíam relações estreitas com movimentos leigos, como a JOC (Jeunesse Ouvrière Catholique), a MIJARC (Mouvement International de la Jeunesse Agraire Catholique), a JEC (Jeunesse Étudiante Catholique). As segundas, constituídas durante os trabalhos conciliares, podem ser separadas no grupo Ecumênico, como Helder Câmara chamava, e sob o comando do cardeal de Malines-Bruxelles, Leo Joseph Suenens. Era chamado também de “Conferência dos 22”, alusão ao número das conferências episcopais e organismos que dele faziam parte. Entre as redes criadas no Concílio está também o Coetus Internationalis Patrum, que congregará o núcleo dos baluartes da Tradição.

As polarizações não tardaram a se firmar como marca do evento conciliar. A organização de “blocos” no interior do Concílio confirmava-se nas primeiras congregações gerais. Especificamente, na segunda delas, em 13 de outubro de 1962, já era possível

157 Nessa radiomensagem vinha expressa a ideia sugerida pelo cardeal Leo Joseph Suenens (arcebispo de Malines- Bruxelas) de que as discussões conciliares deveriam se basear na preocupação com a estrutura interior da Igreja (ad intra) e com as “exigências e as necessidades dos povos” (ad extra). Além disso, uma frase de João XXIII nessa radiomensagem – “Em face dos países subdesenvolvidos a Igreja apresentava-se – tal qual é e quer ser – como a Igreja de todos e particularmente a Igreja dos pobres” (KLOP II, p. 301) – seria citada por futuras gerações de teólogos como aspecto principal da missão da Igreja (cf. GUTIÉRREZ, 1985).

158 É forçoso notar que a formação de grupos de pressão foi característica marcante do Concílio. Além do Coetus Internationalis Patrum, pode-se também citar o “Grupo da „Igreja dos Pobres‟”, o “Bloco centro-europeu” ou “Aliança universal”, a “Conferência de Delegados”, a “Área curial”, o “Grupo francês”, o “Grupo dos superiores religiosos”, o “grupo dos bispos religiosos”, o “Grupo dos bispos missionários” (cf. ALB II, p. 188-219). Segundo Buonasorte (2006), estes grupos tinham uma dupla função: “de uma parte uma função informativa nas relações dos próprios membros, de outra a tentativa de influenciar o desenvolvimento da assembleia e as decisões, como por exemplo, através da distribuição de circulares, a organização de conferências, a proposta dos modi, isto é, de modificações nos textos em discussão” (p. 284).

vislumbrar a aglutinação de tendências, consequência inevitável da dinâmica que se firmava desde os trabalhos preparatórios.

Nessa congregação geral os padres conciliares deveriam indicar os membros das comissões conciliares. Muitos deles, sem conseguir ter uma visão geral que facilitasse a escolha entre 2500 padres, sentiam-se desnorteados, sem saber quem nomear. Ottaviani, com o intuito de continuar influindo diretamente nos trabalhos, pois assim o tinha feito nas comissões preparatórias, divulgou uma lista na qual sugeria os nomes “seguros” para as comissões. O bispo de Lille e componente da presidência, cardeal Liénart, tomou a palavra pedindo uma moção de adiamento da votação, tendo como apoiador o cardeal Frings, arcebispo de Colônia. Assim, a maioria conciliar teria mais tempo para organizar-se e barrar as pretensões dos curiais159. O que foi conseguido de alguma maneira no decorrer do Concílio.

Os padres antimodernos viam a intervenção de Liénart como uma “manobra muito clara, a que é preciso reagir, unindo-se com o cardeal Spellman e os bispos latino-americanos” (ALB II, p. 45). De fato, “ao se repelir as eleições imediatas, quis-se evitar que o Concílio fosse a continuação de sua preparação através da confirmação dos mesmos membros das Comissões pré- conciliares para as conciliares” (ALB II, p. 45). A eleição dos integrantes das comissões conciliares demonstrou-se como o fato marcante do que viria a ser esse jogo de interesses simbólico-normativos. O que é importante constatar é que a “intervenção Liénart”, como ficou conhecida, abriu caminho para que as conferências episcopais passassem a ter um papel mais importante e central nos debates, já que agora deveriam construir suas listas com os nomes recomendados para as futuras comissões160. Dessa forma, a maioria conciliar161, conduzida por alguns padres da Aliança como Liénart, Frings, Alfrink, Döpfner e König, abriam caminho para a pretensa hegemonia nos trabalhos conciliares, o que conseguiriam logo depois.

