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O que é medir – O que pensam os alunos e a professora 99 

As discussões realizadas com a professora na coordenação pedagógica partiram do complemento de frases que foi proposto às professoras da escola pesquisada no dia 27 de novembro de 2009. O referido complemento de frases teve como intuito colher algumas informações a respeito dos temas grandezas e medidas, as quais foram necessárias no processo de construção da oficina já mencionada anteriormente e na construção das orientações didáticas, que foram propostas e discutidas com as professoras do 4o ano do EF na coordenação pedagógica para que elas desenvolvessem em sala de aula com os alunos.

A professora regente, da turma ora pesquisada, escreveu, no complemento de frases, que a matemática é trabalhada todos os dias em sala, e que os conteúdos aos quais ela deu mais ênfase nos últimos três anos foram “números, operações, tratamento”; e, quando justifica, diz que “talvez pela falta de experiência com geometria” (ver apêndice D). As frases a serem completadas foram:

1. Para mim, a diferença entre grandeza e medida é... [A professora escreveu:] não sabia, Marli me explicou.

2. Quando se trata de grandezas e medidas na sala de aula, o conteúdo que eu mais gosto de trabalhar é... [A professora escreveu:] não sei separar um do outro.

3. As dificuldades que encontro para trabalhar grandezas e medidas em sala de aula são... [A professora escreveu:] não tenho dificuldade. (complemento de frases, 27/11/2009).

Nota-se que, entre os conteúdos trabalhados nos últimos três anos, não aparecem os conteúdos grandezas e medidas, o que nos levou a supor que esse conteúdo não é abordado em sala de aula, talvez por falta de experiência como a própria professora relata ter com a geometria. O que confirma minhas hipóteses de que estes conteúdos são pouco trabalhados em sala e sempre são deixados para o

fim do ano letivo. Essa é uma questão delicada nos espaços escolares, em que a culpa não pode estar centrada somente na figura do professor. De acordo com Mandarino (2009, p. 43),

desde os anos 80, pesquisadores da área de Educação Matemática vêm defendendo que o estudo da geometria e das grandezas e suas medidas seja distribuído ao longo do ano letivo. Essa discussão teve como motivação a verificação de que, nos currículos de diversas redes de ensino e nos livros didáticos, os conteúdos dessas áreas do conhecimento matemático eram previstos para o final do ano letivo.

Por isso, os encontros nas coordenações pedagógicas foram essenciais para o processo de construção do cenário da pesquisa e das construções das informações do estudo ora proposto.

Pode-se dizer também, acerca da resposta da professora, que há uma incoerência em seu discurso, pois, ao mesmo tempo em que escreve que não sabe explicar os conceitos grandezas e medidas, afirma que não tem dificuldade em

trabalhar com esses temas em sala de aula. Ao nosso olhar, isso demonstra que

esse tema é pouco explorado e trabalhado em sala de aula, o que corrobora mais uma vez com a participação da pesquisadora nos espaços de coordenação pedagógica. Esse fato também nos levou a refletir e pensar sobre o paradoxo presente na fala da professora, pois nós, professores, quando não dominamos ou entendemos tal conteúdo, não nos arriscamos a problematizá-lo, uma vez que questionar revela certo nível de compreensão de nossa parte.

Quando fui para sala de aula, logo percebi que o complemento de frases havia levado a professora a uma reflexão de sua prática pedagógica, pois, no segundo mês do ano letivo, ela já estava propondo aos alunos situações envolvendo o tema grandezas e medidas.

Uma das coisas que me chamou a atenção quando fui para a sala de aula foi o diálogo estabelecido entre professora e os alunos a respeito do que seja medir. Foi importante identificar o que eles entendiam por medida para iniciarmos as discussões no espaço de coordenação pedagógica, uma vez que a proposta foi levar algumas orientações didáticas para que pudessem contribuir na elaboração das tarefas que seriam propostas a eles e desafiá-los com as situações-problema.

Então, vejamos algumas respostas dadas pelos alunos (optamos por não identificar os alunos):

ALUNO: Medir é quando você pega alguma coisa, aí pega uma régua ou uma fita métrica, uma trena e é quando ela mede altura, isso é medir. ALUNO: O metro tia, o metro tia.

PROFESSORA: O metro quer dizer que é me... dir. O que é que ele mede? O que vocês acham que é medir?

ALUNO: Medida? Deixa eu pensar tia... Medir é medir porta, é medir janela, é medir madeira... é medir pessoa.

ALUNO: Medir também dá para medir com a mão, dá para medir com o sol. PESQUISADORA: Com o sol?

ALUNO: Dá tia, o espaço.

PESQUISADORA: O sol mede o quê?

ALUNO: Oh! Tu tá longe, tu pega o binóculo, tu pega e vê quanto dá o tamanho do sol e bota aqui na nuvem, aí tu vê o tamanho da nuvem... ALUNA: Medir, para mim, é saber o tamanho das coisas, né. Ver se o espaço é grande é pequeno, né. Ver curto, isso que é medir pra mim.

ALUNO: Medir é um negócio que mede pra cima e pra baixo. Tipo, se eu tiver com dificuldade de medir, é só pegar a trena e o metro.

ALUNA: Medir é uma coisa que as pessoas fazem para medir as coisas usando fita métrica, régua, tipo assim, se eu for medir a mesa, eu uso a régua.

ALUNA: É medir as coisas. Só! Já medi meu braço, a cabeça, aqui na sala. ALUNA: É tipo, é medir a porta, pode ser de vários jeitos, com a mão, tipo a minha mão é maior do que a da Joaninha. Aí, com certeza, a medida de mão da Joaninha vai ser maior, porque a mão dela é pequena, vai precisar de muitas até chegar no topo.

