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CAPÍTULO 3: TOINHO DO BAR: QUANDO A ASSISTÊNCIA AO “MEU POVO

II- O problema de um passado ditatorial e uma “semidemocracia”

O passado ditatorial de uma determinada sociedade torna ainda mais complicado a consolidação de uma cultura política mais democrática. Diante dessa afirmação, verifica-se que, por mais que uma sociedade seja economicamente desenvolvida, ela não necessariamente, deverá ter sua democracia consolidada. O mais provável a acontecer é que uma sociedade já democrática siga mais rapidamente no caminho do desenvolvimento econômico ou vice-versa.

Na América Latina e, principalmente no Brasil, enfrentamos desigualdades sociais, corrupção e ineficiente gestão nas instituições políticas, governos principalmente. Todos esses elementos dentro de uma realidade política como a nossa, fazem da nossa democracia um sistema bastante vulnerável. Embora estejamos atualmente vivendo em um estado de direito, o nosso sistema democrático defini-se como uma “semidemocracia”, algo como uma “coluna do meio” entre o fortalecimento de um sistema democrático e o retorno ao sistema ditatorial.

O Brasil segue em um sistema político híbrido entre o autoritarismo e a democracia. A semidemocracia é exatamente onde os elementos democráticos e autoritários convivem,

caracterizada pela aceitação da sociedade em conviver pacificamente com procedimentos eleitorais e “restos autoritários” da ditadura. Esses “restos autoritários” exemplificam-se nas milícias, já citadas anteriormente, que garantem a “segurança” quando as instituições do Estado descumprem esse papel, e no fato de as Forças Armadas irem às ruas no dia do pleito, como visto em Lagoa de Roça no ano de 2008, quando soldados do exército guardavam as urnas que se encontravam instaladas nos colégios municipais e estaduais e outros prédios públicos. Em uma democracia onde as urnas devem guardar as armas, assistimos exatamente as armas garantirem o evento das eleições.

O Brasil, ainda segue em transição para uma democracia sólida. Substituímos as normas, leis e instituições de características autoritárias por outras de características democráticas como, por exemplo, as eleições. A eleição é condição necessária, mas insuficiente para se ter democracia. A nossa realidade política somada as ações pouco republicanas efetuadas tanto em gestões quanto em eventos de eleições, nos distanciam cada vez mais de viver uma democracia mais efetiva. E um exemplo claro disso foi a eleição de 2000 em Lagoa de Roça, na qual se utilizou pela primeira vez um procedimento de urnas eletrônicas, e no entanto terminou-se as campanhas com um candidato morto.

Toda essa discussão sobre como entendemos e vivenciamos a democracia em nosso país chama a atenção para o jeito de se fazer política até hoje em Lagoa de Roça. Com um histórico pautado na ação de políticos com práticas coronelísticas somado a uma mentalidade política autoritária e uma visão distorcida do que realmente é democracia, a sociedade lagoarrocence também segue problemática em suas atitudes quando se trata de eleições.

Compra de votos, ameaças de demissões, promessas de cargos (e também de empregos), boicotes em eventos de adversários, destruição de materiais de campanha, brigas de rua, em rádio e redes sociais, são exemplos de ações comuns nos eventos políticos de Lagoa de Roça. O eleitor se torna desonesto consigo mesmo quando escolhe seu candidato não pelo seu histórico político, o que já realizou pelo município ou suas propostas, mas sim pelo quanto ele está “pagando” por esse voto. Um eleitor ainda em pleno século 21 vale um milheiro de tijolos, um telhado de uma casa ou a madeira desta, uma consulta médica, caixas do remédio, enfim, necessidades básicas, e em alguns casos nem tão básicas assim, pois há quem coloque como preço de um voto os ingressos para um show do Zezé de Camargo e Luciano ou outro artista regional qualquer.

Utilizamos de procedimentos democráticos, mas não somos democráticos. Até chegar à tecnológica urna eletrônica, altamente segura, salvo as controvérsias e desconfianças

de muitos, o tão valioso voto passa por inúmeras negociações pouco republicanas, que deixam a sua condição de “voto consciente” em último ou nenhum plano na mentalidade do eleitor lagoarrocence. Há também os casos atípicos de “estratégia de diminuição do coeficiente eleitoral”, que se trata de uma espécie de compra, não do voto, mas sim da ausência deste. Esse tipo de estratégia consiste em diminuir a quantidade de votos do adversário para ultrapassá-lo na contagem de votos vencendo-o no pleito. Para que a estratégia de diminuição do coeficiente eleitoral funcione, como já afirmado, há uma “compra” em relação ao voto. Os votos “demovidos” do candidato adversário foram “comprados”. Porém, os mesmos não serão direcionados a quem os “compra”. Na realidade, o eleitor recebe uma pequena quantia em dinheiro para exatamente “não votar em ninguém” no pleito. E qual seria a serventia desse tipo de estratégia? Baixar o coeficiente eleitoral nas eleições para aumentar a chance de um determinado candidato de baixa legenda se eleger.

No pleito de 2012, segundo o que afirma a população e os adversários, a vitória da candidata Socorro Cardoso para prefeita foi favorecida por certa distribuição de dinheiro, as chamadas “onças” (notas de cinquenta reais), em grande parte da zona rural do município um dia antes do pleito, “convencendo” assim muitos eleitores votantes nos candidatos adversários Lúcio Flávio e Filipe Freire a ficarem em casa. Não há provas concretas de que realmente houve essa injeção de dinheiro na zona rural. Porém, a estratégia relatada nesta ação foi a de garantir a ausência no pleito dos eleitores do adversário, ao mesmo tempo em que se garantia a forte presença de eleitores do PMDB, baixando então o coeficiente eleitoral do adversário para facilitar numericamente a superação e a vitória em cima dele. Diante de tais exemplos percebe-se que, por mais que defendamos a democracia, não somos tão democráticos assim.