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O processo legislativo, isto é, o conjunto de interações que, no interior do sistema político, concorrem para a produção das leis, permitindo ao sistema dar respostas legais às exigências e solicitações oriundas do contexto

31 Tratou-se uma lei que alterava a data de abertura anual das Cortes de 2 de janeiro (conforme a norma constitucional) para 4 de novembro, a qual viria a

ser revogada em 1863. Ou seja, mesmo sendo uma lei claramente “inconstitucional”, o monarca decidiu respeitá-la. Ver MANIQUE, António Pedro – Op. cit., p. 154-160. ANTT, Actas do Conselho de Estado (1834-1865), Casa Forte, Livro 77B, f. 99-102.

32 Sobre a importância do poder simbólico no campo político, veja-se BOURDIEU, Pierre – O poder simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989. Em especial o cap. VII. 33 Sobre a importância e o exercício do poder executivo, veja-se TAVARES, José – Op. cit., e também HESPANHA, António Manuel – Guiando a mão invisível:

direitos, Estado e lei no liberalismo monárquico português. Coimbra: Almedina, 2004. p. 269-276.

social35, envolve diversos participantes, embora o seu núcleo fundamental se centre no Parlamento, sede constitucional do poder de legislar. Na análise desse processo e, particularmente, na quantificação dos produtos parlamentares, incidiremos a análise sobretudo na Câmara dos Deputados, uma vez que era ela a recetora das propostas governamentais e, portanto, a que desempenhava o papel principal na produção legislativa.

Nos termos constitucionais, o Parlamento reunia, por direito próprio, no dia 2 de janeiro, tendo as legislaturas a

duração de quatro anos36. As sessões legislativas eram de três meses em cada ano, podendo ser prorrogadas por

iniciativa do poder moderador. As sessões reais de abertura e encerramento obedeciam a um cerimonial prescrito no regimento e realizavam-se em reunião conjunta das duas câmaras, presidida pelo presidente da Câmara dos Pares. Na sessão de abertura, o monarca lia o discurso da Coroa, elaborado pelo governo e que resumia os factos políticos mais importantes ocorridos no interregno parlamentar e anunciava as principais medidas legislativas a apresentar ao Parlamento pelo poder executivo.

O período de funcionamento das sessões legislativas era igual para ambas as câmaras, sendo ilícita e nula qualquer reunião extemporânea da Câmara dos Pares. As sessões eram públicas, podendo ser secretas quando “o bem do Estado” assim o exigisse (isto é, quando as câmaras assim o entendessem), e as votações eram decididas por maioria absoluta dos membros presentes em cada sessão.

Qualquer lei carecia de aprovação das duas câmaras legislativas, podendo cada uma delas propor alterações às propostas vindas da outra, as quais eram, regra geral, acolhidas e aprovadas. Em caso de discordância mútua procedia-se à nomeação de uma comissão mista, composta por igual número de membros de cada câmara, que procurava conciliar pontos de vista e chegar a uma redação aceite por ambas as partes. De acordo com a informação

disponível, as comissões mistas foram muito poucas ao longo do século XIX: de 1834 a 1880 nomearam-se apenas

18; no período aqui tratado reuniram-se duas (1862 e 1863), e entre 1863 e 1880 não houve qualquer comissão

mista37. Realidade que desmente a ideia de que a Câmara dos Pares, por ser mais conservadora, poderia ser

um entrave à produção legislativa iniciada na Câmara dos Deputados. Na verdade, os conflitos entre as duas câmaras, motivados pela aprovação das leis, foram raros, devendo ter-se em conta também que a Câmara Alta tinha formas “doces” de se opor às propostas da Câmara Eletiva sem a afrontar diretamente. Bastava, para isso, que as comissões especializadas não produzissem pareceres sobre determinadas propostas, o que inviabilizava a sua discussão, podendo sempre alegar falta de tempo (que era real) e deixar caducar os projetos eventualmente menos desejados. Tratando-se de propostas governamentais, a pressão dos ministros era exercida sobre as duas câmaras no sentido de as fazer aprovar.

