• Nenhum resultado encontrado

4 A COMPREENSÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO NO

4.2 O Princípio da separação de poderes e as Constituições Brasileiras

A presente seção visa demonstrar como o princípio da separação de poderes esteve enunciado, de forma explícita, no texto de todas as Constituições Brasileiras, do período monárquico até a presente República, excetuando-se o texto de 1937. A leitura literal de todas as Constituições, salvo algumas exceções, demonstra uma redação bastante semelhante daquelas ao prescrever o princípio da separação de poderes. Entretanto, tal desenho institucional precisa, para uma adequada compreensão, de ser observado diante de outras variáveis políticas, sociais e econômicas que influenciaram a história deste princípio no direito brasileiro; assim, as variadas formas de governo (monarquia x república), a descontinuidade

democrática em alguns períodos, as variações do presidencialismo republicano, especialmente as práticas que denotam a adoção de um forte presidencialismo de coalizão, aliadas a atuações que apontam para um personalismo extremado e um patrimonialismo estatal, são dimensões relevantes para a compreensão da aplicação do princípio da separação de poderes no direito brasileiro. Na mesma direção, Bonavides, analisando a evolução do constitucionalismo brasileiro afirma:

Até agora esse modelo permanece todavia inacabado, após cerca de dois séculos de renovadas diligências e sacrifícios; é projeto fugaz sujeito às oscilações da idéia e da realidade com as quais não logrou ainda se compatibilizar.Projeto bloqueado inumeráveis vezes pelas resistências absolutistas,pelo continuísmo e vocação de perpetuidade governista, bem como pelos interesses representativos comprometidos com um status quo de dominação que a classe política busca manter inalterável, debaixo de seu jugo, insensível por inteiro ao rápido senão vertiginoso agravamento das desigualdades sociais e regionais, cujo quadro é sobressaltante enquanto prelúdio de uma tragédia de sangue e guerra civil, de conseqüências imprevisíveis.261

Em face do recorte temático desta pesquisa262, será explorada a história constitucional brasileira tendo, como foco, o arranjo institucional do sistema de separação de poderes. Não se trata de uma seção que visa, apenas, indicar os artigos constitucionais que criam tal arquétipo, mas de um esforço de compreendê- los no âmbito do constitucionalismo ali existente.

Bonavides afirma que, em linhas gerais, pode-se dividir o constitucionalismo brasileiro, quanto às suas fontes inspiradoras, em três fases: a) a primeira, que cobre todo o período imperial, demarcada pela influência do constitucionalismo europeu; b) a segunda, que inicia-se como o desfazimento do império e o início da República, demarcada pela irradiação do constitucionalismo norte-americano e c) terceira fase, em pleno curso, que, sob o viés de alguns institutos, como a jurisdição constitucional, apontariam para um retorno ao pensamento europeu.263

261 BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Revista Estudos avançados. São Paulo, 14, p. 153-176, 2000. p.155

262 Acredito que tais variáveis são fundamentais para uma adequada compreensão da história do princípio da separação de poderes no direito brasileiro. Entretanto, em face do recorte problemático realizado, não explorarei, nessa pesquisa, a compreensão interdisciplinar deste fenômeno. Esse aprofundamento será feito na continuidade deste trabalho.

263 BONAVIDES, Paulo. As nascentes do constitucionalismo luso-brasileiro, uma análise comparativa. Disponível em: http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/4/1510/9.pdf. Acesso em: 02 nov. 2012.

É do mesmo autor um importante estudo que desenvolve os laços do constitucionalismo brasileiro e português264. Bonavides foi um dos primeiros constitucionalistas brasileiros a rememorar que, pouco antes da declaração da independência, vigorou, no território brasileiro, a Constituição de Cádiz, promulgada pelas Cortes Gerais e Extraordinária da Espanha, em 1812. Tal Constituição teve uma duração efêmera (1812-1814), mas deixou os seus traços no constitucionalismo europeu e ibero-americano265.

A primeira fase do constitucionalismo brasileiro inicia-se pouco após a declaração da Independência (1822). Nesse período, ao contrário da colônia Inglesa na América, analisada no capítulo II266 desta pesquisa, o Estado recém- independente não se afastou das influências da metrópole; assim, os fundamentos da origem constitucional brasileira mesclam influxos do antigo colonialismo, tal como a monarquia absolutista e o comércio de escravos, com algumas luzes que foram lançadas pelo constitucionalismo francês.

