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O problema da possibilidade de decisões conflitantes

CAPÍTULO III – A POSSIBILIDADE DE AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA CAPÍTULO

III.1. A possibilidade de ação rescisória contra capítulo de sentença acobertado pela coisa

III.1.1. A possibilidade da existência de múltiplas ações rescisórias decorrentes da mesma

III.1.1.2. O problema da possibilidade de decisões conflitantes

A partir da possibilidade de haver uma multiplicidade de ações rescisórias – em apenas um ou em vários tribunais competentes –, existe o risco de que se produzam decisões conflitantes entre essas ações rescisórias. Nesse sentido, apresentando o problema ocasionado pelo reconhecimento dessa possibilidade, José Henrique Mouta Araújo escreve que:

Em verdade, dependendo do caso concreto, há a possibilidade de várias demandas desconstitutivas simultânea ou sucessivamente, em vários órgãos jurisdicionais competentes, como apontado no primeiro item deste ensaio, gerando sério risco de julgamentos contraditórios, prejudiciais etc.

As novidades advindas do CPC/15 (LGL\2015\1656) podem, portanto, de um lado, gerar maior brevidade na prestação jurisdicional e, de outro, causar atropelos procedimentais, como na hipótese ora apresentada: imagine a propositura de demanda com pedidos cumulados de declaração de existência de contrato, sua rescisão e condenação do adversário em danos morais e materiais. Após o julgamento antecipado parcial (art. 356 do CPC/15 (LGL\2015\1656)) com a declaração de existência e rescisão contratual, sem qualquer recurso, a parte prejudicada ajuíza rescisória com fundamento em uma das hipóteses do art. 966 do CPC (LGL\2015\1656). No grau de origem, os pedidos de danos morais e materiais são

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julgados procedentes, com trânsito em julgado e inexistência de prazo para nova rescisória em decorrência do julgamento da primeira.

Nesse caso, várias indagações podem ser feitas: a) a procedência da demanda desconstitutiva para reconhecer a inexistência de contrato deve refletir nos capítulos prejudicados julgados posteriormente e já sem prazo para nova rescisória? b) à semelhança da previsão dos arts. 525, § 15 e 535, § 8º, do CPC (LGL\2015\1656), o prazo para a rescisória contra o julgado que condenou em danos morais e materiais em virtude de questão prejudicial desconstituída na rescisória, inicia após a decisão do Tribunal na nesta demanda desconstitutiva? c) obrigatoriamente o interessado deve ajuizar uma segunda ação rescisória, ou evitar o trânsito em julgado da sentença, para a manutenção do interesse processual na ação rescisória anterior, movida contra o capítulo atingido pela resolução parcial (art. 356 do CPC/15 (LGL\2015\1656))? d) se for ajuizada nova rescisória, o resultado da primeira constitui prejudicialidade externa, provocando julgamento conjunto? (ARAÚJO, 2018, p. 9).

Essa possibilidade de decisões contraditórias pode ser mitigada em alguns casos específicos, quando os capítulos decisões que são objeto de mais de uma ação rescisória foram todos proferidos pelo juízo de primeiro grau, ou em parte pelo juízo de primeiro grau e em parte pelo juízo de segundo grau, ou todos proferidos pelo juízo de segundo grau. Nesses casos a competência para o julgamento dessas ações será sempre do juízo de segundo grau, conforme já analisado. Nesse sentido, é possível que se reúnam, para julgamento conjunto, todas as ações rescisórias de competência do tribunal de segundo grau, na forma do § 3º do art. 55 do Código de Processo Civil, que dispõe que “serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”.

