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O Programa Etnomatemática

No documento MARIA APARECIDA DELFINO DA SILVA (páginas 41-44)

Capítulo 2 – MATEMÁTICA E ETNOMATEMÁTICA

2.2 O Programa Etnomatemática

Por volta dos anos 70, alguns educadores e pesquisadores em Educação Matemática estavam descontentes com a matemática apresentada pelo Movimento da Matemática Moderna,5 pois esta não levava em conta a matemática desenvolvida no cotidiano.

Na ocasião, o movimento denominado Matemática Moderna levantava aspectos formais e conceituais cujo âmbito de interesses seria mais restrito aos estudiosos da matemática, e não àqueles que dela iriam fazer uso em sua prática cotidiana.

Esta abordagem intrinsecamente estruturalista não condizia, na visão dos pesquisadores em Educação Matemática, com a necessidade de instrumentalizar os conhecimentos para o dia-a-dia.

A revista Educação Matemática da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, no exemplar n. 1, ano 1, do 2.º semestre de 1993, em sua edição temática denominada Etnomatemática, traz a resenha de Maria Q. A . Anastácio da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG, em que ela esclarece que durante a Conferência da Associação Nacional de Professores de Matemática (NCTM) dos Estados Unidos da América do Norte, realizada em 1985, Ubiratan D’Ambrosio sugeriu a criação do grupo ISGEm (Grupo Internacional de Estudos sobre Etnomatemática), dando início a uma série de boletins tratando especificamente de assuntos relativos a esse campo de pesquisa.

Nestes boletins são apresentados alguns termos usados por alguns pesquisadores e educadores na tentativa de conceitualizar a palavra etnomatemática.

5 Matemática Moderna: movimento curricular que teve início nos Estados Unidos por volta das

décadas de 60/70. Vários grupos se empenharam na elaboração e difusão da nova proposta curricular para contrapor ao currículo tradicional que era ensinado nas escolas de níveis elementar e secundário.

Etnomatemática é definida no primeiro boletim como “a matemática do ambiente”, ou “matemática da comunidade”. “É a maneira particular (e talvez peculiar) em que grupos culturais específicos realizam as tarefas de classificar, ordenar, contar e medir” (Boletim, v. 1, n. 1, ago. 1985).

Para Cláudia Zaslavela, “Etnomatemática é sinônimo de ‘Sócio- Matemática’”, e para Márcia Ascher significa “[...] o estudo sério das idéias matemáticas de povos não-letrados (não-alfabetizados)” (Boletim, v. 1, n. 2, mar. 1986).

Para Paulus Gerdes seria uma matemática “escondida” ou “congelada” (Boletim, v. 2, n. 2, mar. 1987).

Por sua vez, o casal Márcia e Robert Ascher considera “Etnomatemática [...] o estudo das idéias matemáticas dos povos não-alfabetizados” (Boletim, v. 3, n. 2, mar. 1988).

Eduardo Sebastiani Ferreira (1997), em seus estudos sobre a fundamentação teórica, nos informa que Paulus Guerdes, na introdução de seu livro

Estudos da matemática, de 1989, também descreve o esforço dos pesquisadores na

tentativa de conceituar este termo e acrescenta que D’Ambrosio levantou a necessidade de se chegar a um consenso, na reunião do ISGEm em 1992:

Na falta de uma teoria e de uma definição precisa, D’Ambrosio propõe um programa etnomatemático; para ele, a Etnomatemática é um programa no sentido de Lakatos, isto é, como ele mesmo escreveu: “A metodologia do programa de pesquisa denominado Etnomatemática deve ser muito amplo. Ele focaliza a geração, organização intelectual e social, a institucionalização e a difusão dos conhecimentos – e é no difundir que entra a parte da Educação. Estes quatro ramos correspondem ao que usualmente é estudado como cognição, epistemologia, história e sociologia do conhecimento, incluindo a educação”.