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Assim comenta a Rádio Vaticano sobre a segunda congregação: “É também natural que nos concílios surjam o que se chama vulgarmente „partidos‟ do centro, da direita e da esquerda, conforme as posições moderadas ou extremistas assumidas durante os debates. Há até quem fale de oposição. Mas estes assim chamados „partidos‟ ordenam-se todos a busca a expressão da verdade. Um Concílio, apesar da assistência divina, inclui a livre discussão humana” (KLOP II, p.82). Kloppenburg também cita algumas manchetes de jornais sobre a intervenção de Liénart: “A rebelião dos bispos”, “A ala renovadora impõe uma lista internacional”, “Terminou o predomínio da cúria romana”, “Ofensiva contra a cúria romana”, entre outros. (KLOP II, p. 78).

160 “A preparação das listas não foi senão o início de um consenso que atingira pontos muito altos em algumas conferências episcopais. Ficava claro agora para muitos padres que um bispo não vivia mais o Concílio sozinho em face de uma Secretaria e do imenso número dos padres a eles desconhecidos; para sair do anonimato da grande Assembleia, não se deviam buscar apenas referências na Cúria ou na direção do Concílio. Surgia como a referência mais imediata justamente a conferência episcopal [...]. Naquele 13 de outubro, as conferências episcopais entraram concretamente como protagonistas nas primeiras escolhas que os padres conciliares deviam fazer: pela primeira vez os secretários das conferências episcopais mantêm conversar e contatos que prescindem do controle e da vigilância das Congregações romanas” (ALB II, p. 49-50). As listas das conferências apontando os nomes para as Comissões estão publicadas em AS/I, p. 40-75.

161 Os termos maioria e minoria são utilizados frequentemente pela historiografia conciliar e são habitualmente aceitos pelos próprios protagonistas do evento (BUONASORTE, 2003; cf. também POMBENI, 1997).

É possível situar os antimodernos entre a minoria conservadora. Contudo, não é lícito falar que os antimodernos representavam in totum essa minoria. De fato, eles estavam incluídos nessa minoria conservadora, que era, como a maioria conciliar, heterogênea e diferenciada internamente. Por outro lado, a partir das análises dos vota e das intervenções conciliares nota-se uma linha de interesse comum entre os membros dessa minoria que destaca alguns atores de forma mais clara.

As matérias que eram caras aos antimodernos e as quais deveriam se empenhar defensivamente contra as ideias introduzidas pela Aliança e seguidas pela maioria eram as seguintes: a liturgia codificada pela tradição, a transmissão imutável da revelação, a inerrância das Escrituras, a estrutura hierárquica da Igreja, o primado do catolicismo sobre as outras tradições religiosas, o dever do Estado assumir a doutrina social católica e a moral cristã (BUONASORTE, 2003). Ou seja, todos aqueles campos que tentavam manter-se de pé a todo custo no meio da dissolução moderna e que teve seu momento alto com a formação da Igreja ultramontana.

Destarte, em todas as congregações gerais, com maior ou menor intensidade, os padres antimodernos intervieram e desempenharam seu papel de defensores da Tradição ameaçada. Assim sendo, nos debates sobre a liturgia, primeiro esquema a ser discutido pelos padres conciliares, Ottaviani e outros padres antimodernos já faziam vistas grossas a toda tentativa de mudança e reforma162.

