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3. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL

4.2 O PROEJA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E

Para compreender o contexto em que foi construída a proposta do Proeja, necessitou- se retomar alguns pontos da história da educação profissional no Brasil, conforme visto no capítulo anterior, ressaltando que esse programa representou o encontro, no âmbito escolar, de atores da Educação Profissional com atores da EJA.

Essas mudanças transformaram significativamente um cenário de atrelamento da educação e da qualificação profissional aos interesses da iniciativa privada. Na retomada histórica da Educação Profissional no Brasil, elaborada por Manfredi (2002), é possível identificar que o campo da educação e da qualificação profissional no Brasil fora ocupado basicamente por atores cujas propostas tiveram uma conotação assistencialista e/ou instrumentalizadora. O Proeja é um programa governamental de incentivo à implementação de cursos desta natureza.

O Proeja se organizou a partir do Decreto n. 5478, de 24/06/2005 e pretendia oferecer uma educação profissional técnica de nível médio aos jovens e adultos. Convém ressaltar que o Decreto n. 5478 foi revogado em seguida pelo Decreto n. 5840, de julho de 2006, que ampliou a possibilidade de oferta do Proeja para outras redes. Outra alteração significativa foi a possibilidade de articulação da educação profissional com o ensino fundamental, na forma de cursos de formação inicial e continuada (FIC). O texto final do referido decreto estabeleceu que esse programa seria obrigatório e gradativo no âmbito das instituições federais de educação tecnológica. Sinteticamente, o Proeja apresenta as seguintes possibilidades de oferta, que podem ocorrer tanto de maneira concomitante, como de maneira integrada.

Figura 1 – Formas de oferta da educação profissional de jovens e adultos

O Proeja é destinado à formação inicial e continuada de trabalhadores/as pela oferta da educação profissional técnica de nível médio integrada à Educação Básica na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). Tem como proposta oferecer uma educação que integre a última etapa da educação básica à formação profissional, destinando-se a jovens e adultos que possuem apenas o Ensino Fundamental completo. Diferente de outras formas de oferta, nesta o aluno deverá concluir toda a formação para concluir o curso, não sendo possível concluir a parte profissional ou a formação geral separadamente, como ocorria antigamente. Estas proposições indicam uma busca pela recomposição da unidade entre educação profissional e educação básica, quando se coloca ambos em um só currículo de forma a serem trabalhando pelos mesmos objetivos de formação. Tenciona-se quebrar uma hierarquia (historicamente construída) entre os saberes chamados de “científicos” e “profissionais”. A educação profissionalizante surgiu como um mecanismo de inserção e reinserção no mercado de trabalho, preocupando-se com as competências dos indivíduos para possibilitar-lhes melhores condições de empregabilidade, pois o Proeja é um programa que faz parte das políticas educacionais, e seu objetivo maior é oferecer aos estudantes os saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos que complementam uma formação cidadã.

Por meio da leitura do documemento-base do Proeja, percebemos que a proposta não restringe a educação profissional e tecnológica à adaptação e formação subordinada do trabalhador às demandas do processo de acumulação do capital, mas sim visando à formação crítica e emancipadora desse/a educando/a. Dentre os princípios do programa, encontramos a inclusão da população em suas ofertas educacionais; a inserção orgânica da modalidade EJA integrada à educação profissional nos sistemas educacionais públicos; a ampliação do direito à educação básica pela universalização do ensino médio; o trabalho como princípio educativo; a pesquisa como fundamento da formação; as condições geracionais, de gênero, de relações étnico-raciais como fundantes da formação humana e dos modos como se produzem as identidades sociais.

