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3 TECNOLOGIA E O ENSINO DE QUÍMICA

3.1 O QUE É TECNOLOGIA?

Dentro ou fora da área de educação, o termo tecnologia é empregado continuamente. Avanços tecnológicos, tecnologias digitais, transferência de tecnologia. Sabemos que estamos inseridos dentro de uma sociedade altamente tecnológica. Mas, conceitualmente, o que significa tecnologia?

Segundo Kenski (2003, p. 18-19), tecnologia possui três conceitos:

i) Conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade.

ii) Conjunto de ferramentas e as técnicas que correspondem aos usos que lhes destinamos em cada época.

iii) Estudo dos processos técnicos de um determinado ramo de produção industrial ou de mais ramos.

Segundo Leite (2015), as tecnologias

são tão antigas quanto a espécie humana, tecnologia é poder. Existem outras tecnologias que não estão ligadas diretamente a equipamentos e que são muito utilizadas pela raça humana desde o início da civilização. (LEITE, 2015, p. 21)

Segundo o autor, a própria linguagem é um exemplo de tecnologia, por ser um conjunto de conhecimentos criados pelo homem para facilitar sua comunicação. Assim, apesar de normalmente relacionarmos tecnologia à ciência, ela a precede. Ou pelo menos aquela como concebemos hoje, a ciência formal, baseada em método científico.

Com o avanço da ciência formal, o uso da tecnologia no seu sentido mais amplo tem seu boom na Revolução Industrial, contexto que demandou um forte investimento no desenvolvimento de ferramentas e técnicas que expandissem as forças produtivas. Nessa época, a classe burguesa crescia sua influência e poder graças ao desenvolvimento dos meios de produção que transformaram nossa sociedade, outrora feudal, em capitalista.

Atualmente, é difícil para nós pensarmos no homem se relacionando com o mundo sem recursos tecnológicos derivados da ciência. Computadores, smartphones, Tvs, carros são exemplos de objetivações tecnológicas desenvolvidas para facilitar a vida das pessoas. O homem, através do trabalho, produz sua própria existência através da elaboração de conhecimentos e sua aplicação – tecnologia. A objetivação do pensamento em algo material transforma a vida humana, pois muda a forma como o homem se relaciona com o ambiente e consigo mesmo. Ademais, esse objeto ganha expressão própria e novas objetivações que não eram imaginadas na sua concepção.

Todavia esse acesso não é igual entre os indivíduos. Apesar da criação desses artigos ter como objetivo simplificar nossas atividades diárias, elas são mercadorias e, portanto, entram na lógica do mercado, o qual nunca teve como finalidade democratizar seus produtos, mas manter a lógica de segregação de classes.

Um exemplo de novas objetivações e de segregação tecnológica é o celular. A primeira forma de comunicação sem fio foi utilizada em trens militares alemães em 1918, utilizando a tecnologia wireless desenvolvida dez anos antes3. Entretanto, foi

durante a 2ª Guerra Mundial que transceptores de rádio portáteis foram desenvolvidos para promover uma rápida comunicação. A primeira vez que um celular, como nós conhecemos hoje, foi em 1961 na União Soviética, um aparelho de apenas 70g que cabia na palma da mão. A partir disso, os avanços nas antenas de comunicação (ou células – daí deriva o nome celular), nos satélites e na microeletrônica em geral permitiram um aumento gigantesco na qualidade e quantidade do serviço telefônico sem fio. A partir dos ano 2000, o próprio termo celular sofreu uma evolução e passou a ser sinônimo dos chamados smartphones. Esses aparelhos se assemelham, em termos de funcionalidade, muito mais a computadores que aos celulares de antigamente. A maior diferença, hoje, entre um computador e um celular é o seu tamanho, hardware e que este faz ligações telefônicas utilizando, também, ondas de rádio (sinal telefônico).

Hoje, os celulares se tornaram parte da nossa vida, ou melhor, parte de nós mesmos. A crescente dependência dos smartphones é tamanha que o acesso à internet através dos dispositivos móveis ultrapassou o acesso pelos computadores

3 A história completa sobre tecnologia de comunicação sem fio pode ser encontrada no site do Museu de Telefonia Alemã. Disponível em: <www.deutsches-telefon-museum.eu/1900.htm>

no Brasil em 2017, segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI, 2018). Hoje 49% dos usuários de internet usam a rede apenas pelos seus smartphones enquanto que 47% navegam pela internet pelo computador ou pelo celular e apenas 4% usam a rede somente pelo computador. A forma de comunicação também mudou graças aos smartphones. A ampliação da conectividade via rede móvel (4G, 3G e afins) ou WiFi, bem como a alta aceitação de aplicativos de celular e redes sociais que conectam pessoas rapidamente e que também são fonte de informação e compartilhamento delas, a exemplo do WhatsApp®, Facebook®, Messenger®, Twitter® ou Snapchat®, facilitaram esse processo. Hoje em dia, a comunicação via texto ou imagem vem tomando o espaço das chamadas telefônicas.

Contudo, quando analisamos dados de usuários de internet no país, que atualmente ultrapassam 120 milhões de pessoas, a partir das classes sociais, fica nítida a desigualdade tecnológica. Os números, em porcentagem, do total de pessoas de uma classe social que usam internet são mostrados no Gráfico 1:

Gráfico 1. Proporção de usuários de Internet por classe social. Percentual sobre o total da população. Fonte: CGI, 2018

O gráfico acima, que baseia-se no critério renda na divisão das classes sociais, mostra que, enquanto quase que a totalidade da população da classe mais elitizada (curva azul do Gráfico 1) tem acesso à internet desde 2015, essa realidade é bem diferente para a faixa mais pobre da sociedade. Com apenas 30% das pessoas dentro da classe social D e E tendo acesso à internet em 2015 e 42% em 2017, vemos um crescimento que está muito aquém daquilo que deveria ser realidade para todos.

Com base no que foi exposto, fica nítido que a tecnologia ainda é, infelizmente, privilégio para um grande número de pessoas economicamente desfavorecidas. Além disso, podemos inferir que qualquer invento humano está passível de sofrer novas objetivações, as quais podem suscitar novas tecnologias. Chamo a atenção para o fato de que o termo tecnologia não está atrelado obrigatoriamente à ciência e seus métodos. Por exemplo, o domínio do fogo ou o machado podem ser chamados de inventos tecnológicos que não foram elaborados através do método científico moderno. Todos eles, frutos das múltiplas objetivações humanas. Portanto, podemos dizer que a tecnologia está muito mais associada historicamente à nossa cultura em geral do que atrelada a uma parcela dela, a ciência moderna.