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O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil em Florianópolis

Desde as sociedades primitivas existe o trabalho precoce, no sentido de preparar as crianças e adolescentes para o futuro. Mesmo em serviços pesados, historicamente o trabalho não era considerado danoso ou prejudicial ao desenvolvimento destes.

No Brasil, apenas em 1927, com a criação do Código de Menores do juiz Mello Mattos o trabalho de crianças menores de doze (12) anos foi proibido. O Código de Menores também trouxe restrições quanto aos horários e locais em que os maiores de doze anos poderiam exercer atividades laborativas.

Na década de 1980, a sociedade brasileira começa a expressar uma preocupação com a situação da criança e do adolescente no país. A Constituição de 1988 em seu Art. 227, expressa que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Tal preocupação incorporou a Doutrina de Proteção Integral, estabelecendo conquistas significativas para todas as crianças e adolescentes.

Outro marco significativo foi a Lei 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sancionado em 1990, representando o mais completo código relativo aos direitos da infância e adolescência no Brasil identificando-os como sujeitos de direitos e que, por serem pessoas em desenvolvimento, necessitam de cuidados e proteção especiais. De acordo com o artigo 2º do ECA, é considerada criança pessoa até doze anos incompletos e adolescente aqueles entre doze e dezoito anos completos. Proíbe qualquer trabalho a menores de dezesseis (16) anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.

Em 1991 o Programa Internacional para a Eliminação de Trabalho Infantil (IPEC), foi um dos instrumentos de cooperação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) contribuindo na articulação, mobilização e legitimação das iniciativas nacionais e internacionais de combate ao trabalho precoce. Em 1994 foi criado o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) com o apoio da OIT e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

Segundo Custódio:

O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil é constituído por uma Coordenação Colegiada e as demais entidades participantes da Rede Nacional de Combate ao Trabalho Infantil. A Coordenadoria Colegiada é composta pela Central Única dos Trabalhadores, Confederação Nacional da Agricultura, Ministério do Trabalho e Emprego e Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e Ministério Público do Trabalho. (2002, p. 16)

Como resultado desse Fórum, o Governo Federal reconhecendo a realidade de trabalho das crianças e adolescentes, após inúmeras denúncias, mais especificamente nas carvoarias do Estado de Mato Grosso do Sul, nas sinaleiras da Bahia e ainda na zona carvoeira de Pernambuco, cria em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), que se tornou a principal ferramenta para combate a exploração do trabalho precoce no país.

O PETI enquanto Programa do Governo Federal foi idealizado dentro de uma concepção de gestão intergovernamental, de caráter intersetorial. Sendo assim, se faz necessário que todas as instâncias trabalhem de forma pactuada e integrada, de acordo com as competências de cada esfera do governo, envolvendo também a participação da sociedade civil. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios participam atuando como gestores do Programa, no âmbito de sua competência, providenciando a estrutura necessária para sua execução, viabilizando recursos humanos e financeiros, indispensáveis ao êxito do Programa. É financiado com os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social, com o co- financiamento de estados e municípios, podendo ainda contar com a participação financeira da iniciativa privada e da sociedade civil.

O financiamento originado pela União visa à concessão de uma bolsa chamada Bolsa Criança Cidadã, para manutenção das atividades sócioeducativas e de convivência e para a promoção de ações voltadas à geração de trabalho e renda para as famílias inseridas no programa.

Dentro do Sistema Único de Assistência Social (SUAS8), o PETI está inserido no nível de Proteção Social Especial, entendida como a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho precoce entre outras.

Os Serviços de Proteção Social Especial requerem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas, o que exige muitas vezes uma gestão compartilhada com o Poder Judiciário e outros órgãos e ações do Poder Executivo.

Segundo informações da Delegacia Regional do Trabalho, considerando os casos de exploração de trabalho infantil existentes no Estado de Santa Catarina, o PETI foi implantado em novembro de 1999 nos municípios do norte como São João Batista e Canelinha, onde predomina a indústria calçadista e cerâmica, e mais ao sul em Içara, Morro da Fumaça, Treze de Maio e Sangão onde prevalece à agricultura e a agropecuária.