A evolução da orgânica interna da Câmara dos Pares, apesar de lenta, revela alguma preocupação com a melhoria da eficácia técnica e da produtividade legislativa, acentuando-se na segunda metade do século XIX38. A nomeação do presidente e do vice-presidente competia ao rei, elegendo a câmara, no início de cada sessão legislativa, os seus secretários e vice-secretários, bem como as comissões que funcionavam no seu interior. Inicialmente era eleita uma única comissão, de 35 membros, que se dividia em cinco mesas especializadas39, às quais eram enviadas, para apreciação prévia e emissão de parecer, as “proposições” que a câmara tivesse que discutir. Esta pesada estrutura veio a ser substituída, em 1857, por 12 comissões especializadas, eleitas no início de cada legislatura e que funcionavam em permanência, examinando e dando parecer sobre os assuntos que lhes eram remetidos. Podiam ainda ser eleitas comissões especiais sempre que a especificidade das questões a tratar assim o aconselhasse.

35 Para uma abordagem das análises sistémicas ver, entre outros, EASTON, David – Analyse du système politique. Paris: A. Colin, 1974; LAPIERRE, Jean-William

– A análise dos sistemas políticos. Lisboa: Edições Rolim, [198-?].

36 A lei de 16 de julho de 1857 viria a determinar a abertura das Cortes a 4 de novembro, prescrição que vigorou até 1863, voltando-se então à primitiva

disposição constitucional.

37 Ver SANTOS, Clemente José dos – Op. cit., p. 48.

38 O funcionamento interno da Câmara dos Pares regulava-se por um Regimento adotado pela mesma, datando o primeiro de 1826. Este foi sendo alterado e

acrescentado, de acordo com as necessidades ditadas pela prática, através de resoluções tomadas pela Câmara, todas elas incorporadas no Regimento de 1865.

39 Mesas de: Legislação, Negócios Externos, Negócios da Marinha e da Guerra, Negócios da Fazenda, Negócios Eclesiásticos e Instrução Pública.

QUADRO 1

COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS PARES (1857-1865)

Legislação Administração Pública Negócios Externos Instrução Pública Guerra Obras Públicas Negócios Eclesiásticos Agricultura

Fazenda Comércio e Indústria Marinha e Ultramar Redação

Fonte: Regimento Interno da Câmara dos Dignos Partes do Reino. Lisboa: Imprensa Nacional, 1865.

A organização interna da Câmara dos Deputados, regulada também por Regimentos40, sofreu igualmente uma

evolução significativa no sentido da eficácia e da qualidade dos trabalhos parlamentares. O presidente e o vice- -presidente da Câmara eram nomeados anualmente por decreto régio, com base numa lista quíntupla eleita pela câmara em votação secreta. Eram igualmente eleitos dois secretários e dois vice-secretários que completavam a mesa e que coadjuvavam a presidência na direção dos trabalhos.

Em virtude do papel que desempenhava e dos vastos poderes que lhe eram cometidos, o presidente da Câmara dos Deputados assumia grande importância no contexto do funcionamento das instituições políticas liberais. Além de representar a Câmara, contava com a confiança do monarca e ocupava uma posição chave na comunicação política entre o Parlamento e o Governo, atendendo a que era o recetor privilegiado das propostas de lei oriundas do Executivo. Daí que a sua nomeação não fosse estranha aos governos em exercício, que procuravam influenciar a eleição da lista quíntupla votada na Câmara, uma vez que a competência para estabelecer a ordem de trabalhos fazia do presidente o garante da prioridade sempre requerida pelos ministros relativamente às suas propostas legislativas.

As comissões especializadas da Câmara dos Deputados desempenhavam um papel fulcral no desenvolvimento dos trabalhos parlamentares, uma vez que as suas produções (relatórios e pareceres) eram a base de toda a tramitação conducente à produção legislativa. Daí que o seu funcionamento fosse sujeito a regulamentação sistemática, sendo grande a preocupação com a sua funcionalidade e eficácia.

A estrutura orgânica das comissões evoluiu ao longo do século XIX. O Regimento de 1827 prescrevia a organização interna da câmara em sete secções, integrando todos os deputados e formadas por sorteio, elegendo cada uma um presidente e um secretário. Os projetos e propostas de lei eram apreciados por todas as secções, designando cada uma um relator que integrava uma comissão central, encarregada de emitir parecer sobre os objetos discutidos. Por deliberação de 1 de fevereiro de 1853, as secções foram substituídas por comissões especializadas, eleitas pelo plenário no início de cada ano, adotando-se a prática de conceder à Mesa autorização para nomear algumas delas, como forma de simplificar o processo e melhorar a funcionalidade da câmara. Criaram-se, assim, comissões permanentes que se ocupavam dos assuntos correntes, podendo sempre nomear-se comissões especiais quando a natureza das matérias o aconselhasse.

Embora o número e a designação das comissões tivessem sofrido alterações, as mais importantes foram as constantes do Quadro 2.

