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6. A arbitragem tributária

6.2. O problema do acesso à justiça arbitral

Pese embora as óbvias vantagens apontadas, é indesmentível que a instituição da

arbitragem em matéria tributária suscitou igualmente inúmeras dúvidas,

nomeadamente quanto à legitimação, por exemplo em face da coexistência entre uma

jurisdição pública – lenta – e uma jurisdição privada, arbitral, e rápida, mas somente

ao alcance de alguns.

De facto, deve registar-se que as taxas de justiça são 50% mais elevadas em relação

às da jurisdição estadual e não existe previsão da concessão de apoio judiciário.

Por outro lado, inexiste também previsão para a limitação da taxa de justiça nos

processos de valor muito elevado, em termos similares aos previstos no nº 7 do art. 6º

do Regulamento das Custas Processuais, norma cujo equivalente constava já do

anterior Código das Custas Judiciais, que dispõe:

7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à

complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Igualmente, inexiste norma de remissão no Regulamento de Custas nos Processos de

Arbitragem Tributária que permita, sem margem para dúvidas, a aplicação das

normas do Regulamento das Custas Processuais a título supletivo.

Efectivamente, a jurisdição arbitral só pode decidir causas com valor até 10 milhões

de euros (cfr. nº 1 do art. 3º da Portaria de Vinculação), mas é certo que tal valor já

resulta num montante de taxa de justiça (€ 123.930,00) que será exorbitante para uma

qualquer situação padrão, mesmo que uma liquidação desse valor somente seja

compaginável em caso de contribuintes com elevada capacidade contributiva.

Acresce que nem sempre o valor da liquidação será o valor do processo.

Nos termos do art. 97º-A do CPPT, o valor do processo poderá não corresponder ao

da liquidação. De facto, o nº 1 dispõe:

«Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;

c) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;»

Ora, no caso de não existir liquidação, em virtude, por exemplo, de a correcção

impugnada haver dado lugar somente à correcção de prejuízos fiscais dedutíveis, não

havendo lugar a liquidação adicional, o valor da causa será o da matéria tributável

que foi objecto de correcção.

Em tal caso, será ainda mais divergente a capacidade financeira real da impugnante

em relação à capacidade financeira porventura idealizada pelo legislador, mas que

será efectivamente necessária à promoção da discussão da matéria na jurisdição

arbitral.

Tal circunstância suscitou preocupações ao nível da jurisdição estadual, invocando-

se que o aumento do valor da taxa estritamente em termos ad valorem, isto é,

simplesmente em função do valor do processo - sem atenção a qualquer tecto

máximo - pode originar constrangimentos inadmissíveis dificilmente compagináveis

com a garantia constitucional do acesso ao Direito.

Há que não ignorar o facto, igualmente, de que a Administração Tributária se

encontra vinculada a esta jurisdição arbitral, em termos de o contribuinte poder optar

por ela, desde que no âmbito de questões delimitadas nos termos das normas legais, o

RJAT, e das normas constantes da designada Portaria de Vinculação.

Ora, nos casos em que o contribuinte opta por nomear árbitro, mesmo obtendo ganho

de causa, terá de suportar a taxa de arbitragem, conforme decorre do disposto no art.

5º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Sem prejuízo, no caso de árbitro designado pelo Conselho Deontológico, e que são a

grande maioria, nos processos em que decaia, a AT terá de suportar um valor de taxa

de justiça mais oneroso do que na jurisdição estadual, sendo certo que nunca pode

transigir, fruto da indisponibilidade do crédito tributário, nem pode deixar de litigar

em defesa da interpretação da legalidade sufragada pelos órgãos dirigentes da

estrutura.

Tudo ponderado, deveria ser introduzida uma cláusula de limitação de custas

semelhante à existente no âmbito da justiça pública. É certo que, nesse âmbito, não

existem as preocupações de rendibilidade que existirão por certo numa instituição

privada, mas há que dar preponderância ao carácter público e de soberania da

actividade exercida: a administração da justiça tributária.

Ter-se-á, por certo, que estabelecer um equilíbrio tendencial entre o serviço público

prestado – a administração da justiça – e o preço público cobrado por este serviço – o

valor da taxa. Mas não é imediato que este equilíbrio se consiga pela simples

proporção matemática entre o valor do processo e o valor da taxa de justiça, antes há-

de ter em atenção outros considerandos.

Certamente atendendo a estas preocupações, a norma da segunda parte do nº 7 do art

6º do RCP estabelece a citada ressalva de possibilidade de dispensa do remanescente.

Digna de menção, apesar de respeitante à legislação anteriormente vigente, é a

jurisprudência do STA que tem considerado resultar tal limitação de uma leitura

conforme com a lei e com a Constituição. Nomeadamente, o Acórdão do STA,

proferido no processo 863/09 em 14-10-2009, no qual se considerou que

sempre haveria de se introduzir um elemento de moderação neste sistema de crescimento ilimitado do montante da taxa de justiça em função do valor da causa, sob pena de violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais (v. acórdão deste STA de 11/04/2007, no recurso 1031/06, e acórdão do TC de 20/02/2008, no recurso 116/08).

É que, como se refere no acórdão do TC citado, a inexistência de um tecto máximo a atender para efeitos de fixação da taxa de justiça e, consequentemente, a inexistência de um limite máximo para as custas a pagar, põe em causa o equilíbrio (adequação) que tem de existir entre os dois binómios a considerar por força do princípio da proporcionalidade: exigência de pagamento de taxa versus serviço de administração de justiça.

Além do citado, pode consultar-se, no mesmo sentido, o Acórdão do STA de 14-09-

2011, tirado no proc. 535/11, de cujo sumário consta que

[u]ma interpretação da norma constante do artigo 73.º-B do CCJ de que resulte a fixação de um montante de taxa de justiça do processo judicial tributário sem limite máximo é inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade.

Da respectiva fundamentação consta ainda a referência a jurisprudência reiterada das

jurisdições constitucional e administrativa: «cfr. acórdãos do TC n.ºs 227/2007, de

28/3/07, e 116/2008, de 20/2/08; e do STA de 11/4/2007 e de 14/10/2009, proferidos

nos recursos n.ºs 1031/06 e 863/09, respectivamente».

Tais considerandos dos tribunais superiores em matéria de taxa de justiça suportada

na jurisdição estadual devem ser tidos como especialmente relevantes no âmbito da

arbitragem tributária, na qual, como já se referiu, o valor da taxa de justiça é mais

elevado e não se prevê concessão de apoio judiciário.