O nosso constitucionalismo, ao revés, levantou-se sobre as ruínas sociais do colonialismo, herdando-lhe os vícios e as taras, e ao mesmo passo, em promiscuidade com a escravidão trazida dos sertões da África e com o absolutismo europeu, que tinha a hibridez dos Braganças e das Cortes de Lisboa, as quais deveriam ser o braço da liberdade e todavia foram para nós contraditoriamente o órgão que conjurava a nossa recaída no domínio colonial.

(...)houve um processo até certo ponto comum de introdução de instituições representativas e constitucionais no que toca à velha metrópole e à nascente nacionalidade..(a) fonte doutrinária fora a mesma: o constitucionalismo francês, vazado nas garantias fundamentais do número 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789.267

O primeiro esboço do projeto constitucional brasileiro foi feito por uma Assembléia, convocada pelo Imperador antes da Independência, e dissolvida em novembro de 1823. A análise deste projeto constitucional, bem como daquele que o

264 BONAVIDES, Paulo. As nascentes do constitucionalismo luso-brasileiro, uma análise comparativa. Disponível em: http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/4/1510/9.pdf. Acesso em: 02 nov. 2012.

265 CHACON, Eduarda. Bicentenário da Constituição de Cádiz, a primeira carta magna brasileira. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 80, p. 418, jul. 2012.

266 Refiro-me à negativa, em um primeiro momento, do modelo de constituição mista já adotado na Inglaterra.

267 BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Revista Estudos avançados. São Paulo, 14, p. 153-176, 2000. p.156, grifo nosso.

substituiu posteriormente, denota que inexistia, originariamente, a proposta de adoção de um poder moderado268.Segundo Bonavides, esse é um ponto fulcral para compreender a organização dos poderes durante o período monárquico; o autor chega a afirmar que, nessa fase do constitucionalismo, ressalvada a temática da escravidão, os poderes do Monarca foram objeto de intenso debate e, em alguma medida, estaria aí a chave para a compreensão da primeira fase do constitucionalismo brasileiro.

(..) salvo os aperfeiçoamentos de sistematização e linguagem, a Constituição outorgada não apresentava inovações substanciais, se cotejada com o Projeto da Constituinte, exceto a introdução da figura do Poder Moderador. Este, convém frisar, não constava do texto oferecido por Antônio Carlos.

Efetivamente, sua extrema importância na história constitucional do Império não pode, em absoluto, ser desdenhada, se quisermos entender a forma como mecanismos de exercício e de poder funcionaram durante a fase monárquica.

Foi talvez o tema-excluído o da escravidão-ao redor do qual os debates mais polêmicos e passionais da política imperial.269

Nesse contexto, a Constituição foi outorgada pelo imperador em 1824. Seu texto tratava, como as demais constituições de seu tempo, da organização dos poderes e dos direitos de primeira geração. O princípio da separação de poderes estava enunciado no artigo 9º da Constituição; o legislativo era representado por uma Assembléia bicameral (Câmara e Senado), cujas competências foram enumeradas entre os artigos 13, 36, 37 e 47. O Poder Executivo foi confiado ao Monarca, alicerçado por ministros e por um Conselho de Estado ; a leitura das competências estabelecidas nos artigos 102 à 104 daquela Constituição demonstram, para um leitor descontextualizado, o modelo de uma monarquia constitucional. As disposições do Judiciário denotam o longo caminho que este poder ainda teria que percorrer para conquistar a sua efetiva autonomia; assim, ao lado de disposições que garantiam a pretensa independência dos Juízes, da garantia da perda do cargo apenas mediante sentença com trânsito em julgado, a Carta de 1824, deliberadamente, prescreveu a possibilidade de intervenção do Poder Moderador na atuação dos Juízes. Destaque-se o artigo 163 que instituiu o

268 BONAVIDES, Paulo. As nascentes do constitucionalismo luso-brasileiro, uma análise comparativa. Disponível em: http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/4/1510/9.pdf. Acesso em: 02 nov. 2012.

269 BONAVIDES, Paulo. As nascentes do constitucionalismo luso-brasileiro, uma análise comparativa. Disponível em: http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/4/1510/9.pdf. Acesso em: 02 nov. 2012. p.31.

Supremo Tribunal de Justiça. O quadro poder, o moderador, anunciava o verdadeiro sistema de organização dos poderes. Assim, ao ter competências para controlar e intervir nos três poderes, o poder moderador acabava quebrando a prática da independência enunciada naquela constituição. Ressalte-se, porém, que está na proposição do poder moderador, uma das poucas inovações do texto constitucional imperial em relação às Constituições já existentes àquele período, no ocidente.