A comissão de resposta ao discurso da Coroa, presidida sempre pelo presidente da câmara, era geralmente a primeira a ser eleita, cessando funções com a aprovação do documento pelo qual era responsável.

40 Regimento Interno da Câmara dos Senhores Deputados de 23 de janeiro de 1827, acompanhado das deliberações que o modificam ou ampliam. Lisboa:

QUADRO 2

COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS (1853-1865)

Administrativa da Câmara Instrução Pública Administração Pública Legislação Agricultura Marinha Comércio e Artes Obras Públicas Eclesiástica Petições Estatística Regimento Diplomática Redação Fazenda Saúde Pública Guerra Ultramar Infrações

Fontes: Regimento da Câmara dos Deputados. Lisboa: Imprensa Nacional, 1867; Diário da Câmara dos Deputados. Lisboa: Imprensa Nacional, [vários anos].

A nova estrutura orgânica da Câmara dos Deputados, bem como o caráter eletivo das comissões, permitiram a designação de deputados com qualificações académicas ou profissionais adequadas à especialidade de cada uma, o que constituiu um salto qualitativo importante para a eficácia dos trabalhos parlamentares.

Papel de relevo foi atribuído à Comissão de Fazenda, em virtude das exigências do próprio sistema político. Por deliberação de 1855, o parecer sobre o Orçamento do Estado, da sua responsabilidade, passou a ser precedido da audição de delegados de todas as comissões relacionadas com os orçamentos setoriais e, em 1863, tornou- -se obrigatória a consulta da Comissão de Fazenda sobre todos os projetos de lei que implicassem aumento das despesas públicas.

Pela importância que tinham no desenvolvimento dos trabalhos parlamentares e pela influência que exerciam sobre o plenário, sendo raros os casos de reprovação dos seus pareceres, a eleição das comissões mais relevantes era também alvo das atenções dos governos, que procuravam integrar nelas os deputados em quem politicamente mais confiavam. Não são bem conhecidos os mecanismos de comunicação política utilizados para o efeito, mas sabe-se que eles eram acionados, pois, quando em 1859 o governo do duque da Terceira não se empenhou na eleição das comissões parlamentares, a imprensa previu a dissolução da Câmara que, de facto, veio a acontecer,

uma vez que tal comportamento não era habitual por parte do poder executivo41. Depois da presidência da

câmara, as comissões eram os mais importantes elementos da estrutura parlamentar, condicionando a opinião dos deputados e o próprio ritmo da produção legislativa.

O modus faciendi da lei obedecia a um conjunto de normas regimentais que fixavam as práticas parlamentares e imprimiam eficácia e tecnicidade aos trabalhos legislativos. A apresentação de propostas e projetos de lei fazia-se segundo o método das duas leituras, em vigor na generalidade dos parlamentos da época. Os projetos da iniciativa dos deputados eram lidos pelos seus autores (no caso das propostas governamentais a apresentação cabia à Mesa) e na sessão seguinte era feita, pela Mesa, uma segunda leitura, votando-se então a sua admissão a discussão. Sendo admitido, o projeto era enviado à comissão respetiva que sobre ele emitia um relatório com parecer, a apresentar ao plenário. Entre a leitura do parecer e o início da discussão deviam mediar, pelo menos, três dias, durante os quais o proponente podia retirar o projeto. A discussão processava-se primeiro na

generalidade e depois na especialidade, sendo admitidas propostas de alteração ou substituição oriundas do plenário. As propostas governamentais seguiam os mesmos trâmites, podendo os ministros assistir e participar nas discussões, com direito a prioridade no uso da palavra.

Aprovado o projeto na Câmara dos Deputados, era então enviado à Câmara dos Pares para discussão e aprovação, podendo existir propostas de alteração que voltariam à câmara original. O produto final, designado por Decreto das Cortes, era finalmente enviado ao soberano para sanção, cabendo a apresentação do mesmo à câmara que o aprovava em último lugar.

Observemos então alguns aspetos quantitativos respeitantes à atividade parlamentar, incidindo esta análise na Câmara dos Deputados, como atrás se disse. O Quadro 3 evidencia uma enorme dinâmica do Parlamento no período que estamos a tratar, ao produzir e/ou analisar 6296 objetos legislativos, assim classificados:

QUADRO 3

OBJETOS LEGISLATIVOS – CÂMARA DOS DEPUTADOS (1851-1865)

Natureza Quantidade

Projetos de Lei do Parlamento 1628 Propostas de Lei do Governo 1601

Pareceres 2908 Relatórios 28 Emendas 107 Substituições 22 Aditamentos 1 Novas Redações 1 Total 6296

Fontes: Arquivo Histórico Parlamentar (AHP), Registo de projetos, propostas e

pareceres da Câmara dos Deputados, Livros 3269-3289; Synopse dos trabalhos legislativos das Cortes. Lisboa: Imprensa Nacional, 1851-1865.