A implantação em Florianópolis se deu em abril de 2000 e a meta inicial do programa no município era de atingir duzentas e dez crianças/adolescentes em situação de trabalho precoce. No mesmo ano esta meta passou para quinhentas e vinte e cinco e,

8 O SUAS é um sistema descentralizado e participativo, que regula e organiza os elementos essenciais da

Política Nacional de Assistência Social. Oferece concretude à PNAS de Assistência Social na perspectiva de construir os direitos de seus usuários e sua inserção na sociedade.

posteriormente, chegou a setecentas e dez crianças/adolescentes devido à grande demanda existente. Atualmente o PETI não possui metas quantitativas explícitas, mas deve atender todas as denúncias de trabalho precoce que venha a receber com o intuito de erradicar essa prática.

Em Florianópolis o programa está vinculado à Secretaria Municipal de Assistência Social e Juventude, integrando a Diretoria de Serviços Especiais de Média Complexidade e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), criada conforme Lei Complementar nº 348 de 27 de janeiro de 2009, que dispõe sobre o modelo de gestão e a estrutura organizacional da administração pública municipal. Está localizado nas instalações da Cidade da Criança, no Bairro Agronômica. O prédio onde está situado foi construído em 1999 e, portanto, o Programa passou a funcionar neste ambiente já no ano seguinte.

De acordo com as diretrizes e normas estabelecidas na Portaria 458/2001 o PETI possui como principais objetivos:

- Retirar crianças e adolescentes de 0 a 16 de idade do trabalho considerado perigoso, penoso, insalubre ou degradante;

- Possibilitar o acesso, a permanência e o bom desempenho de crianças e adolescentes na escola;

- Implantar Projetos de Ações Sócio-educativas e de Convivência no período complementar a escola com atividades esportivas, artísticas, culturais e de lazer;

- Conceder uma complementação mensal de renda – Bolsa Criança Cidadã, as famílias;

- Proporcionar apoio e orientação as famílias beneficiadas;

- Promover programas e projetos de qualificação profissional e de geração de emprego e renda junto às famílias.

A renda paga pelo PETI as famílias é de R$ 40,00 por criança/adolescente na área urbana e R$ 25,00 na área rural, sendo limitada a inserção de três crianças/adolescentes por família. Em contrapartida ao repasse do benefício, as famílias devem garantir a retirada de todos os filhos do trabalho, além de matriculá-los na escola e projetos de ações sócioeducativas e de convivência nos quais terão reforço escolar e participarão de atividades esportivas, culturais, artísticas e de lazer.

Segundo a Portaria nº 458/2001, as famílias necessitam cumprir as seguintes condicionalidades:

- Retirada de todos os filhos menores de 16 anos de atividades laborais e de exploração;

- Retirada de todos os filhos menores de 18 anos de situações de exploração sexual;

- Apoio a manutenção dos filhos na escola e nas atividades da Jornada Ampliada;

- Participação nas ações sócio-educativas e de convivência;

- Participação nos programas e projetos de qualificação profissional e de geração de trabalho e renda.

As atividades esportivas, artísticas, de lazer, culturais, lúdicas, além de reforço escolar e auxílio às tarefas, devem ser frequentadas no contra turno da escola, sendo oferecidas por Organizações Governamentais e por Organizações Não Governamentais (ONGs) que possuem parceria com o programa, sendo vedadas atividades profissionalizantes com crianças e adolescentes inseridos no programa.

Assim, baseada na Portaria 458/2001, as atividades sócioeducativas e de convivência possibilitam “o desenvolvimento de potencialidades das crianças e adolescentes, com vista à melhoria do desenvolvimento escolar, e inserção no circuito de bens, serviços e riquezas sociais”.

A inclusão das crianças e adolescentes no Programa ocorre por meio de encaminhamentos oriundos do Conselho Tutelar, Programa Abordagem de Rua, Programa Sentinela, Programa de Orientação e Apoio Sócio-Familiar e outras instituições, como por exemplo, escolas e organizações da sociedade civil. Qualquer cidadão que se depare com uma criança ou adolescente em situação de trabalho pode acionar os órgãos citados acima ou ainda através do disque denúncia9 para que seja verificada tal situação e encaminhada ao PETI.

