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Capítulo III – Texto Literário e Gramática na Aula de Língua

3.2. O texto literário e o estudo das estruturas gramaticais da língua na aula de

3.2.2. O Programa de Espanhol para o 3.º Ciclo do Ensino Básico

Como, na disciplina de Espanhol, as três turmas com as quais trabalhámos pertenciam ao 7.º, 8.º e 9.º ano, deter-nos-emos sobre as prerrogativas do Programa que orienta a prática pedagógica nestes níveis de ensino.

Na Introdução do Programa de Espanhol para o 3.º Ciclo do Ensino Básico encontramos as traves-mestras que sustentam o desenho curricular desta disciplina nos níveis iniciais de que aqui tratamos. Diz-se, então, o seguinte:

A língua, ao ser concebida como um espaço de apropriação/expressão do eu, é um instrumento privilegiado de comunicação, graças à sua capacidade de representar a

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realidade, partilhada na generalidade por todos os membros de uma comunidade linguística, que nos permite receber e transmitir informação de natureza muito diversa, influindo assim sobre os outros, regulando e orientando a sua atividade. […]

O aluno que inicia a aprendizagem de uma língua estrangeira tem, pois, diante de si um poderoso meio de desenvolvimento pessoal, de integração social, de aquisição cultural e de comunicação. A capacidade de comunicar numa língua estrangeira e o conhecimento da mesma proporcionam uma ajuda considerável para uma melhor compreensão da língua materna, ao promover a reflexão sobre o funcionamento da língua – estrangeira e materna – através de estratégias várias, entre as quais importa salientar a análise contrastiva. […]

O paradigma metodológico por que se optou foi o comunicativo, já que ele privilegia um crescimento holístico do indivíduo, em que o aluno é o centro da aprendizagem, sendo que a competência comunicativa surge como uma macrocompetência, que integra um conjunto de cinco competências – linguística, discursiva, estratégica sociocultural e sociolinguística – que interagem entre si.» (Ministério da Educação, 1997: 5)

Estas palavras mostram, já, o papel central da língua estrangeira enquanto vetor determinante no desenvolvimento da competência comunicativa. Embora este documento seja anterior ao Marco Común Europeo de Referencia (MCER), esta função pragmática da língua e o protagonismo assumido pela ação do aluno são já evidentes. A competência comunicativa é assumidamente referida como determinante na integração social e cultural do aluno e inclui, entre outras, as competências linguística e discursiva. Ora, estas duas competências (que, relembramos, são parte integrante da macro- competência comunicativa) pressupõem a exploração da gramática (para o domínio das estruturas da língua) e dos textos (enquanto resultado dos vários géneros discursivos que a língua prevê). O estudo-aprendizagem da língua estrangeira orientado para a comunicação pressupõe, portanto, o estudo da gramática e dos textos.

É de salientar o facto de não encontrarmos nenhuma referência à leitura do texto literário e, muito menos, à possibilidade de trabalhar de forma articulada a literatura e a gramática. Ainda assim, não podemos deixar de reconhecer que é feita alusão a «textos […] de natureza diversificada» no capítulo dos Objetivos: «Compreender textos orais e escritos, de natureza diversificada e de acessibilidade adequada ao seu desenvolvimento linguístico, psicológico e social;» (idem: 9). Na justificação dos conteúdos definidos, é dito que os conteúdos foram estabelecidos para os seguintes domínios: compreensão oral, expressão oral, compreensão escrita, expressão escrita, reflexão sobre a língua e a sua aprendizagem e aspetos socioculturais (Idem: 11). Quando descriminados os conteúdos e procedimentos no âmbito da expressão escrita (Idem: 17), é feita alusão à produção de textos «com a finalidade de satisfazer necessidades pessoais de comunicação», «escrever textos narrativos, descritivos e expositivos» e «utilizar

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diferentes registos de acordo com o(s) interlocutor(es) e com o tema» e «Adequar a apresentação formal às diversas situações de comunicação escrita». É, pois, dada relevância às diferentes intenções comunicativas na produção de textos escritos e é neste sentido que podemos encaixar o texto literário enquanto género discursivo com caraterísticas particulares e com uma determinada intenção comunicativa. Não podemos, no entanto, afirmar que a literatura tenha, de forma explícita, um papel de relevo neste programa, até porque o termo «literário» é quase (se não totalmente) omisso. Parece-nos, ainda assim, importante destacar uma passagem do capítulo Orientações Metodológicas:

