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O Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA)

CAPÍTULO 02 – DAS IDEIAS À PRÁTICA: A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA

2. Origem, formulação e execução do Programa Fome Zero

3.2. A busca pelo desenvolvimento autônomo e endógeno (As ações estruturantes)

3.2.2. O Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA)

O Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), instituído pela Lei 10.696 de 2 de julho de 2003, representava uma iniciativa específica do PFZ, com o objetivo de construir uma estratégia conjugada de fomento produtivo para a agricultura familiar à margem do mercado e ao mesmo tempo assistência alimentar às populações em

94 situação de risco. Como consta no Projeto FZ (2001), a ideia chave seria a construção de ações estruturantes de segurança alimentar, conectadas ao fomento da agricultura de base familiar e ao mesmo tempo à reforma agrária. Entretanto alguns autores apontam falhas no processo de implementação deste programa ao longo de 2004.

No que trata especificamente da reforma agrária, o objetivo de eliminar a concentração fundiária no país já constava no programa de governo do PT desde 1989. Entretanto, a partir de 2002, o partido passou a considerar a reforma agrária como uma política para o desenvolvimento rural, abandonando as medidas mais radicais de enfrentamento ao latifúndio pela criação de assentamentos em áreas improdutivas ou ilegais. Nesse sentido, Melo (2016) argumenta: “com isso, o foco da questão rural voltava-se para o combate à pobreza por meio do desenvolvimento do capitalismo no campo, além da estruturação de assentamentos já consolidados e a desapropriação de novas áreas” (MELO, 2016, p.121).

Antes da apresentação dos apontamentos sobre as possíveis falhas do programa, cabe argumentar que ao ser implementado, o PAA, contribuiu imediatamente para a recuperação dos preços recebidos pelos produtores agrícolas. Havendo casos em que o simples anúncio da compra pública foi suficiente para a elevação dos preços agropecuários20, contribuindo para o aumento da renda dos produtores apenas com o lançamento do programa. Incentivando também a organização e o planejamento da oferta nos segmentos participantes, e assim, aumentando, diversificando e melhorando a qualidade das refeições servidas nas escolas, creches, albergues, instituições de caridade e demais destinatárias dos alimentos adquiridos pelo governo federal.

Outras externalidades positivas do programa vão além da isenção de impostos que incidem sobre a circulação dos produtos alimentares. Dentro das perspectivas de integração da segurança alimentar e nutricional está o resgate e preservação dos costumes, dos hábitos e das culturas regionais. Contribuindo também para o aumento da frequência e o melhor desempenho escolar, a redução de doenças provocadas pela má alimentação, entre outras.

Dentro da concepção original do Projeto FZ (2001) havia três objetivos correspondentes a diferentes funções de política pública, os mesmos foram assumidos pelo Plano Safra e normatizados pelo PAA, sendo eles: i) de constituição de um polo institucional de demanda por alimentos dirigido à agricultura familiar; ii) de provisão de subvenções ao

20 Citam-se como exemplos os casos dos munícipios de Cacoal, Rolim de Moura e Alto Alegre em Rondônia, onde com o

simples anúncio do lançamento do PAA elevou-se o preço do feijão da faixa entre R$55,00-R$60,00 para R$62,00-R$70,00 na saca de 60kg. O mesmo ocorrendo na abertura do polo de compras em Teodoro Sampaio (SP) quando o preço do feijão sobe de R$53,00 para R$65,00 e o do milho de R$14,00 para R$16,50. No estado do Piauí o mesmo ocorreu com os preços da rapadura (Delgado et al. 2005).

95 consumo de alimentos à populações em situações de risco alimentar-nutricional; e iii) de que estas funções sejam atendidas mediante ação integrada da política agrária e de segurança alimentar.

Ao analisar as diretrizes e objetivos formalmente apresentados nos vários documentos institucionais do PAA, juntamente com as ações de implementação, gestão, provisão orçamentária, e outras, Delgado et al. (2005) destacam que o processo que se deslancha em 2004 “revela movimentos contraditórios de construção-desconstrução que se explicitam em atos e omissões”. Do lado orçamentário, por exemplo, observam-se sucessivas quedas nas dotações aplicadas em 2003, 2004 e previstas para 2005. Outro conflito a ser destacado é que:

A agricultura familiar também foi perdendo espaço para as monoculturas e as commodities para exportação. As lideranças do MST consideravam que o principal empecilho às mudanças estruturais no campo era a política econômica neoliberal (...) Mais uma vez , o governo seguia duas ideias antagônicas: de um lado, o fortalecimento da agricultura familiar e a criação de assentamentos para produzir alimentos para a distribuição pelo Fome Zero; de outro, a concessão de expressivos incentivos financeiros ao agronegócio voltado para a exportação de commodities para gerar divisas para o país (MELO, 2016, p.121).

Em contraste, um dos pontos positivos do programa foi inovar no ponto de vista institucional ao criar instrumentos de crédito com garantia de compra, objetivando centralmente a conexão entre o fomento à produção e às populações em risco alimentar. Entretanto esta estratégia passou por um processo de desconstrução, cujos determinantes teriam sido os seguintes:

i) O encurtamento dos recursos orçamentários, incluindo ai a desvinculação dos recursos da PGPM;

ii) A opção do MDS de concentrar suas aplicações em projetos estritamente ligados ao atendimento do risco alimentar local ou em diferentes convênios interestaduais e intermunicipais para promover projetos de produção e consumo do leite;

iii) A ação da área financeira governamental de reversão das inovações instrumentais gerenciados pela Conab, objetivando sua completa “bancarização.”

96 Por fim, frente às dificuldades enfrentadas pelo programa logo em seu início, Delgado et al (2005) recomendam alguns passos para reconstrução do PAA. Estes apontamentos vão no sentido de recuperar a estratégia do “polo institucional de compras”, explicitando o fomento agrícola-comercial e as medidas de subvenção ao consumo; devendo-se também ampliar as atribuições do Grupo Gestor do programa, numa gestão colegiadas em todas as ações e definições técnico-políticas; há também a necessidade de uma avaliação específica do Programa do Leite e dos Contratos de Compra Direta Local, assim como a correção de mecanismos de fiscalização e controle para inibir eventuais inadimplências no programa; entre outas medidas.