A primeira evidência a reter é que a iniciativa legislativa distribuía-se de forma praticamente igual pelo Parlamento e pelo Governo, o que significa, por um lado, uma grande dinâmica interna da Câmara e dos deputados individualmente e, por outro, uma preocupação governamental com a resolução dos problemas do país, apresentando o Executivo, em média, mais de 100 propostas de lei por ano, distribuídas pelas várias áreas da governação, como veremos adiante.

O intenso trabalho das comissões parlamentares está patente, também, na grande quantidade de pareceres produzidos neste período (193 pareceres por ano, em média), a que se somam os relatórios e algumas emendas, dado que estas podiam partir dos deputados ou das próprias comissões especializadas. Ainda assim, nem todos os projetos e propostas de lei são alvo de apreciação pelas comissões, certamente por falta de tempo.

O Quadro 4 permite analisar a origem dos pareceres, considerando a totalidade das comissões (permanentes e eventuais), bem como as percentagens de aprovação relativos a cada uma. Saliente-se que estas percentagens dependiam, fundamentalmente, do número de pareceres discutidos e não da rejeição dos mesmos, uma vez que a regra geral era a aprovação, pelo plenário, dos produtos apresentados pelas comissões.

QUADRO 4

TOTAL DE PARECERES POR COMISSÃO E PERCENTAGEM DE APROVAÇÕES (1851-1865)

Comissão Nº de Pareceres % de Aprovações

Comissão de Fazenda 996 73%

Comissão de Guerra 420 57%

Comissão de Obras Públicas 201 85% Comissão de Administração Pública 165 73% Comissão de Instrução Pública 153 62%

Comissão do Ultramar 148 43%

Comissão de Legislaçäo 144 57%

Comissão de Petiçöes 138 95%

Comissão de Marinha 124 62%

Comissão de Verificação de Poderes 83 97% Comissão de Estatística 57 21% Comissão Especial 56 38% Comissão Diplomática 45 89% Comissão Militar 43 56% Comissão Eclesiástica 36 67% Comissão de Agricultura 21 39% Comissão de Comércio e Artes 20 85% Comissão de Saúde Pública 14 71% Comissão de Resposta Disc. Coroa 13 100%

Comissão de Forais 9 33% Comissão de Pautas 8 87% Comissão de Infrações 6 100% Comissão do Regimento 2 100% Comissão de Inquérito 2 100% Comissão Central 2 50%

Comissão de Reforma Judicial 1 100%

Comissão Eleitoral 1 100%

Total 2908

Fontes: AHP, Registo de projetos, propostas e pareceres da Câmara dos Deputados, Livros 3269-3289; Synopse dos

trabalhos legislativos das Cortes. Lisboa: Imprensa Nacional, 1851-1865.

A Comissão de Fazenda é responsável por 34% dos pareceres produzidos, o que indicia o peso das questões financeiras no conjunto da legislação proposta e aprovada. A Comissão de Guerra ocupa o segundo lugar, com 14% do total, enquanto a de Obras Públicas se fica pelos 6%, seguida de outras com produção inferior. Uma hierarquia que permite avaliar o nível de acuidade dos diversos setores da governação no período em análise. Já quanto à aprovação de pareceres, e considerando apenas as comissões permanentes, a Comissão de Petições faz aprovar 95% dos seus pareceres, revelando a grande atenção dada às representações e reclamações enviadas ao Parlamento por cidadãos e instituições, logo seguida da Comissão Diplomática, com 89%. Com aprovações superiores a 80% surgem ainda as comissões de Obras Públicas e de Comércio e Artes, enquanto as comissões de Fazenda, de Administração Pública e de Saúde Pública conseguem níveis de aprovação ligeiramente acima

dos 70%. Percentagens que indiciam, por um lado, a ordem de importância dos assuntos tratados e, por outro, os níveis de prioridade atribuídos aos mesmos assuntos quando se tratava de fixar as ordens do dia a seguir pelo plenário.

