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O que é um método?

No documento Filosofia Da Ciencia Rubem Alves (páginas 117-120)

A CONSTRUÇÃO DOS FATOS

A.2 O que é um método?

“O termo ‘método’, que significa literalmente ‘seguindo um caminho’ (do grego méta, junto, em companhia, e hodós, caminho), se refere à especificação dos passos que devem ser tomados, numa certa ordem, a fim de se alcançar um determinado fim” (Paul Edwards. The Encyclopedia of Philosophy. v. 7, p. 339).

Mas Gauss, na afirmação acima, está declarando: “Cheguei lá sem seguir caminho algum, premeditadamente. Estou pensando para ver se descubro o método...”

Por mais estranha que tal declaração possa parecer, existe um respeitável número de cientistas que concordaria com ela. Veja, por exemplo, o que diz Karl Popper:

“Não existe aquilo a que poderíamos chamar de um método lógico para ter novas idéias” (K. Popper. op. cit. p. 32).

Michael Polanyi mantém uma opinião semelhante:

“O advento de um pensamento feliz é fruto dos esforços anteriores do investigador, mas não é, em si, uma ação de sua parte. Ao contrário, trata-se de algo que acontece a ele ...” (Michael Polanyi. op. cit. p. 126).

Este ponto de vista é muito perturbador porque parece equiparar o ato pelo qual um cientista se defronta com uma idéia seminal, com a experiência de iluminação espiritual de místicos e videntes: um ato de graça, uma surpresa, uma revelação.

Feyerabend, que escreveu um livro intitulado Contra o Método, sugere claramente que a idéia de um método científico não passa de um mito que não resiste à investigação histórica.

“A idéia de um método que contenha princípios científicos inalteráveis e absolutamente obrigatórios que rejam os assuntos científicos se defronta com dificuldades ao ser confrontada com os resultados da investigação histórica. Descobrimos que não existe uma única regra, por mais plausível que pareça, por mais alicerçada sobre a epistemologia, que seja desrespeitada numa ou noutra ocasião. É evidente tais transgressões não ocorrem acidentalmente (...) Elas são antes necessárias ao progresso” (Paul Feyerabend. Contra el método. p. 15 ).

Imagine que você vai indo por uma estrada para chegar à cidade de Boa Esperança. De vez em quando há placas: Boa Esperança – 60 km; Boa Esperança – 30 km. De repente você encontra uma tabuleta curiosa: “Se quiser chegar a Boa Esperança, abandone esta estrada”. Não é exatamente isto que

Feyerabend está sugerindo? Que é necessário transgredir o método para ir à frente?

O fato é que os cientistas freqüentemente se vêem incapazes de explicar como as idéias lhes ocorrem. Elas simplesmente aparecem, repentinamente, sem que tenham sido construídas, passo a passo, por um procedimento metodológico. O que Gauss, Popper, Polanyi e Feyerabend fazem, portanto, é simplesmente confessar a presença de um fator imponderável no trabalho científico: a criatividade. Lecky diz mesmo que “um sistema científico é sempre o resultado de uma atividade criativa” (P. Lecky. op. cit. p. 71 ).

Ghiselin chega a dizer que “a produção por um processo de um cálculo puramente consciente parece não acontecer nunca”. As evidências sugerem que, não sendo o evento criador o resultado de um processo metódico consciente, ele deve ser produzido por processos inconscientes. E isto torna a sua compreensão extremamente complicada. C. G. Jung afirmou mesmo que “o ato criador escapará para sempre à compreensão humana” (Harold Rugg.

Imagination. p. 7 e 3),

Se Gauss está correto, é possível pensar que os inovadores chegam às suas idéias por meio de saltos, só então parando para descobrir o caminho, que deverá posteriormente ser ensinado aos mais medíocres, destituídos de asas. O que parece ser a verdade é que os cientistas têm visões, por processos que nem eles entendem, e, com elas na mão, tratam de testá-las para ver se o “palpite irracional” é confirmado pela realidade.

Vamos imaginar que isto seja verdade. Se as coisas acontecem dessa forma, um novo e fascinante objeto de conhecimento aparece à nossa frente.

Ovos são entidades maravilhosas, perfeitas em forma, polivalentes na cozinha, sementes de vida. No entanto, nós simplesmente os pegamos e usamos. Quantos são aqueles que gastam tempo a se maravilhar perante o processo por que foram produzidos?

A Nona Sinfonia, do meu ponto de vista, é o mais extraordinário objeto estético jamais construído. Mas, como ocorre com os ovos, ela nos chega como um produto acabado, seja numa execução ao vivo, seja num disco. Quantos se fascinam ao se perguntarem pelos caminhos seguidos por Beethoven, na sua composição?

Não será esta, exatamente, a situação das teorias científicas? Como é que as estudamos? Como produtos acabados.

Aprendemos seus enunciados, implicações e conseqüências. Só. Mas, e o processo mágico de sua produção?

Podem imaginar Pitágoras pensando o seu famoso teorema? Terá acontecido com ele o que ocorreu com Gauss? Primeiro, a contemplação da verdade, depois, a demonstração, o método?

E Copérnico? Quais foram os fatores que fizeram com que ele ,organizasse o universo com o Sol no meio? As informações históricas de que dispomos sugerem que muita coisa “extraciência” entrou, como, por exemplo, o fato de ser ele um membro da seita dos neopitagóricos, que acreditavam que Deus era um grande geômetra.

O que terá convencido Galileu a adotar a matemática como modelo para a realidade?

Há uma estória que, devo confessar, não sei se é verdadeira, que diz que Kekulê, cansado de lutar com o problema da organização molecular do benzeno, estava um dia fumando um charuto, frente a uma lareira, descansando. Repentinamente, do charuto saiu um anel de fumaça, e foi isto que produziu o estalo: os átomos de carbono não se organizam linearmente, formam um anel!

Pois é. Lidamos com os produtos acabados, tão certinhos, tão racionais, tão metodologicamente demonstrados, e com isto ganhamos uma visão totalmente equivocada dos processos pelos quais as idéias criadoras aparecem.

Em todo ato de verdadeira criação científica, quando uma nova visão do mundo é criada, existe um salto qualitativo. É necessário abandonar todos os auxílios do passado, porque o novo não é uma versão melhorada do velho. Mas é necessário não dar passos apressados. Reiniciemos o nosso caminho, onde o empirismo e o positivismo nos deixaram.

No documento Filosofia Da Ciencia Rubem Alves (páginas 117-120)