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O PROTAGONISMO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DA

CAPÍTULO 1 – A EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL

1.1 O PROTAGONISMO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DA

cenário brasileiro, trazendo inúmeras demandas sociais e fazendo com que seja preciso refletir a respeito de como esse modelo econômico no qual vivemos é agressivo, insustentável, marcado por uma história de violência e expropriação, mas, ao mesmo tempo, pela luta legítima dos sujeitos que são afetados por ele.

Nesse capítulo, abordei como os movimentos sociais constroem a Educação do Campo e como a Agroecologia compõe uma educação emancipadora, buscando a valorização das diversas formas de vida e conhecimentos.

1.1 O PROTAGONISMO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Historicamente, em função dos interesses econômicos, territórios foram expropriados dos sujeitos que a ele pertenciam. São nesses espaços que surgem os movimentos sociais do campo. Tais movimentos são articulados em torno de carências existenciais e questões não respondidas, quando os sujeitos se identificam, resistem e lutam por identidades culturais e objetivos coletivos. Para Gohn (2011), os movimentos sociais “realizam diagnósticos sobre a realidade social, e constroem propostas. Atuando em redes, constroem ações coletivas que agem como resistência à exclusão e lutam pela inclusão social” (p. 336).

No Brasil, os movimentos sociais do campo resultam de lutas anteriores, que se deram desde a resistência indígena pelo direito à terra ancestral, a resistência negra nos quilombos, nas cidades e nos campos, por exemplo. Durante nossa história, muitos foram os movimentos camponeses organizados e liderados pelos

“sem terra” como, por exemplo, a Revolta dos Malês34, o Contestado35 e as Ligas

Camponesas36. O fato é que, até os dias de hoje, a alta concentração da terra tem

gerado conflitos – especialmente, a resistência à desterritorialização. Esse processo ocorre devido ao avanço do capital, tensões político-ideológicas e concentração do mercado, quando os interesses comerciais estão acima dos direitos humanos.

O reconhecimento e manutenção do território camponês são fatores que mantêm a identidade de um conjunto de sujeitos, assim como possibilitam a articulação de lutas por melhorias e mudanças estruturais. Em busca dessas transformações para um novo projeto de campo, surge no âmbito dos movimentos sociais a “[...] relevância da intencionalidade educativa, da construção de um projeto educativo que se vincule ao projeto histórico, para que a materialidade da luta forje novas relações sociais no cotidiano e humanize os sujeitos que dela participam, constituindo-se em uma ação cultural para a libertação” (SCHWENLDER, 2010, p. 278).

Portanto, os movimentos sociais buscam relacionar o processo de educação com os de libertação e têm construído um novo projeto de campo a partir de uma educação humanizadora que contribua com a “[...] transformação tanto da estrutura de classes e do modo de produção vigente na sociedade como também dos sujeitos oprimidos enquanto classe, gênero e raça” (SCHWENLDER, 2010, p. 276).

A relação entre movimento social e educação existe a partir das ações práticas dos movimentos e grupos sociais. Para Gohn (2011), ela ocorre de duas formas: na interação dos movimentos em contato com instituições educacionais e no interior do próprio movimento social, dado o caráter educativo de suas ações. A educação é parte de um caráter histórico, sendo discutida dentro e fora dos espaços escolares, fazendo parte das pautas dos movimentos sociais, envolvendo questões inter-relacionadas.

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34 A revolta dos Malês ocorreu em Salvador, em 25 de janeiro de 1835. Os malês eram negros

muçulmanos de língua iorubá. O levante ocorreu em resistência à escravidão e à imposição do cristianismo.

35 O Movimento do Contestado era organizado pela população cabocla. Em 1912, foi travada uma

guerra com os representantes dos poderes estadual e federal brasileiro que durou até agosto de 1916, em uma região rica em erva-mate e madeira, disputada pelos estados de Santa Catarina e Paraná.

36 As Ligas Camponesas foram organizações de camponeses em prol da reforma agrária organizadas

Portanto, o movimento social é um espaço educativo no qual se produzem lições para desenvolver processos de formação humana. Motivados pela exclusão dos setores populares aos serviços públicos, o aprendizado de direito dentro dos movimentos sociais se destaca como uma dimensão educativa, quando lutam não apenas pelo direito à escola, mas também por políticas públicas que estejam relacionadas com qualidade de vida e humanização. Os sujeitos se descobrem e aprendem como sujeitos de direitos, diante dos processos de exclusão e opressão. Assim, para que se possa compreender a Educação do Campo e suas práticas, é preciso reconhecer que os movimentos sociais atuam fortemente nas políticas e diretrizes curriculares na busca do reconhecimento e a existência dos diversos sujeitos em suas diferenças.

A luta pela escola no campo e pelo acesso ao ensino superior mostra que os movimentos sociais estão atentos a conquista dos conhecimentos socialmente produzidos, apontando para currículos densos em conhecimento e em cultura, bem como valores consolidando um enfrentamento aos currículos “[...] medíocres em habilidades primaríssimas de leitura-escrita, contas, noções de ciências, porém fartos em bons conselhos moralizantes” (ARROYO, 2015, p. 54). Nessa direção, os currículos para as escolas do campo vão além das teorias pedagógicas e ideológicas. Segundo Arroyo (2015, p. 58), dão “[...] toda centralidade à história do trabalho tanto no seu padrão classista, sexista, racista, explorador como nas lutas históricas do movimento operário e especificamente dos trabalhadores do campo por outras relações de trabalho” (ARROYO, 2015, p. 58). Um dos princípios da Educação do Campo é o reconhecimento da realidade social em que os sujeitos do campo estão inseridos, assim como a valorização da diversidade socioterritorial e cultural de suas práticas.

É a partir do protagonismo dos movimentos sociais do campo, em específico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que ocorre o tensionamento com a prática e as concepções da educação rural e se institui um movimento pela Educação do Campo.