A capacidade de trabalho das comissões não tem correspondência no plenário, quer pela morosidade dos debates, quer pela própria estrutura funcional da câmara, frequentemente afetada pelos atrasos dos deputados, que implicavam o retardamento do início das sessões, quer ainda pelas faltas de quórum, que determinavam a não realização de sessões plenárias e o consequente atraso dos trabalhos em curso.

O Quadro 5 permite verificar, por um lado, a situação global dos projetos e propostas de lei apreciados pela Câmara dos Deputados e, por outro, a capacidade de influência exercida pelo Governo sobre as comissões, traduzida no tratamento preferencial que é dispensado às propostas do Executivo.

Com efeito, enquanto as propostas governamentais conseguem uma taxa de aprovação global de 44%, os projetos de origem parlamentar ficam-se pelos 13,5% no período considerado. Por discutir ficam 28% dos pareceres produzidos, o que evidencia a incapacidade do plenário para acompanhar as comissões na produção legislativa. Significativa é a seletividade exercida pelas comissões sobre o conjunto de propostas e projetos que lhes são enviados. Se dos diplomas governamentais apenas 32% não são alvo de parecer, já em relação aos projetos dos deputados essa taxa eleva-se para 71%. Ou seja, a pressão governamental exerce-se no plenário, onde o presidente da mesa, responsável pelo agendamento dos trabalhos, dá prioridade às propostas do Executivo, e também nas comissões, que analisam prioritariamente as propostas governamentais, em detrimento dos projetos oriundos dos próprios deputados. Esta influência do Executivo sobre a Câmara dos Deputados passa pela utilização de canais de comunicação política diretos e informais, quer em relação ao presidente, quer no contacto com os membros das comissões, uma vez que os ministros podiam participar nos debates parlamentares, aproveitando a presença na Câmara para estabelecer os contactos necessários ao tratamento prioritário das suas propostas.

QUADRO 5

PROPOSTAS E PROJETOS DE LEI POR SITUAÇÃO FINAL (1851 – 1865)

Origem Governamental Origem Parlamentar

Situação Final Nº Propostas % Nº Projetos %

Aprovado e publicado 707 44% 221 13,5%

Aprovado na C. Dep. /não enviado à C. Pares - - 1 -

Rejeitado pela C. Pares 2 - 3 -

Obteve parecer/não discutido 271 17% 183 11% Discussão não concluída 19 1,1% 13 0,7%

Não obteve parecer 513 32% 1157 71%

Devolvido pela C. Pares com emendas 6 0,3% 6 0,3%

Pendente na C. Pares 61 3,8% 30 1,8%

Desconhecido 22 1,3% 14 0,8%

Total 1601 - 1628 -

Fontes: AHP, Registo de projetos, propostas e pareceres da Câmara dos Deputados, Livros 3269-3289; Synopse dos trabalhos legislativos das Cortes. Lisboa: Imprensa Nacional, 1851-1865.

Quanto ao comportamento da Câmara dos Pares relativamente aos projetos que recebe da Câmara dos Deputados, registe-se a rejeição de apenas cinco projetos (dois de origem governamental e três de origem parlamentar). Já quanto aos projetos que nela ficam pendentes, verifica-se uma taxa de 3,8% relativa aos de origem governamental, contra apenas 1,8% incidente sobre os de origem parlamentar.

Não havendo justificações formais para estas retenções, pode entender-se que algumas delas corresponderiam às já referidas formas “doces” de oposição a propostas da Câmara Eletiva, mas a maioria ficaria a dever-se, seguramente, à incapacidade da Câmara Alta de dar resposta ao enorme volume de diplomas que lhe eram enviados. Incapacidade resultante do baixíssimo número de presenças regulares dos pares, o que obrigava os mais assíduos a ocuparem-se de todo o expediente. A título de exemplo, sublinhe-se que na legislatura iniciada em 2 de janeiro de 1853, o visconde de Algés integrava quatro comissões permanentes, presidindo a uma delas, o visconde de Sá da Bandeira e Francisco Silva Ferrão integravam três, e o duque da Terceira, o marquês de Loulé

e o barão de Chanceleiros integravam duas42. Seria, assim, humanamente impossível emitir pareceres para todos

os projetos, inviabilizando o seu debate em plenário.

Recorde-se que o problema da assiduidade da Câmara dos Pares foi sempre objeto de fortes críticas, uma vez que punha em causa a sua credibilidade e autoridade. Uma observação incidente no primeiro trimestre de 1858 revela que, dos 110 pares que então compunham a Câmara, a média de presenças no plenário foi de 38, sendo