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O processo de negociação para a designação do trabalho da profissional

Este item fará uma busca no processo de aceitação da profissional Ana para o trabalho com a Educação Especial, mais precisamente com o autismo.

Reconhecemos que todo ser humano, assim como todos os profissionais, assume posturas e condutas diversas que, por vezes, são refletidas em seus processos históricos, sociais, culturais e políticos.

Ana é formada em Letras, professora efetiva da rede municipal de ensino de Nova Venécia. Trabalha há 20 anos como professora.60 Nos anos de 2010 e 2011, atuou como professora de Língua Portuguesa na escola de Elton e lecionou na turma desse aluno. No ano de 2011, foi surpreendida com o diagnóstico do filho de três anos de idade: “espectro autista”.61

Essa mãe que ao mesmo tempo se constituía como professora começou por buscas incessantes de materiais para trabalhar com o filho em casa. Contatou famílias com a mesma situação que a dela, com o objetivo de pensar em possibilidades de trabalho, tanto no que se refere ao aspecto pedagógico quanto ao clínico.

Com essa busca, a professora, que supostamente não tinha uma formação continuada para trabalhar com as questões da Educação Especial, em consequência, com autismo, começa a disseminar seus conhecimentos na escola de Elton como professora de Língua Portuguesa.

Com todo esse esforço, ao final do ano de 2011, a então professora de Português62 solicita à Equipe de Educação Especial sua atuação como professora em bidocência na sala de Elton. Para Ana, ela estaria desempenhando um trabalho de investigação para auxiliar na atuação com o filho e, em contrapartida, desenvolveria uma atividade com fundamentação que talvez professores de anos anteriores não conseguissem efetivar com sucesso.

Em consequência da questão anunciada, a Equipe de Educação Especial aceita a proposta, pois acredita que

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Inicia sua carreira como professora ainda muito jovem.

61 Esse diagnóstico não está fechado, mas a neuropediatra esclareceu que o menino estava dentro do

quadro de “espectro autista”.

62

De acordo com as normas para o exercício dos profissionais em bidocência nos anos finais do ensino fundamental, é aberta a inscrição para professores formados em qualquer licenciatura.

[...] a professora vem desempenhando um trabalho interessante como professora de Português e, além disso, ela sabe o que uma pessoa com autismo precisa e as necessidades dela [...]. A outra questão é que, com o comprometimento de Elton, as pessoas apresentam um pouco de resistência. Ela foi diferente, ela QUIS o Elton [...]. Pensamos como uma experiência, não sabemos se isso será positivo (COORDENADORA DA EQUIPE DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, 6-9-2012).

Tal situação se constitui como uma complexidade, pois a identidade da professora estava sendo influenciada pela identidade da mãe, ou seria o contrário? Com essa dúvida, começamos a observar e nos implicar com os movimentos entre professores regentes e os em bidocência, professores regentes e alunos (incluindo Elton), professor em bidocência e alunos, professores e supervisor, professores da sala de Elton e professora da SRM em favor da garantia do direito à Educação.

Entendemos que, como mencionado, os laços afetivos influenciam e/ou mudam um contexto. Assim, apostamos na possibilidade da “solicitude”, como sinaliza Meirieu (2002). Quando o autor discorre sobre o ser afetado, não tem a ver com emoção/sentimento, mas significa ser afetado/movido pelo/com o outro: eu afeto o outro e simultaneamente sou afetado. Nessa relação, entendemos que Ana, de certa maneira, sentia-se afetada com os processos de aprendizagem de Elton, mas acreditamos que o aluno precisava sentir-se afetado pelos outros profissionais da escola, não como autista, mas como aluno.

Zuqui (2013), ao analisar uma situação semelhante, de um aluno autista com um professor de Matemática que tinha um filho na mesma situação, concluí que essa questão é extremamente complexa. Ser pai de uma criança com autismo pode vir a “emperrar” alguns movimentos de ser professor de um aluno com a mesma demanda.

