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CAPÍTULO 1 A REFORMA PROTESTANTE E A INOVAÇÃO

1.4 O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO E DE CONTRASECULARIZAÇÃO

Apesar de Weber (1905, 1998) defender a diminuição da religião na sociedade, este autor também ressaltou que algumas religiões são mais secularizadas do que outras. A eliminação da “magia” do mundo faz parte do processo histórico das religiões. A racionalização do mundo e a eliminação da magia foram consideradas mais importantes para os protestantes do que para os católicos. A salvação protestante estava ligada à racionalidade e às atividades práticas mundanas, enquanto a salvação do católico estava ligada aos aspectos mágicos na visão deste autor. O puritano rejeitava até os sinais de cerimônia religiosa dos enterros para evitar qualquer tipo de superstição ou confiança nas forças mágicas e sacramentais de salvação.

A racionalização do mundo e a eliminação da magia como um meio de salvação não foi levada tão longe pelos católicos como o foi pelos puritanos (e antes deles pelos judeus). Para o católico, a absolvição da sua Igreja era a compensação para as suas próprias imperfeições. O sacerdote era um mágico que fazia o milagre da transubstanciação e que tinha em suas mãos as chaves da vida eterna. Ás pessoas podiam a ele recorrer na aflição e penitência. Ele distribuía redenção, esperança de graça, certeza de perdão, garantindo assim o relaxamento daquela tremenda tensão à qual o calvinista estava condenado por um destino inexorável que não admitia

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mitigação. Para ele não existiam tais confortos humanos e amigáveis... Na prática, isto significa que Deus ajuda a quem ajuda a si mesmo. Assim, o calvinista, como às vezes se diz, criava por si a própria salvação ou, como seria mais correto, a convicção disso. Mas esta salvação não poderia, como no Catolicismo, consistir em um gradual acúmulo de boas ações individuais para crédito pessoal, e sim num autocontrole sistemático que a qualquer momento se defrontaria com a alternativa inexorável – escolhido ou condenado. E isto nos leva a um ponto muito importante de nossa investigação...Só uma vida constantemente guiada pela reflexão poderia conseguir sobrepujar o estado de natureza. O cogito ergo sum de Descartes foi reassumido pelos puritanos contemporâneos com esta reinterpretação ética. Foi esta racionalização que deu à fé reformada sua tendência peculiar ao ascetismo, e é a base tanto do relacionamento como do conflito com o Catolicismo; naturalmente, coisas similares não eram desconhecidas por este último....Mas no curso de seu desenvolvimento, o calvinismo acrescentou algo de positivo a isso tudo, ou seja a idéia de comprovar a fé do indivíduo pelas atividades seculares.” Dessa maneira, forneceu, para grupos maiores de pessoas com inclinação religiosa, um incentivo positivo para o ascetismo. Ao fundamentar sua ética na doutrina da predestinação, ele substituiu a aristocracia espiritual dos monges, desligada do mundo e superior a ele, pela aristocracia espiritual dos santos predestinados de Deus no mundo... O processo de santificação da vida poderia, pois, assumir quase o caráter de uma empresa de negócios (WEBER, 1905, 1998, p. 51- 56).

Segundo Berger (2000) a teoria da secularização defende a simples idéia que a modernização leva necessariamente a um declínio da religião, tanto na sociedade como na mentalidade das pessoas. Além do mais, esta teoria incentivou também o debate conflituoso ou adaptativo entre o moderno e o tradicional:

