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O profissional tradutor/intérprete da LIBRAS/Língua Portuguesa

No documento PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (páginas 39-43)

Por que uma língua não é cem por cento traduzível? Segundo Larrosa (2004, p. 77),

“a tradução é um transporte de uma língua a outra língua e de um contexto vital a outro contexto vital”. Por não serem universais e por existir uma multiplicidade de línguas, a compreensão por vezes se constitui num complicador, o que não significa necessariamente uma impossibilidade e sim uma adaptação. Para Larrosa (2004, p. 77), “na tradução existe algo, o sentido, que se transporta e que, ao transportar-se, conserva-se e ao mesmo tempo se transforma, metamorfoseia-se, modifica-se”.

Quando se trata de educação de surdos a questão é ainda mais séria, pois, mais do que tradução/interpretação/compreensão, é um processo cognitivo, o conhecimento construído a partir dessa tríade. O processo se realiza numa relação dialógica de tradução, interpretação e

compreensão, onde professores e alunos traduzem textos escritos e interpretam o texto oral/visual. Tradução/interpretação são consideradas atividades afins, porém diferenciadas. O tradutor trabalha com o texto escrito, enquanto o intérprete trabalha com o texto oral, no ato da fala.

A função do intérprete é geralmente relacionada com a do tradutor: interpretação e tradução são atividades afins, estão intimamente ligadas, mas há uma diferença particular entre elas. Traduzir é passar um texto escrito de uma língua-fonte para um outro texto escrito numa, língua-meta. Quando o texto é oral, diz-se que há interpretação e quem a realiza é o intérprete (PIRES e NOBRE, 2004, p. 162).

Para entender qual o papel do tradutor, procurei num primeiro momento entender em que consiste a tarefa desse profissional: “levar o leitor de uma língua para o lado da língua do autor estrangeiro, ou, inversamente, trazer o autor de uma língua estrangeira para o lado da língua do leitor” (CAMPOS, 1986, p.8). A tradução exige uma passagem, consiste em uma condução. É importante esclarecer que uma tradução nunca é o original de um texto, sendo assim, a tradução pode ser considerada como um texto recriado apenas.

Para se traduzir de uma língua para outra é preciso primeiro que o tradutor tenha um excelente entendimento daquilo que o autor quis dizer na língua dele para posteriormente dizer o que se entendeu do original na língua do tradutor. Isto não é uma tarefa fácil, demanda muito conhecimento nas duas línguas, o que ainda pode não resultar em uma boa tradução. “O tradutor há de conhecer bem a língua da qual traduz, chamada língua fonte, e a língua para a qual traduz, chamada língua-meta e que em geral é a língua materna do tradutor” (CAMPOS, 1986, p. 30). Observando as especificidades do tradutor e do intérprete da Língua de Sinais, conforme Pires e Nobre (2004, p.162-163):

O trabalho do intérprete, pois, encontra uma exigência maior do que aquela posta à tarefa do tradutor. Porém, devem conhecer as minúcias da fonte e da língua-meta para, além de captar o conteúdo, aproximar-se das intenções do autor. Não há equivalência absoluta entre duas línguas: algumas expressões, muitas vezes, podem ser traduzidas de duas maneiras. Por isso, o requisito básico para o intérprete e o tradutor é o profundo conhecimento de sua língua materna e também da língua-meta, adquirindo através de estudos constantes, muita leitura e prática da expressão falada (sinalizada) e escrita das duas línguas. Pois ambos devem realizar seu trabalho com o menor número possível de perdas: mas é óbvio que, principalmente na interpretação, haverá perdas inevitáveis.

Como conseqüência de traduções/interpretações não compreendidas e/ou mal entendidas, verifica-se as confusões entre ouvintes e surdos nas experiências vivenciadas dentro e fora da escola. É muito comum perceber que o que se disse foi com uma intenção,

mas a compreensão foi outra, às vezes muito diferente. Nas escolas de surdos a tradução/interpretação é uma constante, pois normalmente são espaços de convivência diária entre sujeitos surdos e ouvintes usuários de línguas e culturas distintas. Todos os profissionais que habitam esse espaço devem ter competência para que as interações recorrentes que se constituem na linguagem aconteçam nas duas línguas, primeiro na Língua de Sinais e segundo a Língua Portuguesa na modalidade escrita.

A Língua Portuguesa é a língua da maioria ouvinte, mas não a única reconhecida oficialmente. A LIBRAS também é oficial, o reconhecimento e a oficialização da Língua de Sinais, conforme Lei Federal nº 10.436/02 estabelece a não substituição da língua oficial da maioria, ou seja, a Língua Portuguesa na modalidade escrita (KARNOPP, 2004). Ainda que em número reduzido, o Ministério da Educação (MEC) tem produzido material em LIBRAS.

