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3 PROGRAMA DE APOIO A PLANOS DE REESTRUTURAÇÃO E EXPANSÃO

3.1 A INFLUÊNCIA DO PROCE SSO DE BOLONHA E DA “UNIVERSIDADE

3.1.1 O Processo de Bolonha: uma tentativa de unificar o sistema europeu

No atual cenário de globalização, a internacionalização da educação também aparece com uma nova perspectiva, ou seja, o entendimento de que a educação é um serviço, e deve ser vista como uma mercadoria, devendo ser regulada pelo mercado, o que leva a educação a perder a sua dimensão de direito humano, portanto, universal e de responsabilidade do Estado. Essa visão é defendida pela Organização Mundial de Comércio (OMC) que, em 1995, no âmbito do Acordo Geral de Comércio de Serviços, apresentou uma proposta de inclusão da educação como serviço.

De acordo com Silva, Gonzalez e Brugier (2008), foram estabelecidos pela OMC quatro campos em que se poderiam proceder à internacionalização dos serviços educacionais: a) oferta transfronteiriça – quando o serviço cruza a fronteira, saindo de um país para ser consumido em outro; b) consumo no exterior – situação em que o consumidor cruza a fronteira, representando a forma mais comum de comércio na educação, incluindo a migração de estudantes, professores, pesquisadores, interessados em participar de cursos de curta ou longa duração, cursos a distância e franquias de cursos; c) presença comercial – caso em que o fornecedor cruza a fronteira estabelecendo-se e investindo em país estrangeiro; e d) movimento temporário de pessoas físicas – quando o fornecedor cruza a fronteira na forma de um deslocamento de pessoas físicas, configurando-se como o deslocamento de professores e outros profissionais da área de educação, na condição de palestrantes, professor visitante, pesquisador e consultor.

A internacionalização da educação superior configura-se, dessa forma, com uma das tendências que tem despertado um extraordinário interesse dos diversos países na década de 1990, porque, nessa dinâmica, a educação, em seus vários níveis e modalidades, passa a ser considerada um serviço internacional possível de ser comercializado como um bem de mercado.

A Comunidade Europeia, buscando a sua inserção nesse processo de internacionalização, e, vislumbrando o rentável comércio que poderia advir dos serviços educacionais, empreendeu uma iniciativa pioneira no sentido de criar um espaço educacional comum e revitalizar a educação superior. Dessa forma, os ministros de Educação da França, Alemanha, Itália e Reino Unido, reunidos no ano de 1998, em Paris, tendo como pressuposto o atendimento aos requisitos de uma sociedade em mudança, assinaram a “Declaração de Sorbonne”, momento em que já se projetava a construção de um Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES).

Havia a necessidade de reestruturar a educação superior em face da exigência de integração dessas instituições históricas ao novo projeto econômico e desafiador imposto, especialmente pelos Estados Unidos e Japão, com suas redes tecnológicas sofisticadas que dão base à economia mundial. Um ano mais tarde se celebra uma reunião em Bolonha (Itália) onde se aprova a Declaração de Bolonha que dá nome ao processo de reforma do sistema educativo na Europa.

Em um contexto de intensificação dos processos globalizantes, com diversas repercussões na estrutura dos sistemas de ensino e consequente formação dos

quadros profissionais, se instaurou com proporções continentais o denominado processo de Bolonha. Esse movimento, desencadeado na Europa, tem grande importância na atual discussão sobre as várias reformas, que, partindo do contexto de crise e mudanças no âmbito global, incidem diretamente nas políticas educacionais. O acordo de Bolonha, assinado inicialmente por 29 países, pretendeu criar um Espaço Europeu de Educação Superior mediante a compatibilização de currículos, sistemas de créditos, acesso e certificação, favorecendo a mobilidade dos estudantes e promovendo a competitividade entre as instituições em toda a Europa. Como fruto da lógica de “modernização”, é a estratégia do mercado para incrementar seus benefícios e dessa forma submeter a educação superior às necessidades do capital, favorecendo a hegemonia do sistema capitalista nesse processo.

