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2.4.1 A chegada do projeto neoliberal ao Brasil

No Brasil, a crise do Estado teve contornos um pouco diferenciados, porque não se deu em razão dos gastos com a garantia de direitos sociais, mas do modelo desenvolvimentista, que o País adotou a partir da década de 1930, cuja estratégia era a industrialização mediante investimento lastreado no crédito internacional. Disso decorreu um aumento astronômico da dívida pública externa brasileira, o que resultou em crise econômica quando do aumento da taxa de juros dos financiamentos externos e do desequilíbrio da balança comercial pela subida do preço do petróleo, na década de 1980 (SALLUM JR., 1996).

O surto hiperinflacionário e o descontrole da dívida externa acabaram por abrir espaço para a crítica ao papel produtivo do Estado, o que supostamente teria gerado a crise econômica, abrindo espaço para a propositura de soluções neoliberais, como o ajuste fiscal, a quebra do intervencionismo estatal, a privatização e a abertura comercial da economia, com retorno à adoção de mecanismos de mercado (PAULA, 2005; SALLUM JR., 1996).

Na transição democrática, a política brasileira já mostrava sinais da influência da cartilha neoliberal do mercado financeiro internacional. Mas não havia um consenso sobre tal questão e o conteúdo social-programático de expansão do âmbito estatal da CF/88 se apresentava como um obstáculo ao neoconservadorismo.

Contudo, desde então, o empresariado passou a melhor organizar-se politicamente, condicionando cada vez mais a atuação estatal para a associação da economia local com o

sistema capitalista internacional. Para tanto, veio a contar com o apoio dos meios de comunicação em massa (SALLUM JR., 1996).

Assim é que, embora a formulação normativa do SUS se tenha orientado pela linha do Estado do Bem-Estar Social, os governos de Fernando Collor de Mello e FHC trouxeram a influência do pensamento neoliberal para o planejamento e a execução das políticas públicas. Tal tendência mostrou sua efetividade, relativamente à questão da privatização de serviços públicos, no PDRAE, que teve lugar no governo de FHC e foi capitaneado pelo então Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira.

2.4.2 O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado

O discurso da Reforma do Estado (PEREIRA, 1997, 1998) pressupõe que a crise econômica brasileira se deu em três aspectos: a crise fiscal do Estado, a crise sobre o modo de intervenção estatal e a forma burocrática utilizada para sua administração. Critica a burocracia por não ter obtido sucesso no combate à corrupção e a qualifica de lenta, cara e ineficiente, na medida em que foca nos procedimentos a serem realizados e não em resultados.

O PDRAE propõe a redefinição do papel do Estado, de molde a que as atividades executoras de direitos sociais sejam substituídas por atividades meramente financiadoras e reguladoras. Divide o Estado em quatro setores: o núcleo estratégico, os serviços exclusivos, os serviços não exclusivos e a produção de bens e serviços para o mercado.

O núcleo estratégico constitui-se pelas atividades que definem as leis e as políticas públicas. Os serviços exclusivos são aqueles da competência exclusiva do Estado (poder de legislar, de tributar e de polícia). Os serviços não exclusivos são aqueles providos pelo Estado, mas não envolvem seu poder extroverso e podem ser prestados pelo particular em paralelo, como as atividades garantidoras de direitos sociais (saúde e educação). Por último, o quarto setor, da produção de bens e serviços, são a forma de intervenção estatal na ordem econômica (BRASIL, 1995; PEREIRA, 1997, 1998).

A reforma sugere que, em relação aos serviços não exclusivos, como as atividades assistenciais do SUS, deve haver um afastamento do Estado da prestação direta, passando a um regime de propriedade “público não estatal”, informado pela administração gerencial. A transferência da execução de serviços públicos não exclusivos para a sociedade civil dar-se- á por “organizações públicas não estatais”, as quais não fazem parte do aparelho estatal, mas também não visam ao lucro, e, financiadas pelo Poder Público através de dotações orçamentárias, realizam tais atividades mediante um instrumento denominado contrato de gestão, no qual são definidos os objetivos das entidades executoras, os indicadores de desempenho e os recursos humanos, materiais e financeiros para sua realização (PEREIRA, 1997, 1998).

Pereira (1997, 1998) negou que o PDRAE seja uma proposta política de cunho neoliberal. Para ele, o pressuposto neoliberal é somente aquele que consta do discurso liberal puro, de um clássico Estado Mínimo, destinado a garantir apenas os direitos de propriedade e as relações contratuais, deixando ao mercado a livre coordenação. Defende que a sua intenção não é reduzir o Estado, mas, sim, reformá-lo.

Apesar dos argumentos de Pereira no sentido de que o PDRAE se qualifica para além do discurso neoliberal em relação à privatização de serviços públicos, o modelo proposto guarda uma característica neoconservadora (BAPTISTA; MACHADO, 2007; MELLO, 2011), na medida em que se erige numa ótica que repassa ao mercado e à sociedade civil a questão da promoção da justiça social.

De qualquer forma, apesar do evidente insucesso do PDRAE, que culminou inclusive com a extinção do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) apenas quatro anos após a sua criação (REZENDE, 2002), têm sido cada vez mais frequentes, na praxe, as parcerias público-privadas com OSs e outras entidades do terceiro setor, especialmente na área da saúde.

Ocorre que, embora os serviços de saúde não sejam monopólio do Estado, há limites para a delegação de seus serviços ao setor privado, que foram estabelecidos pela diretriz da complementaridade no SUS, a partir da adoção, pela CF/88, de um paradigma de Estado influenciado pela lógica do bem-estar social (BOSCHETTI, 2003; MEDAUAR, 2011; MELLO, 2011). Desse quadro, emerge a discussão sobre a constitucionalidade dos atos do PDRAE que importem em privatização maciça dos serviços de saúde ao setor privado.

2.5 A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL SOBRE A DIRETRIZ DA