Porém, o material didático à disposição de professores e alunos, principalmente nas séries finais do Ensino Fundamental é o mesmo utilizado para alunos ouvintes, ou seja, na Língua Portuguesa, por isso, todo o educador de surdos passa a ser intermediário, ou seja, um intérprete. A Língua de Sinais não dispõe de um sistema de escrita alfabético. O SignWriting (sistema de escrita para Línguas de Sinais) do qual trato mais adiante, é pouco conhecido pelas escolas, pelos educadores e pelos próprios sujeitos surdos. Os profissionais educadores que fazem uma escola de surdos devem ser usuários da Língua de Sinais e profundamente conhecedores da cultura surda. Bem como, o intérprete da Língua de Sinais.

Como o sujeito intérprete é um ouvinte culturalmente produzido, perpassado por atravessamentos culturais da maioria, há que se atentar para os cuidados com relação à interpretação:

Como a história demonstra que as relações entre surdos e ouvintes têm sido de apropriação, controle e desmando pelas pessoas ouvintes, há que se considerar que o intérprete, por ser ouvinte, pode não ser fiel no momento da interpretação, remetendo o surdo à situação de submissão usual no passado, com o grupo hegemônico ouvinte administrando a identidade das pessoas surdas. No entanto, essa identidade vai ser construída através da afirmação dessas pessoas como sujeitos numa sociedade em que são minoria. Cabe ao intérprete a aceitação desse direito no momento em que ele possibilita ao surdo a re-significação de sua interpretação de mundo, a partir de um ato interpretativo (PIRES e NOBRE, 2004, p. 161).

A seriedade na tradução/interpretação da Língua de Sinais/Língua Portuguesa possibilita a construção de conceitos sobre o mundo no qual o sujeito surdo vive. O aluno surdo constrói sua identidade e se desenvolve culturalmente, passando a conhecer a cultura e a

língua da maioria ouvinte. O sujeito surdo para aprender a sua segunda língua inevitavelmente terá que desenvolver processos cognitivos de compreensão na sua modalidade escrita através dos mecanismos de tradução/interpretação.

Enquanto conhecedores da nossa língua materna somos capazes de um desempenho mais significativo em outra língua que vimos aprender posteriormente, pois, somos organismos vivos capazes de nos adaptar ao meio. Diz-se que: “a traduzibilidade de qualquer texto depende das semelhanças ou diferenças de estruturas entre a fonte e a língua-meta. [...] a intraduzibilidade resulta de não existirem situações idênticas na cultura de uma língua e na da outra” (CAMPOS, 1986, p.66). Não se podem traduzir expressões próprias da língua-meta.

A escrita também tem suas particularidades e deve ter clareza suficiente para que o leitor possa ler e compreender o texto. A leitura fica prejudicada quando o leitor não compreender a mensagem escrita, consequentemente não haverá compreensão. Lembro novamente, que o sujeito surdo lê, contextualiza e compreende a palavra visualizada. Essa mesma palavra em outro contexto, em uma segunda língua pode ter um sentido diferente, nesse caso, ele precisa da mediação de um tradutor/intérprete que nem sempre está disponível.

Com a escrita de um sujeito que pensa em sinais e que interage sinalizando/falando acontece o mesmo processo, pois a produção de sua segunda língua é na modalidade escrita.

O texto produzido pelo sujeito surdo difere significativamente do texto escrito por um sujeito que interage e escreve na sua própria língua, se o leitor ouvinte não for conhecedor das especificidades gramaticais da Língua de Sinais e principalmente da cultura surda, concebe como estranha a ordenação lexical, e poderá interpretar como incorreta esta ordenação. Mais do que estranhamento, poderá não haver compreensão, sem compreensão não se pode dizer que houve leitura.

Expressões idiomáticas próprias de uma língua não são traduzíveis, isso acontece em qualquer língua falada. Esse é também o caso das línguas de sinais. Existem elementos culturais, ou melhor, atravessamentos culturais naturais que precisam ser considerados. Por isso, se justifica a necessidade de um conhecimento profundo por parte do tradutor/intérprete sobre a língua a ser interpretada/traduzida. Sendo assim, reforça-se o compromisso do

educador de surdos: conhecimento profundo da sua língua e conhecimento da língua e da cultura da comunidade surda.

Lembro que a Língua de Sinais, ao contrário do que algumas pessoas pensam, não é universal, exemplo disso são a Línguas de Sinais Americana (ASL) e a Língua de Sinais Britânica (ASB) entre outras. Cada país tem a sua Língua de Sinais. Isto significa que o surdo brasileiro fluente na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), não será necessariamente fluente numa segunda Língua de Sinais, como a Língua de Sinais Americana, somente pelo fato de ser surdo. Do mesmo modo que um brasileiro ouvinte, o surdo terá que aprender e ter contato com a segunda língua também de modalidade viso-espacial para se tornar bilíngue em outra Língua de Sinais.

No documento PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (páginas 39-43)