A possibilidade de haver decisões contraditórias entre múltiplas ações rescisórias também poderia ocorrer nos casos em que há a necessidade de ajuizamento de uma ação rescisória perante o juízo de segundo grau e um tribunal superior, ou entre Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. No entanto, conforme apresentado no tópico anterior, é possível que, nesses casos, se reúnam para julgamento as ações rescisórias de capítulos dependentes, mesmo que sejam competentes para julgamento diferentes tribunais (PEIXOTO; SILVEIRA, 2016, p. 233). Nesse sentido, evita-se a contradição pela reunião – no juízo que decide a ação rescisória contra o capítulo condicionante – das ações rescisórias que sejam dependentes daquele capítulo. Caso os capítulos das decisões não sejam dependentes, não há o risco de que se produzam decisões contraditórias nas ações rescisórias julgadas por tribunais distintos, uma vez que são capítulos independentes.

Como se percebe, é possível a reunião para julgamento conjunto das ações rescisórias que possam resultar em decisões contraditórias, o que evidencia que, nessas situações, é muito difícil que se produzam essas decisões conflitantes.

67 O grande problema se revela, na realidade, pela possibilidade de haver coisas julgadas contraditórias, que podem resultar de duas situações distintas: 1) o conflito entre capítulos de decisões acobertados pela autoridade da coisa julgada, que não foram objeto de ação rescisória; e 2) decisões que julgam ações rescisórias contra capítulos diversos que formam coisas julgadas conflitantes.

Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni, ao discutir a diferença entre a ofensa a coisa julgada em razão de repetição da ação e a ofensa em ação diferente, dá um exemplo que é bastante útil para o que se analisa no presente tópico:

[...] Note-se que, no caso em que se julga procedente a ação de alimentos, não obstante ter sido julgada improcedente a ação de investigação de paternidade, a passagem do prazo para a rescisão da decisão proferida na ação de alimentos não faz surgir duas coisas julgadas contraditórias ou que ocupam um só lugar, mas duas coisas julgadas que ocupam lugares distintos: uma diz que A não é pai de B e outra diz que A deve pagar alimentos a B (MARINONI, 2017, p. 3).

Nesse caso, há efetivamente duas decisões judiciais acobertadas pela autoridade da coisa julgada que, apesar de ocuparem lugares distintos, apresentam uma contradição lógica. A mesma situação pode ocorrer com decisões que julgam as ações rescisórias contra capítulos diferentes de uma mesma relação processual de origem e transitam em julgado. No entanto, tal situação não é efetivamente um problema exclusivo e inerente à possibilidade de existirem múltiplas ações rescisórias contra uma mesma relação processual de origem. Nesse sentido, Rafael Flach explica que:

De fato, decisões conflitantes podem coexistir em havendo uma multiplicidade de ações rescisórias. Porém, ressalva-se que decisões contraditórias podem existir no âmbito de todo o Poder Judiciário, haja vista o intuito uniformizador de diversos dispositivos do Código de Processo Civil (LGL\1973\5). (FLACH, 2010, p. 17).

Ademais, cabe pontuar que, conforme escreve Cândido Dinamarco, é “notório em doutrina, e assim ensinou Liebman, que a coisa julgada não tem a finalidade lógica de manter coerência entre julgados ou entre os seus fundamentos, mas de criar situações práticas irremovíveis” (DINAMARCO, 2013, p. 113).

Conforme se observa, a coisa julgada não possui a finalidade de manter a coerência entre os diversos julgados, mas de tornar imutáveis e indiscutíveis os provimentos judiciais, com vistas à proteção da segurança jurídica (CALDEIRA, 2012, p. 319), de modo que é possível que haja decisões contraditórias no julgamento de múltiplas ações rescisórias, assim como é possível que decisões cobertas pela autoridade da coisa julgada sejam contraditórias.

68 No entanto, tal problema não é um óbice para que se reconheça a possibilidade de formação progressiva da coisa julgada, assim como não deve ser um obstáculo para se reconhecer que podem existir diversas ações rescisórias tramitando em diversos tribunais. O que se deve buscar é a mitigação da ocorrência dessas contradições entre coisas julgadas pela reunião das ações para julgamento conjunto, por exemplo.

III.2. O problema do termo inicial para a contagem do prazo para a propositura