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3 OS ATORES CONTRACENAM: OS DIÁLOGOS ENTRE O

3.1 O PROBLEMA DA RELAÇÃO ENTRE MOVIMENTOS NACIONALISTAS: O

É importante que esteja claro que não é a intenção aqui debater, pormenorizadamente, o caso da Internacional Fascista nestas linhas, até porque esta discussão seria tema para um trabalho específico sobre o assunto. Contudo, esta experiência contribui como mais um elemento para procurar entender as relações aqui estudadas.

Dentro do Partito Nazionale Fascista, o primeiro do gênero a chegar ao poder, existiram diversas contradições e choques entre seus membros, no tocante ao debate sobre se esta experiência era apenas italiana ou se poderia ser aplicada em outros países, principalmente nos anos de 1920, quando a Itália era o único país do mundo com esse tipo de governo e movimentos deste cunho político ainda eram muitos incipientes ou inexistentes em

grande parte do Planeta. Como defende Bertonha, os aspectos gerais da doutrina fascista levaram muitos dos adeptos na Itália a acreditar que era possível que esta ideologia fosse universal. Os embates com a ala que enxergava esta como uma experiência puramente italiana se estenderam e não foram extintos (BERTONHA, 2008).

Contudo, dois importantes fatores teriam levado o regime de Mussolini a mudar sua política inicial de apenas apoiar alguns movimentos congêneres em outros países, para o de trabalhar sob a ótica da internacionalização do fascismo: a Crise de 1929, que elevou o status do fascismo para a possibilidade de uma solução global e, principalmente, a competição ideológica com a vertente alemã, ou seja, a rivalidade com um irmão de ideias. É neste contexto que surge os Comiati d’azione per l’universitalità di Roma (Caur) em 1933, o primeiro instrumento oficial de internacionalização do fascismo (BERTONHA, 2008). Os Caur tiveram seu auge em 1934 e 1935 e se desmantelaram com o próprio abandono da Itália desta experiência.

Uma série de fatores levou ao fracasso a tentativa de criação de uma Internacional Fascista, e alguns deles nos interessam de forma particular para este estudo. Primeiro, o fato desta organização e especificamente os Caur serem voltados para a divulgação do regime italiano, procurando colocar os outros Estados e movimentos a serviço de Roma, algo que não foi bem aceito por outras organizações, algumas delas ainda embrionárias. Ou seja, o espírito competitivo e a nacionalidade exacerbada, neste caso especificamente, impediram o sucesso da solidariedade. Segundo, o problema específico do Nazismo e suas especificidades nacionais que impediam uma solidariedade completa. O internacionalismo proposto pelos italianos foi motivado pelo sentimento nacional de se sobressair aos demais e foi enterrado justamente pela barreira nacionalista e pelas características particulares da vertente fascista dominante na época, no caso, o nazismo alemão.

É claro que é necessário alertar o leitor que, naquele período, além de movimentos fascistas organizados, havia já dois Estados Fascistas consolidados e lutando por maior influência no mundo, o que difere de forma cabal na comparação direta entre Integralismo e Revisionismo, que eram movimentos, em grau diferenciado de organização, e que não chegaram efetivamente ao poder. Contudo, não deixa de ser um ótimo exemplo para percebermos a relação entre o fascismo e também a diferença entre a política de Estado e a política ideológica aplicada. É possível ver diferença, mas não colocá-las em lados diametralmente separados, pois estas relações estavam, muitas vezes, tão imbricadas umas às outras que levavam a conflitos entre Estados com ideologias semelhantes, bem como atritos

com os também irmãos de ideias, por exemplo, a AIB. Nesta linha de pensamento, Bertonha afirma:

Neste contexto falar de “Realpolitik” ou “politica baseada na ideologia” como polos totalmente opostos seria equivocado e apenas confirmaria a tentativa de parte dos pensadores e políticos italianos de dissociar a política externa fascista daquela pretendida pelos tradicionais formuladores da política externa italiana, cem por cento voltados aos „interesses nacionais italianos‟, o que seria errôneo (BERTONHA, 2008, p. 92.).

Em Abril de 1935, A Offensiva, em sua coluna Semana Internacional, abre espaço para a discussão sobre a internacionalização do corporativismo em um texto intitulado “É possível uma organização corporativa internacional?” (A OFFENSIVA, 1935, p. 3)21. O texto, que segundo a publicação integralista, é um questionamento oriundo da Itália para estudiosos e intelectuais de todo mundo, observa importantes questionamentos sobre esta problemática, sem, contudo, desenvolver nenhuma delas no sentido de procurar soluções.

Ainda em 1935, o jornal A Offensiva faz alusão a mais um congresso, com representantes de cerca de 40 países – segundo a informação do jornal –, onde se tentava organizar essa irmandade ideológica. Mais uma vez fica evidente o grau das relações entre os movimentos fascistas e destes movimentos com os Estados que possuíam o fascismo no poder. Desta vez não era o modelo italiano o principal a ser divulgado, mas sim o alemão: “De mais a mais é preciso salientar que esta reunião scientifica applicou e reconheceu repetidas vezes em sentido positivo os themas expostos pelo chanceller alemão [Adolf Hitler]” (A OFFENSIVA, 1935, capa)22. Ficou claro também, a descrença na construção de uma organização internacional pela delegação francesa neste encontro.

Contudo, Bertonha ressalta que a Alemanha, devido a particularidades daquele país, nunca tentou efetivamente criar uma organização internacional que reunisse os movimentos congêneres no mundo: “A pretensão do domínio total excluía a priori a ideia da universalidade, a não ser aquela restrita à raça ariana” (BERTONHA, 2008, p. 91). Neste sentido, essa tentativa também naufragou.

Em ambos os casos, as particularidades de cada experiência, diretamente vinculadas aos interesses nacionais de cada grupo ou país, fez naufragar qualquer grande possibilidade de construção de uma solidariedade através de uma organização internacional. Estas particularidades desta vertente política, tão diferentes do conservadorismo, do liberalismo e

21

É possível uma organização corporativa internacional? A Offensiva, ano 1, nº 47, 6 de Abril de 1935, p. 3. 22 A Internacional Fascista. A Offensiva, ano 2, nº 71, 21 de setembro de 1935, capa.

do socialismo, dificultavam a relação entre as experiências nacionais espalhadas pelo globo, como ressalta de forma cética, Robert Paxton:

Cada movimento nacional fascista dá expressão plena a seu próprio particularismo cultural. Diferentemente dos outros “ismos”, não é um produto de exportação: cada movimento guarda ciumentemente sua receita de renascimento nacional, e os líderes fascistas parecem sentir pouco ou nenhum parentesco com seus primos estrangeiros. Fazer funcionar uma “internacional” fascista mostrou ser uma tarefa impossível (PAXTON, 2007, p. 44).

Contudo, apesar do fracasso na articulação de uma Internacional Fascista pelos motivos táticos apresentados, cabe ressaltar que isso não impediu a solidariedade entre movimentos e Estados fascistas durante os anos de 1930, principalmente quando analisamos a luta contra um inimigo em comum: o comunismo. Assim, o caso da Internacional Fascista contribui para esta pesquisa no sentido de demonstrar o quanto o nacionalismo pode ser uma barreira nas relações entre estes movimentos, entretanto, não elimina de forma alguma a hipótese de aproximação e solidariedade entre estes movimentos.

3.2 A análise das relações entre a Ação Integralista Brasileira e a Acción Revisionista del