A inserção do poder moderador buscou inspirações- ao menos no plano teórico- na proposta, já conhecida na França, especialmente pelos escritos de Benjamim Constant, da teoria tetrapartida de poder. Para Constant, o poder executivo deveria ser apartado do poder real.; este seria entregue ao Monarca e, sendo um poder neutro, lhe competiria fiscalizar os demais poderes, velando para que cada um destes não exerce as suas funções de forma abusiva. O grande jurista do império, Pimenta Bueno270, deixou clara tal influência ao discorrer sobre o poder moderador como um poder neutro, entregue àquele que era cercado de respeito e prestígio- o monarca.

Na visão de Bonavides271, a interpretação do poder real de Constant foi apropriado de forma inadequada no constitucionalismo do Império; a leitura das competências enfeixadas em torno de tal poder, expressas no artigo 101 da Constituição outorgada de 1824, demonstram que não se tratava, ali de um judiciário da política, um corregedor dos excessos dos demais poderes tal qual encontrava-se no modelo puro de Benjamim Constant, mas de um “monstro constitucional”272, responsável por executar os ditames da ditadura monárquica brasileira.

Assim, embora enunciasse, explicitamente, o princípio da separação dos poderes no artigo 9º, a Carta de 1824 acaba denotando um modelo concentracionista que emerge diante das inúmeras possibilidades de intervenção do Monarca no âmbito das atividades legislativas e judiciais. Todavia, não se deve negar a originalidade dessa Constituição que, pela primeira vez na história do

270 BUENO, José Antônio Pimenta. Direito público brasileiro e análise da constituição do império. Brasília, Senado Federal, 1978.

271 BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Revista Estudos avançados. São Paulo, 14, p. 153-176, 2000.pgs.166-168.

272 As expressões monstro constitucional e ditadura são usadas por Bonavides. Para o autor, as competências atribuídas ao poder moderador era um autêntico programa da monarquia ditatorial. In: BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Revista Estudos avançados. São Paulo, 14, p. 153-176, 2000

constitucionalismo ocidental, aplicou a teoria tetrapartida de poderes.273 Foi um texto pluridimensional que ainda mostrava as marcas do absolutismo, mas que permitiu a edificação de parte dos propósitos do Estado Liberal e anunciou o que viria ser o futuro. Nas palavras do autor desta análise:

A Constituição do Império foi, em suma, uma Constituição de três dimensões: a primeira, voltada para o passado, trazendo as graves seqüelas do absolutismo; a segunda, dirigida para o presente efetivando, em parte e com êxito, no decurso de sua aplicação, o programa do Estado Liberal; e uma terceira, à primeira vista encoberta, presentindo já o futuro.274

O constitucionalismo republicano no Brasil levanta-se sobre as ruínas da monarquia deposta. Após um governo provisório, a primeira Constituição da República é promulgada em 1891, trazendo inúmeras mudanças na forma política do Estado: a monarquia transformou-se em república; o unitarismo do Estado cedeu à descentralização, criando-se a federação; o parlamentarismo foi sucedido pelo presidencialismo. Três institutos clássicos do direito norte-americano, incorporados pela forte influência de um dos maiores juristas brasileiros, Rui Barbosa.

No âmbito da organização dos poderes, a adoção da República significou o abandono do poder moderador e a prescrição da teoria tripartide do Poder. A República do papel deu continuidade a um legislativo bicameral, cujas competências estavam previstas nos artigos 29, 31, 33 e 34. Destaque-se a atribuição dada ao parlamento para julgar o Presidente nos casos de crime de responsabilidade. Outro ponto relevante é a observação de uma função diversa atribuída ao Presidente do Senado Federal- a função de Vice-Presidente da República275. O Judiciário também foi previsto no âmbito da Constituição, destacando-se o dispositivo que, diretamente, atribuía a este poder a função de realizar o controle de constitucionalidade dos atos normativos.