A Declaração de Bolonha (19 de julho de 1999), sinteticamente, tinha inicialmente, seis objetivos e uma consecução prevista até 2010: (i) Adoção de um sistema de graus de acessível leitura e comparação, também pela implementação do Suplemento ao Diploma, para promover entre cidadãos europeus a empregabilidade e a competitividade internacional do sistema europeu de Ensino Superior; (ii) Adoção de um sistema essencialmente baseado em dois ciclos principais, o graduado e o pós-graduado; (iii) Estabelecimento de um sistema de créditos – como por exemplo, no sistema ECTS (European Credit Transfer System, como se sabe já desenvolvido no quadro do Programa Erasmus/Sócrates) – como um correto meio para promover a mobilidade mais alargada dos estudantes; (iv) Promoção da mobilidade, ultrapassando obstáculos ao efetivo exercício da livre mobilidade, aos estudantes, aos professores aos investigadores e pessoal administrativo; (v) Promoção da cooperação europeia na avaliação da qualidade com vistas a desenvolver critérios e metodologias comparáveis; (vi) Promoção das necessárias dimensões europeias do Ensino Superior (CACHAPUZ, 2011).

Na expectativa de ampliação dos objetivos da política comunitária, o Processo de Bolonha tinha como prioridade a construção de um Espaço Europeu do Ensino Superior que se apresentasse conexo, competitivo e com poder de atrair docentes e discentes europeus e dos demais países, de forma a promover a mobilidade destes, bem como a empregabilidade de diplomados.

A crescente dinâmica de implementação do Processo de Bolonha suscitou a realização de diversas reuniões, entre elas: a reunião de Praga (2001), na qual se

ressaltou a importância de tornar mais atrativa a educação superior para os estudantes europeus e de outras partes do mundo; o maior envolvimento dos estudantes na gestão das instituições; e a promoção da educação/aprendizagem ao longo da vida.

Em 2003, a reunião de Berlim ressaltou, dentre outras, a necessidade de uma articulação entre o Espaço Europeu de Ensino Superior e o Espaço Europeu de Investigação e dava conta de colocar em funcionamento o sistema europeu de créditos (ECTS). A reunião de Bergen (2005) teve como objetivo fazer um balanço do que se conseguiu durante cinco anos de instituído o Processo de Bolonha. Nessa reunião, foi reafirmado que o Espaço Europeu de Educação deveria estar aberto e ser atrativo para outras partes do mundo, estimulando o intercâmbio entre estudantes, profissionais e entre instituições.

Em 2007, o Comunicado de Londres apontava a necessidade de construir um espaço europeu de educação superior baseado na autonomia institucional, liberdade acadêmica e outros princípios que viessem a facilitar a mobilidade estudantil, aumentar a empregabilidade e fortalecer a atratividade e competitividade da Europa.

O comunicado de Louvaine, Bélgica (2009), sublinhou que se verificaram progressos no Processo de Bolonha e que o EEES tem sido bem desenvolvido desde a Declaração de Bolonha de 1999. Contudo, determinados objetivos devem ser plenamente concretizados e devidamente aplicados ao nível europeu, nacional e institucional. Consequentemente, o comunicado sublinhou que o Processo de Bolonha continuará depois de 2010, tendo sido estabelecidas as seguintes prioridades para a nova década: a) Proporcionar oportunidades iguais para uma educação de qualidade; b) Aumentar a participação da aprendizagem ao longo da vida; c) Promover a empregabilidade (impulsionar os estágios profissionais do programa de estudo para as demandas do mercado de trabalho); d) Desenvolver resultados de aprendizagem centrados no estudante e missões de ensino; e) Articular educação, a investigação e a inovação; f) Abrir as instituições de ensino aos fóruns internacionais; g) Aumentar as oportunidades para a mobilidade e sua qualidade (projetando, até o ano de 2020, levar 20% dos licenciados a terem um período de estudo ou estágio no estrangeiro); h) Melhorar a recolha de dados; i) Desenvolver ferramentas de transparência multidimensionais; j) Garantir o

financiamento (promover novas soluções de financiamento para complementar os gastos públicos).

