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2.3 O professor de línguas na atualidade

2.3.2 O professor reflexivo

Durante muitos anos, na linguística aplicada, estudiosos dedicaram suas pesquisas às abordagens, métodos e práticas de ensino de língua estrangeira, um outro tema que tem sido bastante explorado são as investigações sobre a formação inicial e continuada de professores. Como assunto emergente surgido desta preocupação, com a formação docente, têm aflorado estudos sobre reflexão e práticas reflexivas de professores (SHON, 1983, 1992, 2000; PIMENTA, 2002; ALARCÃO, 2003; DUTRA & MELLO, 2004).

Para tratar do que significa ser um professor reflexivo, apresenta-se como conceito inicial a definição de reflexão proposta por Kemmis (1986, p. 5):

Reflexão não é apenas um processo psicológico individual. É uma ação orientada, introjetada historicamente, dotada de contornos sociais e políticos, compromissada em situar as pessoas nos contextos sociais que as envolvem, levá-las a serem participes das atividades sociais e a tomarem partido diante de questões importantes. Além disso, o material sobre o qual a reflexão atua nos é dado social e historicamente. Por meio da reflexão e da ação que ela informa, podemos transformar as relações sociais que caracterizam os contextos nos quais estamos inseridos.

Refletir não é lembrar. A lembrança significa recordar algo, ao acaso, regido pelo impulso, de modo não sistematizado. A reflexão não é automática, é um pensar orientado que deriva de uma necessidade, propósito ou interesse. Na maioria das vezes, o ato de refletir emerge de alguma questão proposta por outros ou é

internamente estabelecido, no qual se busca entender os quês e os porquês de determinados fatos, ou responder a perguntas de modo a orientar uma ação. Desse modo, refletir criticamente significa posicionar-se em uma esfera de ação, em uma determinada situação, participando da ação social (CELANI & COLLINS, 2003).

No contexto educacional, a reflexão implica repensar os saberes pedagógicos a partir de perguntas derivadas da prática pedagógica, cabendo ao professor, desde sua formação inicial, desenvolvê-la de um modo contínuo, engajado, de maneira consciente e crítica (DUTRA & MELO, 2004).

Ao tratar da formação de professores reflexivos, Shön (2000) recomenda que ao invés da formação de professores baseada na racionalidade técnica, vinculada a regras, os cursos de formação sejam baseados em uma “racionalidade” prática, relacionada a princípios e orientada a resolução de problemas.

O autor (op.cit.p.33) sugere para fazer aflorar o pensamento prático do professor três modelos de reflexão:

• Reflexão-na-ação: é o ato de refletir sobre a ação no exato momento em que ela está sendo praticada. “A reflexão-na-ação tem uma função crítica, questionando a estrutura do ato de conhecer-na-ação”. Para o autor, conhecer-na-ação refere-se aos conhecimentos revelados nas ações inteligentes, é um processo tácito, que se coloca espontaneamente.

• Reflexão sobre a ação: posterior ao ato da ação é quando o profissional reconstrói mentalmente as suas práticas tentando analisá-las retrospectivamente.

• Reflexão sobre a reflexão-na-ação: este tipo de reflexão proporciona um diálogo entre o pensar e o fazer. Auxilia o profissional a identificar necessidades e o estimula a buscar novos conhecimentos. Trata-se uma reflexão voltada para a resolução de problemas futuros.

Na proposta de Shön, evidencia-se a necessidade de que o profissional reflita, constantemente, sobre sua prática, buscando entender o seu modo de agir e vislumbrando situações futuras. Contudo, Dutra & Mello (2004, p. 31) alertam que:

A reflexão só emerge na vida de um professor, no nosso caso de línguas estrangeiras, quando há uma abertura para entendê-lo como um profissional em constante desenvolvimento e formação. Assim a formação completa de um professor não acontece somente durante o período da graduação, mas é um processo contínuo de aprendizagem.

A formação de um professor reflexivo é um processo complexo e gradativo, que exige, entre outras coisas, um aprofundamento teórico que possibilite a este profissional entender. Isso significa que o docente precisa repensar a sua prática e como esta pode melhorar a partir de sua reflexão.

Nessa perspectiva, Moura Filho (2011), resgatando Bartlett (1990), aponta uma série de questionamentos que devem ser feitos por professores críticos reflexivos no ensino de línguas. A seguir, destaca-se sete de seus questionamentos que se considerou relevantes para este trabalho.