Considerando-se o período republicano da história constitucional brasileira, a Constituição de 1891 foi a que teve maior duração. Entretanto, não deve-se

273 BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Revista Estudos avançados. São Paulo, 14, p. 153-176, 2000.

274 BONAVIDES, Paulo. As nascentes do constitucionalismo luso-brasileiro, uma análise comparativa. Disponível em: http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/4/1510/9.pdf. Acesso em: 02 nov. 2012.p.36 275 Vide artigo 32 da Constituição Brasileira de 1891.

interpretar tal fato como sinônimo de uma real estabilidade; as práticas, mais próximas de um unitarismo, percebidas na constante intervenção do poder central nas entidades territoriais locais, na cultura oligárquica e no presidencialismo autoritarista, são narrativas da primeira república que denotam a fragilidade daquele texto constitucional. Nesse sentido, Bonavides observa:

Épocas de federalismo autoritário – uma contradição política em termos – ocorreram no país e oscilaram, durante a Primeira República, da frouxidão dos laços federativos ao extremo arrocho das intervenções centralizadoras, cujo unitarismo contravinha a índole do regime.

Demais disso, o quadro social e político das antigas províncias imperiais, erigidas de repente ao status da autonomia federativa, era sobremodo traçado pela força incontrastável dos oligarcas e coronéis que formavam o patronato do poder e recebiam da autoridade central a sagração de sua ascendência na esfera local de governo.

A primeira Constituição republicana foi na aparência, pelo aspecto formal, a mais estável das Constituições do sistema inaugurado em 15 de novembro de 1889. Durou 39 anos e passou por uma única reforma que aliás veio demasiado tardia, não podendo conjurar o seu colapso na sucessão do presidente Washington Luís, em 1930. Mas a evidência histórica de uma estabilidade que acabamos de referir era de teor apenas aparente, não disfarçando a república constitucional deveras violenta.276

Diversas reações a esse modelo eclodem durante o final da República Velha, criando-se um momento bastante conturbado, cujo ápice é a Revolução de 1932. Embora os revolucionários tenham sido derrotados, a proposta de restaurar a estabilidade constitucional no país vingou com a convocação da Constituinte de 1933. A Constituição de 1934 foi demarcada pelas preocupações sociais. Em continuidade com os textos constitucionais pretéritos, vai estabelecer o princípio da independência e harmonia dos poderes (art. 3º). O Legislativo manteve-se bicameral, mas importantes modificações foram introduzidas na composição da Câmara, o que pode ser observado no artigo 23 da Carta de 1934, ao se referir à representação classista, e ao papel do Senado, que passa a ser o maestro do sistema de freios e contrapesos.

A Constituição Brasileira de 1934 teve “ breve e precária existência porquanto promanara de uma ambiência política marcada por multilações participativas, crises,

276 BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Revista Estudos avançados. São Paulo, 14, p. 153-176, 2000. p.171.

desafios, suspeitas, incertezas, contestações e ressentimentos”.277 O Golpe de

Vargas, em 1937, ceifa, definitivamente, a Carta anterior, inaugurando-se o governo ditadorial.

A Carta outorgada de 1937, conhecida como “polaca” pela sua inspiração totalitária e fascista, quebrou a tradição de enunciar, tal qual ocorreu com as Constituições brasileiras anteriores, o princípio da separação de poderes; tal silêncio denota o desequilibrado desenho do sistema de poderes ali proposto.

Inicialmente, deve-se ressaltar que o artigo 73 enunciava que o Poder Executivo era a autoridade suprema do Estado, cabendo-lhe o papel de coordenador das atividades desenvolvidas pelos órgãos representativos. O desenvolvimento dessa ingerência no Congresso Nacional é edificado por diversas disposições constitucionais, citando-se os artigos 64, que permitia a suspensão da sessão legislativa pelo Presidente da República e afirmava a sua competência para, de forma preponderante, deflagar o processo legislativo, e o artigo 75, o qual prescrevia, dentre as prerrogativas do Poder Executivo, a de adiar, prorrogar, convocar o parlamento e até dissolvê-lo em situações excepcionais.278 Intervenção semelhante era prescrita ao Poder Judiciário, especialmente pelos artigos 94 e 96 da Constituição de 1937. O primeiro brindava o poder executivo em relação ao judiciário, impedindo que este conhecesse das denominadas “questões políticas”. O segundo permitira a revisão das decisões de constitucionalidade pelo Parlamento a partir da provocação exclusiva do Poder Executivo. Completava o ciclo dessa proposta concentracionista as aposentadorias compulsórias, o poder de Reforma Constitucional que permitia ao Presidente negar as aprovações realizadas pelo Parlamento, submetendo-as a um plebiscito que seria por ele (discricionariamente) convocado e pela decretação de um estado de emergência permanente. Bonavides e Paulo de Andrade resumem a orquestração do modelo de organização dos poderes na Constituição de 1937:

277 BONAVIDES, Paulo. A evolução constitucional do Brasil. Revista Estudos avançados. São Paulo, 14, p. 153-176, 2000. p.172-173.