A Declaração de Budapeste-Viena, realizada no ano de 2010, assinalou o final da primeira década do Processo de Bolonha e lançou, oficialmente, o Espaço Europeu do Ensino Superior (EEES), como preconizado na Declaração de Bolonha de 1999. Nessa declaração, entre outros pontos, os ministros destacam a liberdade acadêmica e a autonomia e responsalibidade das instituições de ensino superior; o papel decisivo da comunidade acadêmica (gestores, pesquisados, professores, estudantes) na efetivação do EEES; o ensino superior como responsabilidade pública, motivando assim, o papel de supervisão e regulação do Estado; a necessidade de intensificar os esforços ao nível da dimensão social (prestando especial atenção ao atendimento das minorias sub-representadas).

Igualmente, é importante dar ênfase à Estratégia de Lisboa17, que, semelhante ao Processo de Bolonha, propõe para a Europa a configuração de um espaço econômico mais dinâmico e competitivo baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento econômico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social. Tanto o Processo de Bolonha quanto a Estratégia de Lisboa foram focos de profundas ponderações, por parte das autoridades e por parte dos usuários.

Nessa perspectiva, podemos afirmar que as reflexões e avaliações em torno desses processos implementados na Europa, com o intuito de expandir e dar maior qualidade à educação de nível superior, ressaltam como prioridade o caráter econômico dessas iniciativas. Por conseguinte, se de um lado, as análises oficiais ressaltam o sucesso das estratégias desenvolvidas, por outro lado, as avaliações feitas pela comunidade universitária trazem fortes críticas ao Processo de Bolonha. Tais críticas recaem, particularmente, em fatores como o curto tempo de duração dos cursos, reconhecimento de créditos, a possível exclusão de estudantes não europeus, perda da qualidade, da excelência e da reputação dos sistemas educacionais de alguns países.

Apesar da recente implantação do Processo de Bolonha nos países da Europa, a reforma dos sistemas educativos, tanto no centro como na periferia, é um

17 Durante a realização do Conselho Europeu de Lisboa (2000), os Chefes de Estado lançaram

estratégias para tornar a União Europeia a economia mais competitiva do mundo e alcançar o pleno emprego até 2010. Essas estratégias estão assentes em três pilares: econômico, social e ambiental.

processo que vem se intensificando desde o final do último século como resposta às demandas do mercado. Analisando o Processo de Bolonha, e a forma como o mesmo foi instituido, Antunes (2009) admite que, estamos diante de uma forma inovadora de fazer políticas educativas, em que os governos definem os compromissos em fóruns supranacionais, ratificados pelas instituicões nacionais, que, em caráter voluntário, dão adesão legítima a ausência de processos institucionalizados. As decisões tomadas nas Conferências Ministeriais são transpostas para os sistemas educativos nacionais, corporificando o programa definido ao nível supranacional.

Relacionando as significativas reformas pelas quais vem passando os países na Europa e sua influência na reestruturação da instituição universitária, Catani e Gilioli (2011, p. 209) alertam sobre os riscos desse processo, quando afirmam que:

Durante os séculos de história das universidades europeias, elas se caracterizaram sobretudo pela diversidade organizacional. No entanto, recentemente elas vêm experimentando um processo de uniformização, tendência que culmina no chamado Processo de Bolonha. Antes representativas de uma cultura local, regional ou nacional, as universidades europeias vivem uma série de mudanças, representada por pelo menos dois eixos: retirada progressiva do papel do Estado na condução das políticas de educação superior – em favor de uma perspectiva voltada ao mercado e entendendo o ensino como serviço e objeto de consumo – e veloz internacionalização.

É importante salientar que nem todas as universidades da Europa aderiram a esse sistema de forma tão homogênea assim, em cada país, ajustes foram feitos como tentativa de resguardar as culturas nacionais e as especificidades das universidades. Segundo Lima, Azevedo e Catani (2008), essa padronização do modelo europeu entra em contradição quando um dos princípios defendidos é a competitividade, objetivando a ampliação da participação dos países na oferta do mercado educacional internacional e nesse sentido, a diferenciação e a rivalidade interinstitucional são aspectos determinantes do modelo.