A questão da língua latina era um dos pontos nevrálgicos das discussões e referia - se à codificação da liturgia pela tradição. O latim era visto pelos antimodernos como a língua da Igreja, confirmada pela Tradição e que deveria assim continuar. A língua latina

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Na verdade, antes mesmo do início das discussões sobre a liturgia, o arcebispo Marcel Lefebvre, um dos “homens fortes” do bloco antimoderno, já havia aparecido com uma intervenção em relação à “Mensagem à Humanidade” dos padres conciliares na terceira congregação geral. Essa mensagem tinha sido escrita por Chenu e Congar, mas “emendado” devido às fortes reações contrárias (ALB II). Abaixo segue a intervenção de Lefebvre contra tal texto: “De início, parece-me, que o tempo dado ao estudo desta mensagem e à sua aprovação não é suficientemente longo devido à sua grande importância. De outro lado, na minha modesta opinião, parece-me que a mensagem insiste sobretudo nos bens humanos e temporais e não suficientemente nos bens eternos e espirituais [...] visa mormente a felicidade na cidade terrena e não suficientemente a cidade celeste para a qual devemos tender e em vista da qual estamos neste terra. Se é verdade que os homens esperam de nós, pelo exercício das virtudes cristãs, uma melhoria das condições temporais, desejam eles, no entanto, desde esta terra, os bens espirituais e sobrenaturais? Poderíamos falar sobretudo desses bens porque são os verdadeiros bens, os essenciais, os eternos que podemos e devemos desfrutar desde esta terra. É principalmente nesses bens que se encontra a essência da paz e da felicidade. Dito” (AS I, 1, p. 240). É possível também achar em um texto confidencial o resumo das intervenções de Lefebvre nas duas primeiras sessões. Segue a tradução em francês: “Il me semble tout d‟abord que le temps laissé à l‟étude de ce Message et à son approbation n‟est pás assez long, étant donné as grande importance. D‟autre part, il me semble, à mon humble avis, que lê message insiste surtout sur les biens humains et temporels, et pás suffisamment sur les biens éternels et spirituels; il regarde surtout le bonheur dans la cite terrestre et spirituels; il regarde surtout le bonheur dans la cite terrestre et pas assez la cite celeste vers laquelle nous devons tendre et pour laquelle nous sommes ici-bas. S‟il est vrai que les hommes attendent de nous par l‟exercice des vertus chrétiennes une ame lioration de leur condition temporelle, combien cependant désirent-ils des ici-bas les biens spirituels et surnaturels? Nous pourrions parler davantage de ces biens, parce que ce sont lês vrais biens, les essentiels et étetnels, dont nous pouvons et nous devons jouir des ici-bas. En ces biens se trouvent principalement l‟essence de la paix et du bonheur. Dixi” (FSIGAUD/SP 168.1/105).

como patrimônio inalienável da Igreja era defendida fortemente e teve, por sinal, um adjutório do próprio João XXIII, que com sua constituição apostólica Veterum sapientia havia fornecido mais um elemento para a defesa da permanência do latim como língua oficial da liturgia da Igreja de Roma.

O esquema De Sacra Liturgia previa algumas modificações no rito e a possibilidade de traduzir alguns momentos da missa para a língua vernácula163. Os problemas que giravam em torno do esquema eram de fundo pastoral e visavam uma adaptação para as zonas de missão, que eram vistas pela Aliança como as mais prejudicadas pela manutenção do latim. Por seu lado, o núcleo antimoderno via na defesa do latim a defesa da Igreja tout court e o único meio de exprimir convenientemente a sua doutrina. Alguns, como Peruzzo, arcebispo de Agrigento, alertavam para o fato de que a utilização da língua nacional foi o primeiro ato de separação da Igreja católica romana vinda das igrejas que apoiavam Lutero (BUONASORTE, 2003). É possível perceber que esse debate já vinha carregado por outra questão de grande importância e que também dividia fortemente os padres conciliares: maior autonomia das igrejas locais, defendida pela Aliança e a maioria, e maior centralização das decisões em Roma, posição defendida pelos antimodernos e pela minoria.

A liturgia anterior ao Vaticano II, celebrada por séculos como um sinal de

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