278 O Poder Executivo deitava, ainda, os seus tentáculos sobre o Poder Legislativo na indicação de membros que deveriam compor o Conselho Federal, órgão que substitui o Senado Federal, e na criação de um órgão executivo que tinha participação obrigatória no âmbito do processo legislativo.

A competência dos três poderes na Constituição de 1937, era meramente formal. Os artigos 38 e 49 que tratavam do Poder Legislativo esboroavam-se com o conjunto do texto e, mesmo com a coexistência de um Conselho Federal criado pelos artigos 50 e 56, usurpando faculdades legislativas com dez dos seus membros escolhidos pelo Presidente da República e os restantes pelas Assembléias Legislativas dos Estados.

Era o senado sem voto popular, constituído já à época, dos senadores biônicos que recebiam a designação de “Conselheiros”. Quanto ao Judiciário, o arbítrio do Poder Executivo ultrapassava até mesmo o texto da Carta Constitucional. Esta, todavia, deixava a brecha para esses abusos, quando em seu artigo 91, ressaltava as restrições à vitaliciedade, à inamovibilidade, à irredutibilidade dos vencimentos dos magristrados.

A competência dos três poderes ficou limitada ao centralismo do Executivo e condicionada aos interesses do chefe supremo da administração-o Presidente da República.279

A ditadura de Vargas cai em outubro de 1945, iniciando-se o processo de redemocratização do constitucionalismo brasileiro. Um novo texto constitucional, enraizado na tradição do constitucionalismo social, foi promulgado em setembro de 1946. O artigo 36 prescreveu o princípio geral de organização dos poderes, declarando-os independentes e harmônicos. Nas prescrições sobre o Poder Legislativo, dispostas entre os artigos 37 e 72, observa-se o restabelecimento do Senado Federal, a incorporação de um verdadeiro estatuto dos congressistas cuja redação é bem semelhante ao texto constitucional de 1988 e a previsão de técnicas de controle recíproco entre os poderes. Na mesma direção, a estruturação e as competências do Poder Judiciário encontram-se descritas entre os artigos 94 e 124; o poder Executivo, que deixa se ser o órgão de coordenação dos demais poderes, é reposicionado, dentre de uma dimensão horizontal, ao lado do Judiciário e do Legislativo. Ressalta-se que, originariamente, a Constituição de 1946 tratou do Ministério Público em título próprio (título III), desvinculando-o do quadro de regulamentação dos poderes. A Emenda Constitucional n. 16/65 instituiu, pela primeira vez no constitucionalismo brasileiro, um autêntico sistema de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade.

279 BONAVIDES, Paulo, PAES DE ANDRADE. História Constitucional do Brasil. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1991. P.345.

Analisando a ideologia e a efetividade da Constituição Brasileira de 1946, Bonavides disserta:

Constituição que traduzia equilíbrio e bom senso para as circunstâncias da época, pôde ela atenuar e fazer latente e adormecida durante largos anos de sua vigência o vulcão da crise constituinte, cujas erupções não vieram tão imediatas e de súbito como as que implodiram a Constituição de 1934.

Sem revogar o Estado social do texto efêmero da primeira reconstitucionalização,a Carta de 46 ficou limitada aos termos programáticos de justiça social, não podendo concretizar cláusulas como aquelas que determinavam a participação do trabalhador nos lucros da empresa nem tantas outras exaradas na esfera das relações do capital com o trabalho.280

A Constituição de 1946 sucumbiu diante dos decretos e atos institucionais exarados pela Ditadura Militar. Historiadores, cientistas políticos e sociólogos apontam uma diversidade de causas que geraram o declínio da democracia e a ascensão dos militares. Segundo Fico281, pesquisas mais recentes estão desmistificando alguns lugares comuns que não conseguem explicar a complexidade de fatores sociais e políticos que explicariam as causas, bem como o desenvolvimento do regime militar.

o “deslocamento de sentido”, operado sobretudo após a Campanha da Anistia, relativo às esquerdas revolucionárias que foram para a luta armada, outrora apresentadas como integrantes da resistência democrática; o perfil vacilante, a inabilidade e o possível golpismo de João Goulart, diferentemente do mito do presidente reformista

Documentos relacionados