Assim como a autora, acreditamos que comparece não somente a questão da ética profissional, mas a implicação vai além. Em outras palavras, os processos pessoais desse profissional são visitados a todo o momento quando ele trabalha com o aluno.

A experiência elucidada por Zuqui (2013) se constituía no fato de o professor elevar a identidade de autismo do aluno, de maneira desconfortável para ele e, também,

para os demais colegas da turma. Em nossa pesquisa, a situação da professora em bidocência não se constituía dessa maneira, ao contrário, o aluno era visto como potente, Ana “apostava” em Elton, e isso é um início interessante para qualquer professor, quando medeia conhecimento com os alunos.

Talvez o fato de entender que seu filho pudesse realizar algumas ações que Elton desempenhava, implicava um tempo maior de aceitação. A principal questão, naquele momento, configurava-se em entender que os caminhos e as demandas de cada aluno, mesmo com um diagnóstico semelhante, poderão ser muito variados.

Em alguns momentos, percebíamos, na fala de Ana, que essa ideia estava pulsando, mas, em outras situações, era como se a dúvida, a influência da experiência com o filho ofuscasse, de certa maneira, o saber-fazer. Na situação abaixo, narramos essas duas ideias.

Relato 1

Ana: [...] está vendo, todo mundo está trabalhando verbo transitivo direto e indireto; estou trabalhando com ele a construção de frases [Ana fazia esse trabalho a partir de figuras]. Antes ele olhava para uma figura desta [mostrou uma com um jarro em cima da geladeira] e ele dizia: ‘geladeira’, ou em outro dia: ‘jarro’. Assim ele está construindo. Às vezes eu preciso dar indicativos para ele falar a frase (DIÁRIO DE CAMPO, 26-9-2012).

Relato 2

Durante o recreio, perguntei a Ana porque ela não trabalhava com as palavras a partir do texto. Mesmo que ele apresenta uma fissura por algo a cada dia, no dia em que Elton ecolalicamente pedisse por brigadeiro, morango, amendoim, ao invés de apresentar a palavra solta, trabalhar para que ele identificasse a mesma no texto. A partir da minha fala, Ana expõe:

Ana: Não acredito nessa perspectiva de trabalho PARA Elton. Penso que deve ser um trabalho desde a educação infantil. Ele não verá sentido [...].

Pesquisadora: Concordo Ana. Se constitui em um trabalho a ser provocado desde a educação infantil, mas, Elton precisa aprender esse processo que foi, de certa maneira, excluído do seu processo de escolarização (DIÁRIO DE CAMPO, 26-9-2012).

A partir dos relatos acima, acreditamos que a profissional Ana fez/faz movimentos interessantes na escola, por buscar conhecimentos que auxiliem a escola a ter um outro olhar para cada aluno, mas entendemos que, para o momento em que a

profissional se encontrava, por conta da situação familiar, trabalhar diretamente com Elton implicava, de certa maneira, um maior envolvimento.

Com os fatos evidenciados, acreditamos que o emocional refletia em sua forma de ensinar ao aluno. Isso se torna visível no relato 2. Entretanto, a profissional fazia movimentos que, nos anos anteriores, somos levada a entender que não aconteciam. Ainda pensando no profissionalismo de Ana, é inegável que todas as suas práticas e/ou discussões que, ao nosso olhar, precisavam avançar, se apresentavam como tentativas.

Nossas intenções não se constituem em colocar um profissional na balança, como certo ou errado, mas sim em dizer das possibilidades e tensões que muitas vezes podem ser superadas, pois, se acreditamos em “[...] uma escola inclusiva, precisamos pensar com o outro, precisamos de um constante e longo processo de reflexão-ação- crítica dos profissionais [...]” (JESUS, 2006, p. 206), e com eles.

A partir das problematizações colocadas, emerge, então, a necessidade de entender como são organizadas as práticas pedagógicas dessa escola. Compreender também como se permeia o diálogo dos diferentes profissionais da escola com seus diversos conhecimentos. Isso tornou uma necessidade para compreendermos os processos ensino-aprendizagem de Elton.