No processo de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira deve ter-se sempre presente que a linguagem é uma atividade humana complexa, que deve ser abordada de forma global. O desenvolvimento da competência comunicativa atinge-se integrando todos os conteúdos em situação de comunicação oral ou escritas.15 (Idem: 29)

Esta afirmação, de caráter muito abrangente (vago, até, diríamos) pode indiciar múltiplas possibilidades no que concerne à utilização de recursos didáticos em sala de aula, desde que, de alguma forma, reflitam contextos comunicativos. Se assim for, são muitas as possibilidades para trabalhar a língua materna. No entanto, e dada a relevância do texto literário enquanto manifestação artística, parece-nos que este documento fica manifestamente aquém do que seria aconselhável para um nível de ensino em que, quer na língua materna quer noutras línguas estrangeiras, encontramos já nos planos curriculares excertos ou mesmo obras literárias integrais.

Embora, como já vimos, a articulação entre o texto literário e a gramática não surja explicitada neste documento – nem o texto literário seja referido enquanto recurso didático com preponderância – encontramos no Programa uma passagem que nos parece de toda a relevância salientar:

Se partirmos do princípio que a língua se aprende global e progressivamente e que só posteriormente a analisamos, isto é, que se parte do todo para os seus elementos constituintes, pressupõe-se que não se deve começar pela frase isolada, mas sim por textos ou discursos completos, ainda que breves. Por outro lado, só os textos completos estão contextualizados, ou seja, contêm todos os elementos linguísticos e não linguísticos que integram todas as suas potencialidades comunicativas (gestos, inflexões de voz…).

Uma abordagem comunicativa do texto escrito, leva-nos a considerá-lo com todos os elementos que configuram uma situação de comunicação: alguém escreve algo para alguém com um objetivo definido, isto é, com uma intenção.

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No entanto, a produção e a receção nem sempre ocorrem no mesmo momento, o que nos permite distinguir situações de produção ou escrita e situações de receção ou leitura. Esta última é um processo de interação entre o leitor e o texto: o leitor, recorrendo aos seus conhecimentos prévios e à compreensão dos elementos linguísticos do texto, reconstitui o significado do mesmo, formulando hipóteses de sentido.16 (Idem:

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Ora, estes parágrafos corroboram, em absoluto, toda a argumentação que temos vindo a defender, ou seja, a de que a compreensão e análise das estruturas linguísticas é determinante para a compreensão do texto literário. Embora não se fale exatamente do texto literário, podemos deduzir que, falando-se de texto, o literário está subentendido.

Concluímos, pois, que, embora sendo um documento com alguns anos (e que precisa de ser atualizado), não tendo sido feito à luz dos preceitos do Marco Común

Europeo de Referencia, este Programa de Espanhol para o 3.º Ciclo apresenta já,

timidamente e em passagens dispersas e pontuais, as linhas que nos conduzem na defesa da exploração da gramática e da literatura de forma consertada em sala de aula, constituindo um fator de enriquecimento não apenas sociocultural mas também linguístico/comunicativo. Realçamos, ainda assim, a clara omissão do texto literário enquanto recurso didático pertinente no estudo da língua estrangeira, o que faz desta análise a favor da indissociabilidade da literatura e da gramática um esforço otimista em ver para além do que é explícito.

Ainda que não seja propósito deste trabalho analisar criticamente os manuais escolares de Espanhol, referimos apenas que, na generalidade dos casos, e nos três anos de ensino com os quais trabalhámos, a presença de textos literários é claramente escassa. No caso dos manuais para o 7.º ano (o nível inicial), arriscaríamos a afirmar que é totalmente inexistente. Este facto, associado à já mencionada omissão do Programa, fez da preparação das propostas didáticas que a seguir se apresentam um desafio particularmente trabalhoso mas também estimulante.

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Capítulo IV – Prática Pedagógica

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