É importante apontar que, embora seja corrente o uso do termo “Proeja” para referir-se a modalidade de ensino, tanto nas instituições que o ofertam quanto em pesquisas acadêmicas, faremos aqui uma opção política pelo uso do termo “Ensino Médio Integrado ao Técnico na Modalidade EJA”, pela necessidade de aumentar o grau de institucionalidade dessa modalidade – que, em tempos como esse, encontra-se sob grande ameaça - em detrimento de seu fortalecimento enquanto programa. Jaqueline Ventura (2011), ao definir ações de

Educação de Jovens e Adultos de maior institucionalidade e menor institucionalidade, afirma que:

O primeiro refere-se àquelas ações de Estado que transcendem as ações de governo e fortalecem o enraizamento da EJA na estrutura do sistema educacional. O segundo estabelece ações governamentais pontuais e descontínuas, paralelas à rede pública de ensino; materializadas em programas conjunturais que competem entre si e com a escola pública, mesmo quando ocupam suas instalações, e, muitas vezes, esvazia ou inibe a expansão de suas matrículas. (p. 84-85)

Portanto, buscar uma maior institucionalização do Ensino Médio Integrado ao Técnico na Modalidade EJA, principalmente dentro dos Institutos Federais, é uma defesa de sua perpetuação frente às constantes mudanças que ocorrem na política educacional, enquanto a lógica de programa traz como consequência a marca da transitoriedade e descontinuidade. Saviani (2008) afirma que,

[...] a descontinuidade que tem marcado a política educacional, o que conduz ao fracasso as tentativas de mudança pois tudo volta à estaca zero a cada troca de equipe de governo. Na verdade cada governante quer imprimir a própria marca, quer fazer a sua reforma. Com isso interrompe o que havia sido iniciado na gestão anterior e a educação fica marcando passo, já que se trata de um assunto que só pode ser equacionado satisfatoriamente a médio e longo prazo, jamais a curto prazo. E as consequências recaem sobre a população que vê indefinidamente adiado o atendimento de suas necessidades educacionais. (p. 208)

Assumimos aqui a compreensão de que o Ensino Médio Integrado ao Técnico na Modalidade EJA, enquanto política pública de Educação Profissional e Tecnológica, perene nas instituições que o ofertam, não seja a de um programa que possa ser descontinuado. Defendemos, enfim, um fazer de Educação Profissional no qual os jovens e adultos trabalhadores possam ocupar espaços historicamente negados e que suas “experiências e saberes trazidos do trabalho invadam o espaço escolar, o que implica considerá-lo par dialético com o professor, sem o qual o processo de ensino e aprendizagem não acontece” (FISCHER e FRANZOI, 2009, p. 41).

Outro aspecto relevante à compreensão do contexto de criação do programa é que os formuladores da política resgataram experiências de Currículo Integrado desenvolvidas pelas centrais sindicais nos anos 1990. Tais programas e projetos, de algum modo, inspiraram a elaboração da proposta político-pedagógica, haja vista que o Documento-Base do Proeja faz referência aos mesmos. O documento foi produzido por representantes de diferentes universidades brasileiras, convidados pela SETEC para elaborar as orientações teórico- metodológicas do programa, um ano depois da implantação dos cursos nos IFs. Sua tônica foi a centralidade do Proeja nos sujeitos, ao enfatizar a descrição e análise dos/das estudantes que

constituem o público do programa. Nesse sentido, os autores buscam abordar a pluralidade de aspectos que origina a variedade de sujeitos, que se encontram pela exclusão social:

A EJA, em síntese, trabalha com sujeitos marginais ao sistema, com atributos sempre acentuados em consequência de alguns fatores adicionais como raça/etnia, cor, gênero, entre outros. Negros, quilombolas, mulheres, indígenas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, jovens, idosos, subempregados, desempregados, trabalhadores informais são emblemáticos representantes das múltiplas apartações que a sociedade brasileira, excludente, promove para grande parte da população desfavorecida econômica, social e culturalmente. (BRASIL, 2007, p. 11)

Os autores do Documento-Base do Proeja apontam que a intencionalidade do mesmo se relaciona à construção de um outro tipo de sociedade, antagônica à lógica do mercado global, relacionada à desigualdade de acesso a direitos fundamentais, como educação e trabalho, e nos processos de exclusão social e inclusão excludente. Entretanto, ao final do texto, a iniciativa privada é convidada a participar do programa. Considerando a trajetória histórica desse ator na educação dos trabalhadores, fica evidente a contradição inscrita no documento.

5 A CONDIÇÃO FEMININA COMO ELEMENTO DA TRAJETÓRIA ESCOLAR

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