A tese de que a modernidade leva necessariamente ao declínio da religião é, em princípio, “valorativamente neutra”; isto é, pode ser afirmada tanto por aqueles que acham que isso é bom quanto por aqueles que acham que é muito ruim. A maioria dos pensadores do Iluminismo e a maioria das pessoas de espírito progressista desde então tenderam a pensar que a secularização é positiva, pelo menos na medida em que elimina fenômenos religiosos “atrasados”, “supersticiosos” ou “reacionários” (o resíduo religioso expurgado dessas características negativas ainda pode ser considerado aceitável). Mas pessoas religiosas, inclusive aquelas com crenças muito tradicionais ou ortodoxas, também salientam o vínculo entre modernidade e secularização, e o lamentam profundamente. Então, alguns erigiram a modernidade como inimiga a ser combatido sempre que possível. Ao contrário, outros vêem a modernidade como uma espécie de visão de mundo invencível à qual crenças e práticas religiosas devem adaptar-se. Em outras palavras, rejeição e adaptação são duas estratégias possíveis para as comunidades religiosas em um mundo visto como secularizado. Como sempre ocorre quando estratégias fundam-se em percepções errôneas do terreno, ambas estratégias têm apresentado resultados muito duvidosos(BERGER, 2000, p. 10-11).

36 Para Berger (2000), os ressurgimentos de diversos movimentos religiosos diferem em sua relação com a modernidade. Enquanto a religião islâmica tende fortemente a uma visão negativa da modernidade, a ressurreição evangélica é positivamente modernizadora.

Os novos evangélicos deixam de lado muitas das tradições que têm sido obstáculos à modernização, como o machismo, e também a obediência subserviente à hierarquia, que tem sido endêmica no catolicismo ibérico. Suas igrejas estimulam valores e modelos de comportamento que contribuem para a modernização. Para citar apenas um exemplo importante: para participar plenamente da vida de sua congregação, os evangélicos vão querer ler a Bíblia; sua vontade de ler a Bíblia estimula a alfabetização, e para, além disso, uma atitude positiva em relação à educação e ao progresso individual. Também vão querer participar das discussões sobre assuntos da congregação, já que esses assuntos estão em grande parte nas mãos de leigos (aliás, em grande parte nas mãos das mulheres); essa gestão das igrejas pelos leigos exige habilitação em assuntos administrativos, como dirigir reuniões e cuidar das contas. Não é ilusório achar que, nesse sentido, as congregações evangélicas servem – inadvertidamente, claro – como escolas de democracia e de mobilidade social. (BERGER, 2000, p. 10-11)

Berger (2000) defende que a modernização teve alguns efeitos secularizantes, mas provocou o surgimento de poderosos movimentos de contrasecularização. Apesar das instituições religiosas perderem poder e influência em muitas sociedades, as suas práticas e crenças permaneceram na vida das pessoas assumindo novas formas institucionais. Inglehart e Norris (2004) concordam com Berger que a religião não desapareceu do mundo e nem vai desaparecer, mas discordam quando defende que também não pode desconsiderar o conceito de secularização. Para os autores, a secularização seria uma tendência, não uma lei de ferro. A teoria da secularização deveria ser revisada e rejeitá-la totalmente seria um grande erro porque ela estaria correta em alguns aspectos importantes.

Inglehart e Norris (2004) revisaram o conceito de secularização e enfatizam que as pessoas possuem um senso de segurança existencial. Os autores mostram que o processo de secularização ocorreu mais claramente entre os setores mais

37 prósperos da sociedade. A importância da religiosidade persiste mais forte entre populações vulneráveis, especialmente naquelas que vivem em países ou regiões mais pobres. A vulnerabilidade a riscos físicos, sociais e pessoais é um fator chave que conduz à religiosidade. À exceção dos Estados Unidos e da Irlanda, os relatórios oficiais da igreja apontam a drástica redução de freqüência dos cultos de sábado em todos os países ricos pós-industriais. Weber (1905) também observou, que tanto na França católica como na Alemanha protestante, as camadas superiores de sua sociedade eram indiferentes a religião.