ALUNO: Medir o corpo, medir a sala, medir a gente, com a trena, a mesa também.

ALUNO: Ver o tamanho de uma coisa. É tipo um apartamento, você quer saber quantos metros ele tem, então você pode pegar fita, trena, qualquer coisa para medir.

ALUNO: Crescer!!! Medir as coisas. Eu, o armário, paredes...

ALUNA: É medir as coisas, ver o tamanho que elas têm. Tem umas pequenas e tem umas maiores.

ALUNO: Medir, deixa eu pensar um pouquinho. Medir é, por exemplo, quando as pessoas vão medir as coisas, quando vão, por exemplo, ajudar na construção de uma casa. Por exemplo, meu bisavô ajudou na construção da casa dele e precisou medir as coisas. Entendeu? As coisas que precisam trena, fita métrica para medir uma porta, um armário, um espelho...

ALUNA: Pode medir um quadro, a parede, uma mesa, um menino. Ah! Também a régua pode medir qualquer coisa, dá par medir um ovo, um caderno, uma borracha. É só botar o ovo perto da régua aí vai mostrar o número. (degravação de áudio n. 23, 8:10 min., 31/3/2010).

Nota-se, na fala dos alunos, uma espontaneidade em dizer o que é medir, isso demonstra que eles já trazem alguns conceitos de sua experiência de vida. Em outras palavras, a partir do convívio social do aluno em outros espaços fora da escola, podemos dizer até mesmo de outras experiências anteriores ao próprio espaço escolar (na verdade não temos como saber), o importante é que os alunos já têm algum conceito do que seja medir, mesmo que seja o mais simples possível, podemos identificar que eles têm certa noção.

Ao mesmo tempo em que eles falam em medir objetos – às vezes utilizando partes do corpo, às vezes trenas, fitas e réguas –, aparece também a noção de espaço, ou seja, que ele também pode ser medido, se é distante, se é grande, se é pequeno. A presença dessa percepção surge quando a criança fala que medir é “crescer”, mas, limitado à grandeza associada ao espaço – comprimento –, podemos dizer que já é um conhecimento socialmente construído.

No entanto, percebe-se que as noções trazidas pelos alunos referem-se mais às experiências que tiveram com medidas da grandeza comprimento. Em suas falas, não foi possível identificar as grandezas massa e capacidade. Podemos inferir que essas crianças têm pouco ou nenhum contato, tanto na escola como no convívio social fora da escola, com ações de medir grandezas de massa e capacidade. O que me leva a refletir: não seria também em função da configuração do currículo escolar, que enfatiza somente o comprimento enquanto medida?

Dessa forma, esse diálogo foi importante para nossas discussões, pois, a partir do momento em que identificamos o que acabamos de relatar, optamos iniciar as tarefas propostas em sala de aula com a grandeza comprimento, por ser aquela que os alunos estavam mais familiarizados. A intenção não foi enfatizar ainda mais a grandeza comprimento, mas, sim, partir das experiências e vivências que os alunos tinham com relação a essa grandeza, sejam elas dos seus contextos sociais ou escolares.

No capítulo que se segue, discuto as três grandes categorias: i) comprimento;

ii) massa; e iii) capacidade, bem como suas subcategorias, que surgiram nas

análises das informações produzidas. Busquei responder à seguinte questão – Quais processos de aprendizagem gerados no campo das grandezas e medidas comprimento, massa e capacidade nos anos iniciais? Busquei também atingir ao último objetivo: Descrever e analisar os processos de aprendizagem no campo das grandezas e medidas comprimento, massa e capacidade nos anos iniciais.

7 RESULTADOS – AS TRÊS GRANDES CATEGORIAS: COMPRIMENTO, MASSA E CAPACIDADE

Minha proposta a partir de agora será mostrar os resultados das informações produzidas durante o processo da pesquisa no que se refere às grandezas e medidas comprimento, massa e capacidade. Optei em dividi-las em três grandes categorias: comprimento, massa e capacidade. Para facilitar a compreensão de como se deu a análise das informações com relação ao tema estudado, veremos que cada uma dessas categorias foram subdividas em subcategorias, as quais demonstraram as percepções, as comunicações, as estratégias de medidas e as intervenções que contribuíram para a formação de conceitos acerca das grandezas e medidas comprimento, massa e capacidade. Vale a pena ressaltar que todos os nomes dos alunos aqui descritos são pseudônimos e as famílias autorizaram a divulgação das imagens que aqui aparecem.

7.1 Grandeza comprimento

A grandeza comprimento foi a primeira a ser discutida e trabalhada em sala de aula. Não foi por acaso que iniciamos o trabalho com esta grandeza antes das grandezas massa e capacidade, pois, ao perguntarmos aos alunos “o que é medir”, identificamos que eles, em suas falas, referiam-se mais a essa grandeza do que às outras, como já dito anteriormente. Assim, por pensar que eles já estavam mais familiarizados com a grandeza comprimento, optamos por discutir, elaborar e levar as tarefas para a sala de aula essa grandeza antes do que as outras. Esse fato confirma mais uma vez que as propostas pedagógicas seguem mais uma lógica curricular linear do que a lógica do processo de aprendizagem.

Antes de irmos para a sala de aula, passamos por todo um processo de construção e elaboração das orientações didáticas na coordenação pedagógica com as professoras, tivemos que sentar e discutir se, de fato, as tarefas que íamos propor contribuiriam para a construção de novos conceitos, no que concerne à grandeza comprimento. Lembramos que nossas orientações didáticas foram baseadas nas tarefas propostas no módulo IV do Curso PIE, organizado por Muniz, Batista e Silva (2008).