Capítulo 2 – Metodologia da Investigação
5. O processo de recolha, tratamento, análise e interpretação dos dados
Considerando os recursos e objetivos do presente estudo, propôs-se a aplicação de uma
técnica direta/interativa (Aires, 2015) – a entrevista -, como veículo principal de recolha de
informação (Amado & Ferreira, 2014a), habitualmente utilizada nos estudos biográficos
(Poirier et al., 1995), pela sua versatilidade e pela sua utilidade na compreensão dos seres
humanos (Aires, 2015; Amado & Ferreira, 2014a). Segundo Amado, esta técnica permite “a
análise do sentido que os atores dão às suas práticas e aos acontecimentos com os quais se
veem confrontados: os seus sistemas de valores, as suas referências normativas, as suas
interpretações de situações conflituosas ou não, as leituras que fazem das próprias
experiências, etc.” (Quivy & Campenhoudt, 1998 citado por Amado & Ferreira, 2014a, p.
207). Pretende-se “recolher o saber específico de que o narrador é portador” (Poirier et al.,
1995, p. 33), atendendo ao estabelecimento da relação com base na compreensão e empatia
(Rogers, 1970, citado por Poirier et al., 1995) para favorecer a evocação dos fenómenos por
parte do entrevistado (Poirier et al., 1995). A técnica é “uma forma de diálogo social que se
vê submetida à regra da pertinência”, segundo Aires (2015, p. 32).
Optou-se por realizar entrevistas individuais, faladas, monotemáticas (Aires, 2015), e
de estrutura
7semidiretiva, ou semiestruturadas (Amado & Ferreira, 2014a). Na fase de
preparação da recolha de dados, foram selecionados participantes considerados como
testemunhas ou informantes privilegiados (Quivy & Campenhoudt, 1998 citado por Amado
& Ferreira, 2014a; Poirier et al., 1995) e foi construído um guião que serviu de apoio à
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As entrevistas podem ser classificadas como estruturada (focada a um tema circunscrito), semiestruturada
(nasce de um guião prévio, com questões definidas e sequenciadas, mas com possibilidade de resposta aberta
para o entrevistado), não-estruturada (sem definição prévia de categorias nem de questões, brotando estas da
interação) e informal (baseada na conversação) (Amado & Ferreira, 2014a).
entrevista
8. A construção do guião de entrevista serviu como referencial, composto por
perguntas de experiência/conhecimento e perguntas de sentimento (Amado & Ferreira,
2014a), colocadas de forma aberta, visando a liberdade de expressão e de pensamento do
entrevistado, sem intenção de manipulação nem enviesamento da investigadora para
projeção das próprias conceções sobre a matéria (Amado & Vieira, 2014a). O guião
fundamentou-se na segmentação e sequenciação dos diferentes períodos de carreira de um
educador de infância, tomando a fase final da formação inicial (estágio ou Prática
Pedagógica Final) como o ponto de partida para o contexto de trabalho (Oliveira-
Formosinho, 2001d). Segundo as palavras da autora, importa “conceptualizar esta iniciação
à profissão como uma fase crucial para o crescimento profissional posterior” (p. 106).
Os dados dos diferentes entrevistados foram analisados, utilizando a técnica de análise
de conteúdo. Esta assume-se como a técnica mais utilizada na investigação qualitativa, e visa
a análise dos dados de diferentes fontes, procedendo ao seu contraste e interpretação (Aires,
2015). A análise de conteúdo percorreu as fases listadas por Amado, Costa e Crusoé (2014):
definição do problema e objetivos do trabalho, explicitação de um quadro de referência
teórico, constituição de um corpus documental, leituras atentas e ativas e categorização. Esta
regeu-se por um procedimento misto, com algumas categorias determinadas previamente e
outras que surgiram posteriormente, com unidades de registo definidas por proposição ou
ideia. A categorização obedeceu a regras que permitem assegurar a validade interna da
técnica
utilizada:
exaustividade,
exclusividade,
homogeneidade,
pertinência
e
produtividade. Especificando os procedimentos utilizados na fase após a transcrição, as
leituras atentas foram sucedidas pelo recorte e diferenciação vertical, isto é, pelaa
segmentação do discurso de cada entrevistado em unidades de registo e alocação em
categorias, nas pré-determinadas ou nas categorias emergentes. Seguiu-se o reagrupamento
e comparação horizontal, etapa na qual se fundiram os vários documentos do discurso, já
fragmentado em unidades de registo, num documento único. Esta organização das várias
unidades de registo, dos vários entrevistados, agrupadas em cada categoria, facilita uma
leitura horizontal dos dados que permite a análise do sentido das unidades de registo. Nesta
última etapa, estamos perante a triangulação de dados, que vem oferecer validação ao estudo,
através da edificação da sua credibilidade teórica, ou seja, através do isomorfismo entre a
informação recolhida do observado e a interpretação e teorização do observador (Amado &
Vieira, 2014a). Colás (1992 citado por Aires, 2015) discorre sobre os tipos de triangulação.
A triangulação de fontes permite a corroboração dos dados com outras fontes. A triangulação
interna contrasta os dados de vários observadores, investigadores e/ou atores, e destaca as
convergências e divergências encontradas. A triangulação metodológica valida os dados,
através da aplicação de diversos instrumentos/métodos. A triangulação temporal, permitida
por estudos longitudinais e transversais, procura a estabilidade ao longo de um percurso e a
informação trazida por elementos novos e elementos constantes. A triangulação espacial
permite o contraste de contextos (geográficos, culturais, circunstanciais) A triangulação
teórica permite a interpretação da informação (contraditória ou não), sustentada por teorias
alternativas. Dentre as várias modalidades, foi optado por utilizar a triangulação interna,
cruzando as vivências, na área profissional, de três educadores de infância.
Garante-se, então, que a condução do estudo, nos processos de recolha, tratamento,
análise e interpretação dos dados, foi realizada no respeito pelos diferentes níveis de
credibilidade que, no seu conjunto, importam o valor da verdade: credibilidade descritiva
(explicação detalhada da aplicação correta dos procedimentos de recolha de dados),
credibilidade interpretativa (na condução da entrevista, conferindo liberdade de expressão
aos entrevistados, e, posteriormente, na corroboração dos resultados junto dos entrevistados)
e credibilidade teórica (na triangulação interna, na corroboração das conclusões por parte
dos participantes e na comparação com a literatura relevante) (Amado & Vieira, 2014a). O
estudo apresenta também consistência para garantir a sua confiança, na eventualidade de
replicação do estudo em contornos similares, quando se apresenta o trabalho exaustivo e
cauteloso da investigadora - ainda que se baseasse em apenas uma técnica de recolha de
dados -, bem como a descrição rigorosa dos processos de investigação usados.
No documento
Formação em contexto em narrativas biográficas
(páginas 39-41)