Consta na Portaria nº 458/2001 que o prazo máximo de permanência no programa é de quatro anos, sendo contabilizado a partir do momento da inserção da família. A suspensão definitiva da bolsa ocorre quando o adolescente completa a idade limite no programa que é de dezesseis anos, por descumprimento de condiocionalidades estabelecidas ou quando ocorre a mudança de município.

No ano de 2004 o Governo Federal criou o Programa Bolsa Família (PBF), unificando três programas de transferência de renda: o Programa Bolsa Alimentação, o Auxílio Gás e o Bolsa Escola. O PBF tem como objetivo promover o alívio imediato da pobreza através da transferência direta de renda as famílias. A renda paga pelo PBF varia de

9 SOS Criança – Serviço Sentinela: Serviço Público gratuito do município de Florianópolis, específico na

captação de denúncias (via telefone – 0800 643 1407 ou presencial – Rua Rui Barbosa, 677 – Bairro Agronômica), orientações e informações de violação de direitos contra crianças e adolescentes, funcionando 24

R$ 18,00 a R$ 112,00, dependendo do número de crianças e da renda per capita da família que não deve ultrapassar o valor de R$ 120,00.

Em dezembro de 2005, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), através da Portaria nº 666 promoveu a integração do PBF e PETI. Com este procedimento visou aumentar o alcance dos programas sociais do Governo Federal, ampliando a cobertura de atendimento das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil do PETI. Criou também o Sistema de Controle e de Acompanhamento da Freqüência no Serviço Sócioeducativo do PETI (SISPETI). De acordo com a Instrução Operacional SNAS/MDS nº 01, de 19 de setembro de 2007, que estabelece como procedimento e orientações para a utilização do SISPETI, esse sistema tem como objetivo “controlar e acompanhar a freqüência mensal mínima de 85%, exigida como condicionalidade para permanência no PETI, e o desenvolvimento do Serviço Sócioeducativo destinado ao atendimento de crianças e adolescentes oriundas de situação de trabalho”. Ainda, segundo a Instrução Operacional, o SISPETI também tem a finalidade de disponibilizar diagnóstico sobre a oferta e a qualidade de serviços sócio educativos do município.

Para evitar a duplicidade de benefícios, o MDS determinou que todas as famílias do PETI fossem incluídas na lista do Cadastro Único (Cadún), este criado em 2001. É um instrumento de coleta de dados e informações com o objetivo de identificar as famílias em situação de pobreza em todos os municípios brasileiros. Os dados a serem preenchidos referem-se às informações, identificação e caracterização do domicílio, da documentação civil de cada membro da família, escolaridade e participação no mercado de trabalho e rendimento. Nesse Cadastro há um campo específico para identificação de obtenção de algum outro tipo benefício social pela família, como por exemplo, o PETI ou o BPC. Estas informações são repassadas à Caixa Econômica Federal (CEF), que é a responsável pelo repasse do benefício através do Cartão Cidadão ou Cartão Programa Bolsa Família.

O surgimento de formas de se combater a exploração das atividades laborativas de crianças e adolescentes são reflexos da ação do Estado e da mobilização da sociedade, no sentido de erradicar os casos de trabalho precoce considerado insalubre, penoso, perigoso, insalubre e degradante. Porém, considerando as condicionalidades impostas pelos programas sociais, podemos perceber a responsabilização da família pelo cuidado de seus filhos e demais familiares.

Sobre a situação de crianças e adolescentes, conforme Yasbek:

horas, inclusive sábados, domingos, feriados e pontos facultativos, sendo assegurado o sigilo e anonimato de quem faz a denúncia.

Empurradas precocemente pela pobreza crescente em direção ao mercado de trabalho, quando não para a vida na rua, crianças e adolescentes paradoxalmente não melhoram muito os baixos níveis de vida de suas famílias. Sem possibilidade de escolarização e profissionalização, ocupam posições ocupacionais desqualificadas e com baixos salários, situação que muitas obedientemente, tendem a reproduzir na vida adulta. Outras acabam por se inserir no mundo da delinquência. A maior parte das crianças pobres são coagidas a luta por si e por suas famílias e, assim sendo, tem alterado o curso de sua socialização e o caráter lúdico de sua identidade infantil. (2003, p. 14-15)

Esta dura realidade se faz presente na maioria das famílias inseridas no PETI, cujo atendimento realizado pelo Serviço Social será abordado de forma mais detalhada no subitem a seguir.