1- o que é relevante como conhecimento no ensino de uma segunda língua; 2- como está organizado o conhecimento no ensino dessa língua;

3- o que significa ser um professor?;

4- de onde vem, do ponto de vista histórico; as ideias que eu incorporo na minha prática docente?;

5- como eu me apropriei delas?;

6- por que eu continuo a adotá-las na minha prática de docente de línguas?; 7- de que maneira eu posso ensinar de forma diferente?

Por meio das sete perguntas acima, é possível fazer uma análise de, pelo menos, três aspectos que envolvem a prática docente.

As questões um e dois favorecem a reflexão sobre o que constitui e é relevante no ensino de uma língua estrangeira; a questão três traz à tona a concepção do que é ser um profissional docente e qual o seu papel; a partir da quarta pergunta é possível refletir sobre as convicções que norteiam a conduta do professor, como elas surgiram e como podem ser modificadas. Quando reflete sobre essas questões, o docente tem a chance de fazer um apanhado geral sobre a sua prática pedagógica, e estabelecer mudanças se necessário.

O professor, ao refletir sobre sua prática, tende a desenvolver a capacidade de interagir com o conhecimento de forma autônoma, flexível e criativa (ALARCÃO, 2003), sendo capaz de adquirir novos saberes e circular em diferentes contextos. Para que o professor consiga atuar em diferentes esferas de ensino e aprendizagem, a sua prática reflexiva deve emergir desde a perspectiva teórica até a

suas experiências específicas de ensino de tal modo que se possam estabelecer estreitas ou distantes relações entre o seu dizer e o seu fazer.

Com a reflexão, é possível consolidar ideias e avançar na profissão. Neste sentido, aponto outros tópicos de reflexão que podem auxiliar o professor no direcionamento de suas aulas e na interpretação de suas próprias ações.

1- quais são as características do método e/ou abordagens que eu utilizo em minhas aulas?;

2- acredito no modelo de ensino que proponho aos meus alunos?

3- o material didático, as atividades propostas e as práticas avaliativas correspondem a abordagem de ensino? E aos objetivos das aulas?

4- existe diálogo entre mim e os outros participantes (alunos, colegas, coordenação)?

5- qual o meu papel em sala de aula? É sempre o mesmo?

Uma reflexão constante, idealizada e realizada a partir da própria situação de ensino permite ao professor que ele seja capaz de lançar um olhar indagador sobre a prática e (re)pensar sobre suas próprias experiências, explicitando as razões de suas escolhas. A capacidade de refletir do professor, segundo Celani & Collins (2003), é fundamental e trará, necessariamente, mudanças em suas representações, crenças e práticas.

No sentido de que o professor se beneficie dos processos reflexivos e desafiando os profissionais a terem uma consciência crítica de sua prática, Almeida Filho (2009a, p.73) sugere aos professores que façam um auto-olhar examinador a partir dos seguintes tópicos:

 “Busca sentidos globais do próprio ensino (em pormenores);

 Pauta-se por critérios próprios (isto é, do professor observado);

 Estabelece juízos de coerência entre o que diz fazer e o que de fato faz;

 Busca dados e evidências nas gravações e transcrições de aulas (típicas);

 Busca explicações para os procedimentos e conteúdos das aulas (= explica por que ensina da maneira como ensina);

 Assume a subjetividade do ato de avaliar interpretando e toma providências para minimizar efeitos indesejados

 Busca rigor na amostragem, na triangulação de evidências e na completude das observações (gravações, notas de campo, diários);

 Busca compreensões novas e crescentes acerca da complexidade dos processos de ensinar e aprender línguas na escola (teoria apropriada)”.

A reflexão só se justifica na ação. Pensar sobre o agir e o próprio pensar só tem sentido na medida em que ajuda o professor a conceber problemas que surgem em situações práticas e a resolvê-los da mesma maneira. Tal resolução, certamente, significará mudanças. Essas envolvem as convicções, os valores, as intenções e as próprias ações que constituem o profissional docente. Os profissionais ao responderem a problemas práticos, sustentando uma conversação reflexiva com o que está a sua volta, refazem parte de seu mundo prático e revelam processos tácitos de construção e visão de mundo em que baseiam toda a sua prática (SHON, 2000).

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