O novo modelo europeu direciona os países membros a substituir a estrutura anterior por duas etapas novas: um primeiro ciclo (graduação) de três anos duração e um segundo ciclo (pós-graduação) de dois anos, ou, dependendo do país, quatro para o primeiro e um para o segundo. Analisando as mudanças propostas pelo

Processo de Bolonha, verificamos que vai se configurando uma nova arquitetura nos sistemas educativos europeus de ensino superior. No entendimento de García, Alonso e Crespo (2006), uma das primeiras e maiores mudanças refere-se à reformulação dos sistemas educativos, que, à margem de uma harmonização entre os diferentes países, se baseiam nos critérios de redução do tempo de formação, maior fragmentação dos conhecimentos e a adequação da formação às novas exigências do mundo do trabalho.

Com esse objetivo, uma das principais características das graduações passa a ser sua suposta capacidade de “garantir a empregabilidade do titulado”. Para isso, cada disciplina tem de demonstrar a inserção de uma determinada porcentagem de alunos ao mercado de trabalho, assim como uma demanda social suficiente para sua permanência na instituição. Desse modo, aquelas profissões que não têm uma saída profissional imediata, tais como antropologia, filosofia e história, serão menos solicitadas pelos estudantes e em um período reduzido de tempo tenderão a desaparecer.

A pós-graduação fornece os diplomas para a especialização do estudante que, em teoria, outorgariam a formação acadêmica e profissional necessária para adentrar de maneira privilegiada no mundo do trabalho. Esses estudos se dividem em dois ciclos (mestrados e doutorado) cujo acesso depende da consecução prévia de um grau ou outro título equivalente.

No entanto, esse filtro representa uma clara adaptação às demandas produtivas de um mercado que só precisa de uma quantidade determinada de técnicos e pesquisadores qualificados frente a uma grande quantidade de estudantes que deveriam desenvolver, apenas, competências gerais e espírito de empresa (que seriam assim rapidamente absorvidos em trabalhos precários e desqualificados). Em conclusiva, destacando os perigos que esconde a implementação das diretrizes oriundas do acordo de Bolonha, Catani e Gilioli (2011, p. 222) ressaltam que:

Ao invés de (re)aproximar a universidade de sua função humanística e de seu caráter de instituição que permite o contraditório, o pensamento plural e a proposição de possíveis novos caminhos para os desafios sociais de nossa época, o Processo de Bolonha parece tender a aproximar a educação superior, conforme se pode ler em vários analistas, da imitação das regras e regulações do livre mercado, entendido como paradigma de eficiência, desenvolvimento e combate ao suposto inchaço da presença do Estado na sociedade.

O processo de Bolonha adquire cada vez mais importância no cenário europeu. Na atualidade, são signatários desse pacto 45 estados que assumiram a realização de reformas em seus sistemas de ensino superior com o objetivo de torná-los mais eficientes e competitivos. Inicialmente, essas reformas versaram sobre questões relativas às bolsas, às condições de vida dos estudantes e docentes, às formas de acesso, e reorganização curricular, para dar uma certa homogeneidade aos cursos e permitir a mobilidade dos estudantes. Todos esses aspectos tinham uma complexidade específica, uma vez que os países signatários do pacto têm realidades econômicas e sociais muito distintas.

Na avaliação de Faria e Maia (2012), alguns países conseguiram avançar em vários aspectos da reforma, mas existe ainda um longo caminho a percorrer para que eles atinjam o objetivo de criar um espaço europeu de ensino superior. Muitos professores universitários afirmam estarem “pouco informados” sobre tal processo, apenas um terço das universidades europeias designaram responsáveis pelo acompanhamento da concretização dos pressupostos da Declaração de Bolonha e, além disso, os investimentos estatais nesse setor diferem consideravelmente entre os países.

3.1.2 A Universidade Nova do Brasil: uma nova alternativa de organização para