E acrescenta que D’Ambrosio “[...], fazendo um estudo etimológico da palavra Etnomatemática, dá uma aproximação do seu pensar sobre seu programa: “é a arte ou técnica (techné = tica) de explicar, de entender, de se desempenhar na

realidade (matema) dentro de um contexto cultural próprio (etno)” (D’Ambrosio apud Ferreira, 1997, p. 24).

Deste modo, Ubiratan D’Ambrosio nos mostra que, já em sua etimologia, o termo etnomatemática é inteiramente adequado aos seus propósitos dentro do enfoque metodológico e epistemológico de seus estudos.

Muitas dissertações e teses têm sido defendidas no Brasil e no exterior dentro deste enfoque.

O Grupo de Estudos de Etnomatemática,6 coordenado pela Professora Maria do Carmo Domite, publicou a obra denominada Pesquisa em etnomatemática7 que reúne o resumo de dissertações e teses neste campo de pesquisa. Entre os trabalhos relacionados podemos citar os de Alexandrina Monteiro junto aos sem- terra, Marcelo Carvalho Borba com os moradores de uma favela em Campinas, Gelsa Knijik junto aos integrantes do MST no Rio Grande do Sul.

Outra fonte de acesso a essas pesquisas é o Banco de Dados de Teses do Cempem: Faculdade de Educação – Unicamp – Campinas/SP.

Gelsa Knijnik (1996) nos coloca que, segundo Marylyn Frankenstein e Arthur Powell (1992, p. 6), toda a vasta produção até hoje sobre etnomatemática “pode ser analisada a partir de duas posições dominantes: a primeira delas associada ao pensamento de D’Ambrosio e a segunda ao de Ascher”.

Para Márcia e Robert Ascher, etnomatemática compreende o estudo da elaboração matemática dos povos não-alfabetizados. Segundo este casal a etnomatemática busca a compreensão de que a matemática dos povos não-

6 “[...] eu vi a criação, a partir de 1999, de um Grupo de Estudos de Etnomatemática, na Faculdade

de Educação da Universidade de São Paulo, sob a coordenação da Profa. Maria do Carmo Domite.” Ubiratan D’Ambrosio no prefácio dos Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Etnomatemática, São Paulo, SP, 1.º a 04 de novembro de 2000, coordenação de Maria do Carmo S. Domite; Ubiratan D’Ambrosio. São Paulo: Feusp, 2000, 564 p.

alfabetizados não representa um estágio menos evoluído na história da matemática, pois eles tratam deste tema em relação ao universo cultural próprio destes povos e não tendo como referência a matemática ocidental.

Paulus Gerdes (1991, p. 32) nos coloca que “talvez seja provisoriamente melhor falar de um acento etnomatemático na investigação e na educação matemática, ou de um movimento etnomatemático”, e com este cuidado Gelsa Knijik (1996) utiliza em seus trabalhos “a expressão Abordagem Etnomatemática para designar”

A investigação das tradições, práticas e concepções matemáticas de um grupo social subordinado (quanto ao volume e composição de capital social, cultural e econômico) e o trabalho pedagógico que se desenvolve com o objetivo de que o grupo

– interprete e decodifique seu conhecimento;

– adquira o conhecimento produzido pela Matemática acadêmica e estabeleça comparações entre o seu conhecimento e o conhecimento acadêmico, analisando as relações de poder envolvidas no uso destes dois saberes (p.88).

A linha que nos propusemos a seguir neste trabalho é a de Ubiratan D’Ambrosio. Pois, segundo este, o Programa Etnomatemática procura incentivar a pesquisa no sentido de resgatar a tempo o “fazer (práticas) e o saber (teorias)” (2005, p. 19) de determinados grupos, tais como indígenas, crianças que trabalham na feira, profissionais como a costureira, o pedreiro, o marceneiro, etc., conhecimento este que por muito tempo foi ignorado. Este programa procura também investigar a possível inserção desse conhecimento na relação ensino- aprendizagem que se dá no espaço escolar.

No documento MARIA APARECIDA DELFINO DA SILVA (páginas 41-44)