A religiosidade nas nações pós-industriais destaca um contraste entre dois extremos. Por um lado estaria os países mais seculares incluindo a França, a Dinamarca e a Inglaterra, de outro estariam os casos desviantes com o aumento da tradição, os Estados Unidos, a Irlanda e a Itália. Apesar dos padrões divergentes, uma das razões para o declínio na participação religiosa durante o século XX reside no fato de que, durante esses anos, muitas crenças espirituais comuns sofreram consideráveis baixas nas sociedades pós-industriais.

Inglehart e Norris (2004) acompanharam as tendências nas crenças religiosas em Deus e na vida após a morte durante mais de cinqüenta anos anteriores a 2004.6 A pesquisa mostrou que em 1947, oito em cada dez pessoas acreditava em Deus. Os mais altos níveis de convicção foram encontrados na Austrália, no Canadá, nos Estados Unidos e no Brasil. Os modelos de regressão demonstram que uma queda na fé em Deus ocorreu em todas as nações, exceto no Brasil e nos Estados Unidos. O declínio mostrou-se mais acentuado nos países escandinavos, Holanda, Austrália, e Inglaterra. Padrões muito semelhantes foram encontrados para a crença na vida após a morte. As maiores quedas ocorridas durante o período de cinqüenta anos de

38 pesquisa são registradas no norte da Europa, no Canadá e no Brasil. As únicas exceções deste padrão, onde há um renascimento da fé na vida após a morte, foram encontrados nos dados dos Estados Unidos, do Japão e da Itália.

A tendência de secularização de países ricos não significa que o mundo como um todo se tornou menos religioso. O motivo, segundo Inglehart e Norris (2004), foi que o público de praticamente todas as sociedades industriais avançadas tem movido para valores seculares, mas o mundo como um todo tem mais pessoas com características religiosas tradicionais e constituem uma proporção crescente da população mundial. O processo de secularização tem um forte impacto negativo nas taxas de fertilidade humana. Países em que a secularização é mais avançada possuem taxas de fertilidade muito baixas, enquanto as sociedades com valores tradicionais religiosos possuem taxas de fertilidade duas a três vezes maiores que as sociedades secularizadas. A diferença de expansão da população religiosa destas sociedades tem também conseqüências importantes para a mudança cultural, social e da política mundial. Os autores acreditam que o nível crescente de segurança mediada pela modernização não é mecânica ou determinista. Eventos específicos e a influência de líderes podem dificultar ou avançar o ritmo de desenvolvimento humano de uma sociedade.

Apesar de especulações sobre a secularização da cultura e de seu processo de homogenização dele decorrente, Inglehart e Welzel (2005) afirmam que o país continua a ser uma unidade chave de experiência cultural compartilhada. Nas sociedades ricas como na Suíça e Inglaterra, os cidadãos são mais propensos a enfatizar valores seculares-racionais e de auto-expressão do que as camadas mais pobres. Os valores entre as camadas mais ricas e mais pobres são semelhantes na Alemanha, enquanto na Índia e na Nigéria os ricos tendem a ter valores mais

39 tradicionais do que os pobres. O ponto principal indicado pelos autores é que os valores dentro de um determinado país, entre os estratos sociais ricos e pobres, tendem a ser mais semelhantes entre si do que para outros cidadãos de outros países. O desenvolvimento socioeconômico traz grandes mudanças culturais, sociais e políticas, mas a herança cultural continua a formatar as crenças e os valores predominantes.

Este capítulo procurou contextualizar a importância da ética protestante para a criação de um ambiente cultural propício à inovação e para a modernização das sociedades. Existe a possibilidade que valores culturais semelhantes aos valores da ética protestante sejam importantes para a formação de um ambiente cultural propício a inovação tecnológica. No entanto, ainda é necessário entender como um conceito ainda recente sobre inovação tecnológica se insere no contexto de modernização das sociedades, visto que várias sociedades se modernizaram, mas não conseguiram desenvolver um ambiente propício ao desenvolvimento da inovação tecnológica.

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CAPÍTULO 2 - A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E CULTURAL DA

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